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Análise da alocação de riscos e estruturas contratuais em investimentos de venture capital e operações de fusões e aquisições

Beatriz Rodrigues da Fonseca e Leonardo Theon de Moraes

Empresas que buscam realizar operações de M&A devem estar preparadas para enfrentar grandes desafios, mas também podem colher os benefícios de uma estratégia bem executada.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Atualizado em 22 de agosto de 2023 12:09

Nos últimos anos, o venture capital evoluiu para se tornar um mecanismo personalizado de financiamento para essas empresas emergentes e startups que exibem notável potencial de crescimento e inovação. Contudo, dada a natureza instável dos mercados em que operam e suas fases iniciais de desenvolvimento, o investimento em venture capital é reconhecido como intrinsecamente arriscado. Para mitigar esses riscos, abordagens contratuais específicas como "mútuos conversíveis" e "acordos simples para participação futura" (SAFEs) têm emergido como formas de proporcionar segurança e flexibilidade tanto para os investidores quanto para as startups.

O presente artigo explora não apenas essas estruturas contratuais, mas também examina a arena das operações de fusões e aquisições (M&A). Diferentemente dos investimentos em startups que focam na valorização de capital, as M&As representam estratégias empresariais complexas que visam a criação de sinergias e vantagens competitivas. Ao seguirem com uma operação de M&A, as empresas enfrentam riscos operacionais, passivos e contingências, tornando a gestão dessas operações um desafio notável.

Ao destacar as nuances desses dois domínios - venture capital e M&A - este artigo busca arrojar luz sobre as estratégias contratuais empregadas para lidar com riscos e oportunidades no investimento em startups e empresas emergentes, bem como a complexidade inerente às operações de fusões e aquisições. Em um ambiente empresarial onde a inovação e o crescimento são fundamentais, entender e otimizar essas abordagens é crucial para garantir o sucesso a longo prazo.

venture capital e as estruturas contratuais: Mútuos conversíveis e SAFEs

O cenário de investimento em startups e empresas emergentes testemunhou uma mudança significativa nas últimas décadas, impulsionada pela ascensão do venture capital. Essa categoria de investimento, direcionada principalmente para empresas com alto potencial de crescimento e inovação, envolve riscos substanciais, devido aos estágios iniciais das empresas.

As startups são fundadas com o objetivo de alcançar um rápido crescimento para, em poucos anos, atingir uma lucratividade suficiente para serem vendidas por valores múltiplas vezes superiores ao investimento realizado. Dessa forma, são negócios criados para terem um ciclo de vida curto enquanto startups, sendo que, após esse período e em caso de sucesso, atingirão o patamar de empresas consolidadas.

O venture capital, portanto, tornou-se um mecanismo de investimento customizado para startups e empresas emergentes que exibem perspectivas promissoras de crescimento. Essas empresas, em muitos casos, são pioneiras em inovação e têm como característica distintiva a busca por soluções disruptivas em seus respectivos setores.

No entanto, devido à sua fase inicial e à natureza volátil dos mercados em que atuam essas sociedades, o venture capital é considerado um investimento de alto risco. Por tanto, para mitigar os riscos associados ao investimento de risco em startups, usualmente os aportes de venture capital são realizados através de estruturas contratuais específicas, como os "mútuos conversíveis" e os "acordos simples para participação futura" (SAFEs), para garantir a segurança e agilidade tanto para os investidores quanto para as startups.

Mútuos conversíveis

No contexto do venture capital, o contrato de mútuo conversível emerge como um instrumento inspirado nas convertible notes, amplamente utilizadas por startups norte americanas, ganhando popularidade também no Brasil. Este contrato trata o capital investido pelo investidor como uma dívida da empresa, diferentemente de uma participação imediata no capital social. Esta estratégia atua como um escudo para o investidor, desvinculando-o diretamente dos riscos operacionais da empresa, tais como passivos, litígios ou até mesmo a desconsideração da personalidade jurídica.

O contrato de mútuo conversível em participação societária é celebrado entre a startup e o investidor, com a assinatura dos sócios fundadores como intervenientes anuentes. Nele, o investidor empresta certa quantia para a sociedade, estabelecendo os juros e correção monetária devidos, e prevendo hipóteses em que o investidor poderá optar por substituir a obrigação da sociedade em quitar o mútuo com dinheiro, pela conversão do seu crédito em uma parcela de participação societária.

A conversão do crédito em participação societária se dá com a verificação de determinados eventos, tais como: (i) A data de vencimento do contrato; (ii) Em caso de alteração do controle societário da Startup; (iii) Transformação do tipo societário; (iv) Eventual oferta pública de ações; e (v) Em caso de nova rodada de investimento.

A referida conversão ocorre por meio da emissão de novas quotas ou ações, a depender do tipo societário da startup, a serem subscritas e integralizadas pelo investidor, seguindo critérios pré-determinados quando da celebração do contrato de mútuo.

Além disso, esses contratos geralmente incorporam cláusulas relacionadas à governança do negócio, conferindo ao investidor certo poder de veto sobre questões sensíveis da sociedade, o que também traz maior segurança ao investimento.

No que tange ao lançamento contábil, o valor do mútuo é inicialmente registrado no passivo da empresa como uma obrigação a pagar. À medida que os eventos de conversão ocorrem, os valores correspondentes são transferidos do passivo para o patrimônio líquido, refletindo a conversão do crédito em participação societária. É essencial que a contabilidade seja feita de acordo e que todos os aspectos do contrato sejam devidamente documentados.

Em relação aos aspectos tributários no Brasil, a conversão do mútuo em participação societária pode ter implicações específicas. É fundamental considerar as regras tributárias vigentes no momento da conversão, incluindo possíveis incidências de impostos sobre ganhos de capital ou outras obrigações fiscais que possam surgir.

Acordos simples para participação futura (SAFEs)

Como alternativa aos mútuos conversíveis, surgiu em 2013 nos Estados Unidos, o acordo simples para participação futura (SAFEs). O SAFE é um contrato que oferece ao investidor o direito de converter seu investimento em participação acionária no futuro, sem as características de dívida inerente aos mútuos conversíveis. Ao contrário dos mútuos, os SAFEs não possuem datas de vencimento ou taxas de juros remuneratórios.

O processo de aporte por meio de SAFE começa com o investidor que, após concordar com os termos e condições, transfere os fundos para a empresa emissora. Esse valor, apesar de não representar uma dívida, é registrado contabilmente como um passivo contingente, uma vez que há a possibilidade de conversão em ações. Portanto, o valor do aporte é registrado como "Passivo - SAFEs Emitidos" no balanço patrimonial da empresa.

Os SAFEs possuem elementos comuns, como a definição de avaliação da empresa para a conversão do investimento em participação societária, eventuais descontos em relação a futuros investidores e cláusulas MFN - Most Favored Nation, que permitem ao titular do SAFE acompanhar os termos mais vantajosos de acordos celebrados posteriormente.

Além dos aspectos contábeis e financeiros, os acordos simples para participação futura (SAFEs) também têm implicações tributárias que devem ser consideradas tanto pelas startups emissoras quanto pelos investidores.

As operações de fusões e aquisições (M&A)

Por outro lado, as operações de Fusões e Aquisições (M&A - Merger and Acquisition) envolvem estratégias empresariais complexas que podem tratar, por exemplo, da combinação de duas ou mais empresas, com o objetivo de criar sinergias, aprimorar eficiências e conquistar vantagens competitivas. Essas operações têm se tornado uma ferramenta valiosa para empresas que buscam diversificação de portfólio e expansão de mercado.

As operações de M&A geram um maior risco iminente quando comparado aos investimentos em uma startup, como acima explorado, uma vez que o comprador passa a conviver com os riscos operacionais, passivos e contingências da empresa a partir do fechamento da operação, quando passa a fazer parte do quadro societário. Ao contrário da simples valorização do capital como ocorre nos investimentos via venture capital em startups, nas operações de M&A, a estratégia frequentemente visa à exploração de sinergias entre a empresa compradora e a adquirida, com foco na criação de valor, não se restringindo à valorização do capital.

Como funcionam as Operações de M&A?

As operações de M&A percorrem várias fases, desde a identificação de oportunidades até a conclusão da integração, bem como o pós-fechamento. Destacamos as principais etapas a seguir:

  • Planejamento Estratégico: As empresas definem seus objetivos estratégicos para a operação, incluindo o motivo da transação, os benefícios esperados e a abordagem de integração.
  • Identificação de Oportunidades: Empresas buscam potenciais alvos de M&A que estejam alinhados com sua estratégia e que possam agregar valor ao negócio.
  • Negociação: As partes envolvidas discutem os termos da operação, incluindo preço de compra, forma de pagamento e outras cláusulas contratuais, oportunidade em que podem ser celebrados contratos preliminares como, acordo de confidencialidade, carta de intenções ou memorando de entendimentos.
  • Due Diligence: A empresa compradora conduz uma análise minuciosa da empresa-alvo, abrangendo aspectos financeiros, operacionais, jurídicos e comerciais, a fim de avaliar riscos e oportunidades.
  • Aprovações Regulatórias: A depender do setor e da região, as operações de M&A podem estar sujeitas a aprovação de órgãos regulatórios para garantir a conformidade com leis antitruste e regulamentos.
  • Assinatura do Contrato: Após a conclusão das negociações e das análises, é firmado o contrato de compra e venda ou o acordo de investimento.
  • Fechamento: As partes cumprem as condições estabelecidas no contrato, e a transação é finalizada com a transferência de propriedade e pagamento.
  • Pós Fechamento: Após o fechamento, inicia-se o processo de integração das operações, que pode envolver a reorganização de equipes, sistemas, processos e culturas organizacionais.

Conclusão

Diante do exposto, o venture capital é um modelo investimento essencial para o crescimento das startups e das empresas emergentes. Estruturas contratuais adequadas, como os mútuos conversíveis e os SAFEs, desempenham um papel crucial para tornar esses investimentos mais seguros e ágeis.

Embora as empresas no contexto do venture capital enfrentem riscos significativos, o uso inteligente de contratos pode ajudar a equilibrar a segurança dos investidores e a agilidade necessária para o sucesso no ambiente competitivo das startups. Portanto, o aconselhamento jurídico e contábil torna-se vital para garantir a proteção dos interesses de ambas as partes envolvidas nesses acordos.

Sob outra perspectiva, as operações de fusões e aquisições são ferramentas estratégicas que permitem às empresas alcançar crescimento, sinergias e vantagens competitivas de maneira rápida e eficiente. No entanto, essas operações são complexas e envolvem uma série de etapas e considerações, desde a identificação de oportunidades até a integração pós-fechamento. Empresas que buscam realizar operações de M&A devem estar preparadas para enfrentar grandes desafios, mas também podem colher os benefícios de uma estratégia bem executada.

Beatriz Rodrigues da Fonseca

Beatriz Rodrigues da Fonseca

Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), advogada atuante na área de Fusões e Aquisições no escritório Lacerda Diniz e Sena, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Minas Gerais. Especialista em Direito Societário e Contratos Empresariais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Membro da Comissão de Direito Societário da OAB/MG (2022-2024), Secretária Geral da Câmara Jurídica da FEDERAMINAS e Vice-Presidente do Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS.

Leonardo Theon de Moraes

Leonardo Theon de Moraes

Advogado, graduado em direito, com ênfase em direito empresarial, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012), inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP) (2012). Pós-graduado e Especialista em Direito Empresarial e em Fusões e Aquisições pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (2014), Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2017), autor de livros e artigos, palestrante, professor na graduação, MBA e Educação Executiva na FIPECAFI, membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e Presidente do Conselho Estadual de Direito Comercial da FEDERAMINAS. Sócio fundador do TM Associados.

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