MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Possibilidade de formação de diversos títulos executivos judiciais no mesmo processo

Possibilidade de formação de diversos títulos executivos judiciais no mesmo processo

O texto pretende tratar de tema ligado à dinâmica formação de títulos executivos no mesmo processo e a fluência do prazo prescricional da pretensão executiva.

domingo, 27 de agosto de 2023

Atualizado em 25 de agosto de 2023 14:20

Visando o desenvolvimento do assunto ligado à possibilidade de formação de diversos títulos executivos no mesmo processo, e a análise da interpretação reiterada (e recente) do STJ, irei utilizar dois exemplos: a) julgamentos parciais de mérito e inicio da fase de cumprimento, estando outra parte do processo ainda na fase de conhecimento; b) único pronunciamento judicial, contendo obrigação de fazer e pagar, cujos sistemas de cumprimento são diversos e autônomos.

A primeira hipótese trata de antecipação parcial do objeto litigioso, ensejando a formação da coisa julgada e o cumprimento parcial (do capítulo decidido), como expressamente consta no §3º, do art. 356, do CPC.

Neste contexto, não há dúvida acerca da importância do julgamento antecipado de mérito (total ou parcial) como instrumento de aceleração da tutela jurisdicional (aceleração decisional)1, desde que atendidos os requisitos previstos na legislação processual e não haja necessidade de produção probatória (AgInt no AREsp 1287578 / RJ - rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva - 3ª T - J. em 8/6/20 - DJe 18/06/20)2.

Percebe-se, portanto, que a resolução definitiva e parcial referente ao pedido incontroverso é absolutamente necessária quando se está diante da necessidade da busca de um processo civil de resultados, desmembrando-se o pronunciamento meritório, inclusive, com a superação do dogma da incindibilidade do julgamento de mérito - unicidade da sentença.

Ora, se o sistema processual permite, e até incentiva, a cumulação de pedidos, o amadurecimento precoce de um deles enseja o desmembramento da tutela definitiva. Esta afirmação serve para se concluir que a sentença, por vezes, é o pronunciamento que encerra no máximo procedimento em 1º grau (isso sem falar no cumprimento do julgado); contudo, nos casos de pedidos cumulados, sendo um deles apreciado imediatamente - rejeitado ou acatado - tal decisão não se configura sentença, mas sim decisão interlocutória definitiva.

Aliás, os pontos ora apresentados trazem importantes consequências, uma vez que a coisa julgada não ocorre em apenas um só momento, o que reflete na fluência do prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória e mesmo na possibilidade de execução definitiva (cumprimento da decisão interlocutória) em momentos diferenciados e com prazos prescricionais da pretensão executivas também diferenciados.

Essas observações servem de ponto de contato com a segunda hipótese acima mencionada. A depender do caso concreto e da complexidade objetiva nele existente, é possível a existência de múltiplos títulos executivos (fazer, não fazer, coisa ou quantia) em um só processo, gerando a necessidade de análise da fluência do prazo para o exercício da pretensão executiva em relação a cada um deles.

Esta é a premissa a ser melhor enfrentada: possibilidade de múltiplos títulos executivos com fluência diferenciada do prazo prescricional para o exercício da pretensão executiva.

Com efeito, determinado caso concreto poderá desafiar o cumprimento de obrigações de vontade e pecuniárias, gerando reflexos em relação à fluência do prazo prescricional das respectivas pretensões executivas.

Neste contexto, deve o interessado ter a cautela necessária quanto à observância do limite temporal visando provocar os múltiplos sistemas de cumprimento.

Assim, é importante afirmar que determinações judiciais autônomas no mesmo processo geram fluência de prazo e procedimentos de cumprimento também autônomos, inclusive com possibilidade de desmembramento processual.

No tema, vale citar passagem da Ementa do Acórdão do STJ no AgInt no EmbExeMS 8468/DF - 3ª Seção - Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca - J. em 10.08.2022 - DJe 15.08.2022:

"O cumprimento da obrigação de pagar constitui pretensão autônoma e poderia ter sido iniciado mesmo sem o efetivo cumprimento da obrigação de fazer, sendo que eventuais parâmetros de cálculo poderiam ter sido discutidos no âmbito da própria execução. A Corte Especial deste STJ, inclusive, adota o posicionamento no sentido de que o prazo prescricional para exercício da pretensão executória é único, de forma que a execução da obrigação de fazer não tem o condão de interromper a fluência do prazo prescricional da obrigação de pagar."

No mesmo sentido (pretensões executivas simultâneas), transcrevo passagem da ementa do acórdão AgInt no REsp 1608714 / PE - 2ª T/STJ - rel. Francisco Falcão - J. em 15/08/2022 - DJe 19/08/22):

"Nesse panorama, o exercício da pretensão executória em relação a qualquer uma delas - no caso, a obrigação de fazer - não influi ou produz qualquer efeito em relação à outra pretensão - no caso, relativa à obrigação de pagar. Desse modo, permanecendo a parte inerte em relação a tal pretensão por lapso superior a 5 anos - prazo prescricional previsto para as pretensões contra a Fazenda Pública nos termos do Decreto n. 20.910/1932 - deve-se ter por prescrita a pretensão dos exequentes."

O assunto não é novo no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Importante debate foi realizado no REsp nº1.340.444 (Corte Especial - rel. min. Humberto Martins - R.P/acórdão min. Herman Benjamin - 12/6/19).

Como se pode observar, um único processo pode gerar a formação de vários títulos executivos simultâneos ou sucessivos, provocando o sistema de cumprimento nos formatos específicos previstos em lei e influenciando no prazo para o exercício da pretensão executiva.

O exercício de uma pretensão executiva (ex. pagamento de quantia - art. 523 e seguintes, do CPC), não interrompe o prazo prescricional para o exercício de outra pretensão executiva existente no mesmo processo (ex. cumprimento de obrigação de fazer - art. 536 e seguintes, do CPC).

Assim, seja em caso de tutela provisória ou de resolução parcial de mérito (com obrigação de fazer a ser cumprida de forma provisória ou definitiva), seja em caso de pronunciamento com determinação de pagar e fazer simultaneamente, estamos diante do mesmo tema: cumprimento de múltiplos pronunciamentos judiciais no mesmo processo e as suas consequências.

Deve o interprete ter a cautela quanto à forma e o prazo prescrição para a pretensão executiva, sabendo que a manifestação quanto a uma (ex. obrigação de fazer), não interrompe o prazo prescricional executivo em relação a outra (ex. obrigação de pagar).

-----

1 ARAÚJO, José Henrique Mouta. O fracionamento do objeto litigioso e as técnicas de aceleração decisional no CPC/15https://www.migalhas.com.br/depeso/346587/o-fracionamento-do-objeto-litigioso. Acesso em 07.03.2022.

2 Ainda no tema, vale citar o item da Ementa 4 do Acórdão proferido no AgInt nos EDcl no REsp 1451163 / PR (1ª Turma - relator ministro Sérgio Kukina - J. em 20/04/2020 - DJe 24/04/2020): "Se os elementos constantes dos autos são suficientes à formação da convicção, tal como verificado na hipótese dos autos, é lícito ao juiz conhecer diretamente do pedido, proferindo julgamento antecipado da lide, sem que isso implique cerceamento de defesa".

José Henrique Mouta

José Henrique Mouta

Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca