Revisão da vida toda: Julgamento dos embargos de declaração do INSS e modulação de efeitos da tese
O STF iniciou o julgamento dos embargos de declaração do INSS no processo da revisão da vida toda, modulando os efeitos temporais da tese jurídica fixada.
quarta-feira, 23 de agosto de 2023
Atualizado em 24 de agosto de 2023 08:45
O julgamento dos embargos de declaração opostos pelo INSS no Tema 1102 da repercussão geral, onde foi consagrada a tese da revisão da vida toda, começou no dia 11/8/23, com a disponibilização do voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, que acolheu parcialmente a tese da autarquia previdenciária, modulando os efeitos econômicos dessa revisão a partir do julgamento realizado pelo STF em 1/12/22.
Posteriormente à prolação desse voto, o ministro Cristiano Zanin pediu vista do processo, ato processual que teve o condão de suspender o julgamento e remetê-lo ao plenário físico (até então o julgamento corria em plenário virtual).
Consideramos que é bastante adequado que esse julgamento se realize em modo presencial.
Ainda que não possam mais ocorrer manifestações orais por parte dos amici curiae, compreende-se que esta modalidade de julgamento (presencial) propiciará um melhor debate a respeito de tema tão complexo e polêmico como a revisão da vida toda, especialmente a modulação de efeitos da decisão.
A despeito do pedido de vista suspender a continuidade do julgamento, a ministra Rosa Weber acolheu manifestação do IEPREV enquanto amicus curiae e decidiu antecipar seu voto, em virtude da proximidade de sua aposentadoria, ato processual que é admitido por diversos precedentes do STF.
Assim, acolheu parcialmente a tese do INSS, mas divergiu ligeiramente do alcance da modulação de efeitos admitida anteriormente pelo ministro relator.
Enquanto se aguardam os votos dos demais 9 ministros da Corte Suprema, especialmente o voto vista do ministro Zanin, passaremos a analisar os principais tópicos das decisões proferidas até agora, ressaltando que esses primeiros votos disponibilizados ainda merecem reflexão mais aprofundada, pois remanescem alguns pontos de dúvida sobre seus termos.
I. Inexistência de violação à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal)
O ministro relator, Alexandre de Moraes, consignou que não ocorreu violação à cláusula de reserva de plenário, contida no art. 97 da Constituição Federal.
Com efeito, argumentou que o STJ não declarou inconstitucionalidade de norma jurídica, limitando-se à mera fixação de interpretação da legislação Federal, o que não configura violação ao art. 97 do texto Constitucional, conforme jurisprudência assentada no STF.
Neste tópico foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, que não divergiu deste ponto.
II. Prazos de prescrição e decadência
O ministro relator decidiu que não ocorreu, no acórdão, omissão em relação aos temas de prescrição e decadência, visto que, consoante regra geral, serão aplicados, no caso concreto e mediante análise das instâncias de origem, os prazos fixados na legislação de regência.
Ademais, o voto ainda destaca que o STF já possui entendimento fixado a respeito do tema do prazo decadencial para as ações revisionais, que está consignado no Tema 313 da repercussão geral, que deve ser interpretado em correspondência com o que foi decidido na ADIn 6096.
Pode-se aferir que o relator compreendeu pela desnecessidade de estabelecer uma regra específica de decadência para a hipótese da revisão da vida toda, devendo ser utilizada a regra geral contida na jurisprudência do STF, no caso a tese jurídica fixada no Tema 313.
Aqui também a ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator.
III. Divisor mínimo
O voto do ministro relator deixou de apreciar o tema do divisor mínimo de 60%, indicando que não foi objeto do recurso extraordinário no qual se fixou a tese jurídica consignada no Tema 1102 da repercussão geral.
Decidiu, portanto, que não existia omissão a ser suprida nesse ponto, inclusive com a perspectiva de que os embargos declaratórios, aqui, buscavam alargar o objeto da discussão inicial contida no acórdão embargado.
Outrossim, consideramos que a matéria em questão é infraconstitucional e sequer competiria à jurisdição constitucional exercida pelo STF.
Neste tópico, da mesma forma, não se pronunciou de modo diferente do relator a ministra Rosa Weber.
IV. Modulação de efeitos
O principal ponto a ser aqui debatido reside, certamente, na modulação de efeitos da tese jurídica fixada no Tema 1102 da repercussão geral.
O ministro Alexandre de Moraes pontua alguns argumentos centrais para a compreensão da modulação de efeitos que sugeriu no caso em tela: a) o STJ alterou seu entendimento quanto à tese da revisão da vida toda tão somente a partir do julgamento do Tema 999; b) o STF ainda não havia se posicionado juridicamente sobre a tese, tendo-o feito apenas no julgamento do Tema 1102, em 1/12/22.
Diante disto, estabeleceu a modulação de efeitos da revisão da vida toda para excluir da aplicação da tese as seguintes situações:
"(a) a revisão de benefícios previdenciários já extintos;
(b) a revisão retroativa de parcelas de benefícios já pagas e quitadas por força de decisão já transitada em julgado; aplicam-se às próximas parcelas a cláusula rebus sic stantibus, para que sejam corrigidas observando-se a tese fixada neste leading case, a partir da data do julgamento do mérito (1/12/22)."
A ministra Rosa Weber dele divergiu parcialmente, nos seguintes termos:
9. Ante o exposto, acolho, em parte, os embargos de declaração, unicamente para modular os efeitos da tese fixada no Tema 1002, mas, - e aqui divergindo em parte, com a mais respeitosa vênia, do ministro Alexandre de Moraes -, voto, nesta modulação, para que se exclua do entendimento fixado no Tema 1102 a possibilidade de: ( i ) revisão dos benefícios previdenciários já extintos; ( ii ) ajuizamento de ação rescisória, plenário virtual - minuta de voto - 21/8/23 com fundamento na tese firmada neste recurso extraordinário, contra decisões que tenham transitado em julgado antes de 17/12/19; ( iii ) pagamento de diferença de valores anteriores a 17/12/19, ressalvados os processos ajuizados até 26/6/19.
IV. 1. Benefícios extintos
Ambos os votos proferidos até aqui afastam da incidência do Tema 1102 os chamados "benefícios extintos".
Há uma primeira dúvida que permanece a respeito do alcance do julgamento dos embargos de declaração, referente à adequada interpretação da expressão "benefícios extintos".
A decisão parece querer fazer menção a benefícios que já cessados, a exemplo de benefícios por incapacidade temporária que não estejam mais ativos.
Porém, é importante registrar que na doutrina a expressão "benefícios extintos" costuma sinalizar benefícios não mais contemplados em lei, como é o caso do pecúlio ou do abono de permanência - o que sequer faz sentido em relação à tese da revisão da vida toda.
Registre-se que também não queda claro se a revisão da vida toda alcançará ou não o valor da pensão por morte; a segurança jurídica na aplicação do Tema 1102 exige um necessário esclarecimento neste ponto, indicando com precisão se o benefício de aposentadoria que dá origem à pensão por morte é considerado ou não como "extinto".
IV. 2. Marco temporal
O outro aspecto fundamental nos votos proferidos nos embargos de declaração do Tema 1102 consiste na fixação de marco temporal a partir do qual terá efeito a tese jurídica da revisão da vida toda.
O art. 926, § 3º, do CPC, indica que na modulação dos efeitos da decisão, especialmente aquela que imponha alteração de jurisprudência dominante, devem ser considerados os tópicos de interesse social e segurança jurídica:
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
O estatuto processual nada dispõe a respeito dos marcos temporais que possam ser estabelecidos na modulação de efeitos da decisão, mas este tópico é encontrado no art. 27 da lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo constitucional, e que pode ser tomado por analogia para essa situação:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
O voto do ministro relator exclui a aplicação da tese contida no Tema 1102 no caso de "revisão retroativa e pagamento de parcelas de benefícios quitadas anteriormente ao julgamento por força de decisão já transitada em julgado".
Tendo em vista o interesse social, a ideia de inafastabilidade da jurisdição, bem como a cláusula rebus sic stantibus (que é empregada pela jurisprudência do STF nas hipóteses de desconstituição de coisa julgada), o relator estabeleceu o entendimento de que também nestes casos as parcelas poderão ser revistas a partir de 1/12/2022, quando ocorreu o julgamento do Tema 1102 e a fixação da nova tese jurídica.
O voto proferido pela ministra Rosa Weber fixa o marco temporal de forma distinta, e é de compreensão muito mais clara que o voto anterior.
Conforme a Exma. Sra. ministra presidente do STF, a alteração na jurisprudência nacional ocorreu em 17/12/19, com o julgamento do Tema 999 pelo STJ no sistema dos recursos especiais repetitivos.
Conforme a ministra Rosa, o rito processual dos recursos repetitivos confere eficácia diferenciada ao julgamento, e desde 17/12/19 já teria cessado a justa expectativa do INSS em relação ao não acolhimento da revisão da vida toda, a qual já deveria ter sido incorporada às práticas administrativas da autarquia.
Portanto, deve ser adotado como marco temporal para a modulação dos efeitos do Tema 1102 a data do julgamento do Tema 999 no STJ, ou seja, a tese jurídica da revisão da vida toda valerá apenas a partir de 17/12/19.
Diante da perspectiva de segurança jurídica e confiança no sistema judicial, a ministra Rosa Weber ainda teve o cuidado de excepcionar deste marco temporal as ações ajuizadas até 26.6.2019, quando teve início o julgamento do processo no sistema dos recursos especiais repetitivos no STJ.
Como se vê, o voto da ministra Rosa estabelece um marco temporal muito mais favorável aos segurados, pois estabelece como termo inicial a data de 17/12/19 (julgamento do STJ) e não a data de 1/12/22 (julgamento no STF), permitindo praticamente mais 3 anos de reflexos econômicos em comparação ao que constou do voto do ministro relator.
Por fim, e essa consequência jurídica é bem importante, a ministra Rosa estabeleceu a inviabilidade das ações rescisórias (que certamente seriam promovidas pelos segurados) em face das decisões judiciais transitadas em julgado antes de 17/12/19, devendo prevalecer o entendimento anterior do STJ, ainda que desfavorável aos aposentados.
Marco Aurélio Serau Junior
Diretor Científico do IEPREV - Instituto de Estudos Previdenciários.