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Legal FOMO: O medo de ficar para trás no mundo jurídico

Como evitar anseios, ansiedades e frustrações em pessoas e projetos.

quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Atualizado às 14:48

Toda e qualquer jornada de inovação faz parte de uma grande aventura. Ao iniciar a caminhada, desbravamos um mundo novo, de vez em quando até um pouco parecido com filmes de ficção científica. Somos inundados de informações, conceitos, tecnologias e novas tendências. O primeiro questionamento que se faz é sobre o fim desse percurso. Onde ele termina? Já temos a resposta e ela é objetiva: não existe. Inovação não é o fim, é sempre o início. Por isso ela nunca está sozinha. 

É necessário absorver a inovação, entender o meio em que ela se aplica, desenhar, testar e implantar, isso requer algum tempo e maturidade cultural. No ambiente jurídico a grande explosão de inovação se deu nos últimos anos - foram  centenas de legaltechs nascendo com soluções, milhares de pessoas inquietas, inconformadas mais e mais com o status quo e grandes oportunidades se abrindo para todo o mercado.

Cases de inovação começaram a nascer. Times - seja de escritório ou de empresa - passaram a trabalhar para ter um exemplo de sucesso para 'chamar de seu'. Assim, como efeito reflexo em virtude da necessidade, a demanda por compartilhar conhecimento passou a crescer e, como consequência, grandes eventos para essa específica finalidade começaram a se formar. Essa talvez seja uma das grandes evoluções em nosso ambiente jurídico, afinal, compartilhar nunca foi muita a nossa praia - mas somos expert em nos adaptarmos.

Primeiramente, o Jurídico das empresas começam a investir em áreas ou assuntos correspondentes a controladoria jurídica, operações, eficiência. Na mesma trilha os escritórios começam a atentar-se nas mesmas competências para suprir as novas necessidades dos seus clientes, criando uma tendência de mercado. Hoje, é mais evidente que a decisão de "não abraçar" a inovação e, por consequência, o seu conjunto de tecnologias, irá te deixar em uma posição competitiva incômoda.

"Se você não fizer, seu concorrente provavelmente vai fazer", esta frase incômoda reflete tanto para escritórios quanto para jurídicos internos. Na perspectiva dos escritórios, falamos em perda de competitividade e performance, ou seja, puro business. Já no viés dos jurídicos internos, estar à frente dos concorrentes na estratégia e nos resultados é a contribuição para tornar ou manter a empresa líder de mercado, ou seja, de novo, business na essência, caros leitores.

A bem da verdade, esse viés de inteligência competitiva aprimora boas práticas de gestão e aumenta a régua de maturidade do mercado. Dado os desafios, números e tendência histórica (nada feliz) do mundo jurídico, compartilhar boas práticas e exemplos de sucesso virou mais que um capricho individual. Hoje, é uma necessidade coletiva.

Inovação não é mais um objetivo secundário. Alguém aí ouviu a palavra pressão? Este é um efeito que começa a surgir no mercado e vem tomando algum espaço. O exagero dessa pressão tem efeitos nada saudáveis. O conceito tradicional do FOMO (do inglês fear of missing out - em tradução livre "o medo de perder algo" ou melhor, "o medo de ficar de fora") mostra que se trata de Síndrome de FOMO, que é a patologia psicológica que se produz pelo medo a ficar fora do mundo tecnológico ou a não se desenvolver ao mesmo ritmo que a tecnologia.

Quase dois terços do total de usuários das redes sociais no mundo padecem de FOMO, de acordo com pesquisas realizadas1 pela Forbes e pela TrustPulse. O vício de se manter atualizado nas redes sociais é proporcional ao medo que se sente ao não poder o fazer em tempo real.

No contexto da inovação na prática do Direito, não se trata de uma derivação específica, apenas uma forma de elucidar o efeito que vem surgindo. Trata-se da sensação de atraso, uma ansiedade para absorver e ter todas as ferramentas e tecnologias possíveis e imagináveis. E podemos citar alguns exemplos comuns:

  • Escritórios de advocacia buscando implementação de Inteligência Artificial em pequenas carteiras de processo, pelo hype e diferencial competitivo na mesa com os clientes - sem olhar diretamente para a resolução de uma dor e/ou a geração de eficiência. Por que ao invés de gastar com a solução, não há o investimento em estratégia?
  • Jurídicos internos buscando ferramentas de painel de indicadores (BI) no contencioso, sem mesmo ter um sistema ou um processo que venha a gerar uma base de dados confiável. É clara a demanda e pressão da organização pedir por mais 'dados e inteligência' da operação, só que acaba resultando em um time jurídico aflito e frustrado, que percebe a movimentação do mercado nesse sentido - em conjunto com a demanda da empresa - e não sabem exatamente o que fazer'. Faz sentido investir em um sistema sem olhar para a base de dados antes? E já se perguntou se é possível investir na extração dessas informações utilizando um simples excel?
  • Profissionais jurídicos com formação de qualidade e que podem contribuir com inúmeros insights executando tarefas operacionais repetitivas, sem qualquer participação intelectual ou voltada à praxe jurídica. Se é um processo repetitivo, já pensou em investir em automação? O que acha de investir em processos automatizados para fazer com que seu time tenha tempo para destinar ao ócio criativo? 

Talvez esses três pequenos exemplos - com seus devidos questionamentos - possam estar despertando o FOMO no Direito. Para evitar este incômodo e danoso efeito citamos alguns pontos importantes para todos que vivem, querendo ou não, a inovação jurídica. 

1- A muralha da China não foi construída em um mês 

Grandes projetos não nascem em um mês, não importa o quanto a gente tente. Por isso, pense grande, mas comece pequeno. Lembra de Agile? Foque em quick wins (vitórias curtas) - assim você garantirá a geração contínua de valor para a empresa, além de diminuir a possibilidade do projeto estar desconectado da dor inicial das partes envolvida. 

Sim, existem muitos projetos relevantes sendo apresentados no mercado com ganhos fabulosos, mas lembre-se, eles não foram concebidos em um mês. Projetos demandam planejamento, disciplina de execução e foco, ou seja, tempo. 

Fazemos um convite poderoso. Ao invés de reclamar com a mentalidade fixa de "não posso criar porque não tenho um recurso/orçamento", por que não utilizar a mentalidade de crescimento e mandar um "o que posso criar com o que possuo de recurso/orçamento"?

2- Napoleão nunca contou suas derrotas ou planejamentos 

Não estamos acostumados a contar o que não deu certo - este também é um outro grande (d)efeito. Ou temos cases de aprendizado e aí sim, compartilhamos alguns cases de sucesso ou fracasso. Como disse Henry Ford, o único erro verdadeiro é aquele do qual não aprendemos nada.

Lembre-se do conceito de confiança criativa. Estimule seus times desde o início a começar, já aplicando a clássica máxima "quem não está errando, não está inovando". Para evitar erros que tragam prejuízo financeiro substancial, invista em um espaço controlado para testar.

3- O dicionário de Oxford não tem somente um autor 

Inovar tem relação com troca, cocriação, parceria. Dificilmente se trata de um plug and play. Ou seja, desenvolva com parceiros (fornecedores). Duvide de soluções 100% prontas, feitas para você. Aqui, exercitar o soft skill 'pensamento crítico' é fundamental. Busque vender o projeto para outras áreas da empresa ou do escritório pedindo feedbacks. Conecte-se em fóruns de benchmarking pedindo uma avaliação do fornecedor e investigue se no pós-venda há a mesma atenção que na fase de prospecção.

4- Somos todos peregrinos como Xuanzang.

Como falamos no início inovar é uma aventura, uma jornada. Não existem atrasos. Cada um tem o seu próprio tempo. A história nos mostra que estar a frente do seu tempo não beneficiou nenhum dos grandes nomes da vanguarda disruptiva, independentemente do setor.

O sentimento é sempre uma experiência subjetiva e emocional que ocorre dentro de uma pessoa e nem sempre ela tem nexo com a razão. Por isso, entender esse sentimento e dar conforto àquele que sente é a melhor forma de evitar ansiedades.

Oprah Winfrey, ícone da comunicação americana, disse que "(...) A chave para realizar um sonho é focar não no sucesso, mas no significado - e assim mesmo os pequenos passos e pequenas vitórias ao longo do seu caminho terão um significado maior." Pode parecer uma simples frase de efeito, mas faz todo o sentido. Somente combateremos o medo de ficar para trás se resolvermos dar um passo adiante de forma responsável, combatendo esse 'medo de ficar de fora' de forma responsável. E aí? Qual é o seu significado?

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1 https://trustpulse.com/fomo-statistics/#:~:text=to%20take%20action.-,Social%20Media%20FOMO%20Statistics,re%20missing%20out%20on%20experiences e https://www.forbes.com/health/mind/the-psychology-behind-fomo/, ambos acessados em 14/08/2023.

Felipe F. Coffone

Felipe F. Coffone

Pai de dois, head de Eficiência Jurídica LATAM na Whirlpool Corporation. Um advogado que resolveu se especializar em gestão e administração. MBA em administração de empresas, pós graduado em administração de negócios, PMI em gestão de projetos, cientista de dados e mentor de novos profissionais. Mais de 14 anos de experiência em operações dentro e fora do jurídico no setor financeiro.?Cofundador da metodologia de Eficiência Jurídica.

Guilherme Tocci

Guilherme Tocci

Ávido por inovação na prática do Direito, teve uma carreira não tradicional no mundo jurídico. É Gerente Sênior Global de Legal Ops na Gympass e Cofundador da CLOB (Comunidade Legal Ops Brasil). Candidato ao MBA pela FGV e formado em Direito pelo Mackenzie. Trabalhou em legaltech e atuou em posição jurídica na Huawei e Demarest Advogados. Idealizador e coordenador de "Legal Operations: como começar" (pela SaraivaJur).

Paulo Samico

Paulo Samico

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pós-graduado em Direito Processual e em Direito Regulatório pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Idealizador e coordenador dos livros Departamento Jurídico 4.0 & Legal Operations e Legal Operations: como começar (ambos pela SaraivaJur). Professor da Future Law, gerente jurídico na Mondelez International, autor e colunista de artigos jurídicos.

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