Compliance processual e as oportunidades tributárias no âmbito do processo administrativo
O recente julgado proferido pela Câmara Superior, embora trate de tema de ordem processual, sinaliza um novo e importante risco aos contribuintes, o qual deve estar mapeado dentro da gestão tributária das empresas.
quinta-feira, 24 de agosto de 2023
Atualizado em 23 de agosto de 2023 11:05
No último mês de julho, a 3ª turma do CARF - Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais negou provimento ao recurso de um contribuinte que pleiteava a análise de prova documental, juntada aos autos após a decisão de 1ª instância (DRJ - Delegacia Regional de Julgamento).
Segundo a decisão, a documentação comprobatória foi juntada pouco antes do julgamento em 2ª instância e o CARF, ao analisar o recurso interposto pelo contribuinte, entendeu por bem não analisar as provas apresentadas a destempo, glosando as compensações realizadas pelo contribuinte.
Ao buscar o respaldo da Câmara Superior, o contribuinte também teve seu direito negado e, durante o julgamento, foi inclusive sugerida a edição de Súmula, por haver pacificação sobre a matéria na Corte Superior administrativa.
A discussão sobre o prazo para apresentação de provas no âmbito do processo administrativo tributário é antiga. O decreto 70.235/72, determina que o prazo limite para apresentação de provas é o protocolo da impugnação, enquanto a lei 9.784/99, ao estabelecer as regras gerais do processo administrativo, disciplina que a prova pode ser apresentada a qualquer tempo, desde que antes do julgamento em 1ª instância. Em contrapartida, o princípio da busca pela verdade material valida a quebra do formalismo processual, garantindo aos contribuintes a apresentação de provas em momento posterior aos previstos nas supracitadas legislações.
O julgamento noticiado é bastante relevante e deve servir de alerta aos contribuintes, além de ser considerado como parâmetro de compliance na gestão tributária, face à frequência com que os contribuintes utilizam créditos tributários em compensações, seja em razão da sistemática tributária atual ou por conta das chamadas oportunidades ou teses tributárias.
Vale lembrar, ainda, que o ambiente SPED, com suas incontáveis obrigações acessórias eletrônicas, garante a fiscalização dos contribuintes em tempo real, com um acompanhamento frequente das apurações, recolhimentos e compensações realizadas mensalmente. Portanto, em se tratando de compensações, os casos que não passam na chamada "triagem" da fiscalização eletrônica, geram questionamentos, cobranças ou, eventualmente, litígios.
Nesse cenário, as chamadas oportunidades ou teses tributárias, em sua grande maioria, quando aproveitadas no âmbito administrativo, podem ser barradas já nessa fase de fiscalização eletrônica, dado que as obrigações fiscais eletrônicas são parametrizadas para refletir o entendimento das autoridades fiscais. Por isso, muitas vezes, para se garantir o aproveitamento
desses créditos, faz-se necessária a instauração de um contencioso, para uma análise mais aprofundada do caso no curso do processo administrativo.
Aqui, portanto, é que fica o alerta! Para o aproveitamento dessas oportunidades tributárias é preciso, preventivamente, mapearem-se os riscos sob a perspectiva dessas obrigações eletrônicas e, desde o início, já estar respaldado em farta documentação que comprove a materialidade dos créditos utilizados ou a recuperar.
Isso porque, é bastante comum que os contribuintes busquem a prova (para além das obrigações fiscais) apenas depois de eventual autuação ou glosa dos créditos por meio do despacho decisório da Receita Federal e, em razão do volume de documentação, é frequente a apresentação desta em momento posterior à impugnação, fundamentando-se na previsão da lei 9.784/99, ou no princípio basilar do processo administrativo, que é a busca pela verdade material dos fatos.
Com o julgamento acima mencionado, o levantamento de provas e documentos que respaldam o crédito precisa ser realizado preventivamente, sob pena do contribuinte (se legítimo o direito ao crédito) ter negado seu direito de utilização dos valores, em razão de uma formalidade processual, agora validada em última instância administrativa.
Tal situação exige que o contribuinte leve a questão para apreciação do judiciário, suprimindo a análise mais técnica e de menor custo que poderia ser proporcionada no âmbito do processo administrativo.
Em suma, o recente julgado proferido pela Câmara Superior, embora trate de tema de ordem processual, sinaliza um novo e importante risco aos contribuintes, o qual deve estar mapeado dentro da gestão tributária das empresas.
Portanto, o julgado em referência exige que os contribuintes elaborem preventivamente dossiês robustos (além da simples declaração em obrigação acessória), com a comprovação da materialidade dos créditos, a fim de evitar a glosa ou indeferimento por simples ausência de comprovação da materialidade dos valores, o que demandará mais atividade e foco dos departamentos fiscais das empresas.
Thais Folgosi Françoso
Sócia do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados, responsável pelas áreas de contencioso tributário, procedimento administrativo tributário, compliance e direito do entretenimento.