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As nulidades no processo penal e a famigerada demonstração do prejuízo na visão dos tribunais

Bruna Koch Peixoto e Yuri Moura Ribeiro

Imagine um (in)devido processo legal, no qual o acusado é interrogado antes mesmo da vítima e das testemunhas de acusação, mesmo assim, a defesa técnica é responsável por demonstrar o prejuízo do réu.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Atualizado às 15:01

1. Quando falamos de nulidades, não se pode deixar de lado que esse tema é de suma importância para todos que trabalham diariamente com o direito processual penal, aliás, trata-se das garantias Constitucionais (CF) e matérias (CPP) que asseguram a todos um processo civilizatório e democrático.

2. Não é novidade que o nosso artigo 564 do Código de Processo Penal delimita um rol de nulidades relativas e absolutas, todavia, como complementação, a nossa jurisprudência define de forma mais ampla as situações em que o poder de punir deve observar a tipicidade, sob pena de violação de uma garantia Constitucional ou até mesmo material.

3. Em relação as nulidades relativas e absolutas. Quanto a primeira (relativa), o entendimento é que ela deve ser arguida no momento de sua ocorrência, no qual, se sujeita a direito privado, pois afetaria apenas normas infraconstitucionais/materiais (CPP), e se defesa técnica não expor no momento oportuno, ocorrerá preclusão e o ato irá se convalidar/confirmar. No entanto, a nulidade absoluta ocorre quando viola direito Constitucional, podendo ser arguida a qualquer momento, uma vez que é de interesse público, e ainda não depende da fadada preclusão, pois a luz de princípios, a referida nulidade já teria o seu prejuízo presumido.

4. A nossa indagação, sujeita-se a comprovação do prejuízo, tanto na nulidade absoluta e na relativa, visto que, os Tribunais Superiores entendem que cabe a defesa provar o prejuízo em desfavor do acusado para fins de reconhecimento da nulidade processual, senão vejamos um trecho do atual entendimento: "É cediço que o reconhecimento de nulidades no curso do processo penal, seja absoluta ou relativa, reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte [...]. AgRg no HC n. 792.776/SC, julgado em 17/4/2023, DJe de 20/4/2023)".

5. Logo, pergunta-se: Como demonstrar o prejuízo? Se a própria violação de uma garantia fundamental, tais como, violação do domicílio, busca pessoal e até a inversão do interrogatório do acusado sem a concordância defensiva, já seria o suficiente para reconhecer uma nulidade absoluta ou até mesmo relativa.

6. A mera demonstração da nulidade já deveria ser de fato reconhecida, em razão de se tratar de direito público, ou seja, de interesse de todos. De outro modo, para que teríamos normais processuais, senão fosse para garantir um julgamento justo e democrático tanto para vítima, quanto para o réu.

7. Com base neste debate, para (LOPES Aury, 2023, p. 1117), a gravidade da atipicidade processual conduz à anulação do ato, independentemente de qualquer alegação da parte interessada, podendo ser reconhecida de ofício pelo juiz ou em qualquer grau de jurisdição. Sendo alegada pela parte, não necessita demonstração de prejuízo, pois manifesto ou presumido, como prefere alguns.

8. A aceitação desses discursos da demonstração do prejuízo, ou até mesmo, que com a mencionada existência da nulidade absoluta, o processo atingiu o seu fim (verdade substancial), não passam de meras manipulações discursivas utilitaristas, pois aproveita-se um ato contaminado, com a singela fundamentação de que o processo chegou a sua finalidade principal, na maioria dos casos, em condenação.

9. É de se verificar, que forma é garantia, ou seja, se temos uma norma prevista em lei, que regulamenta como deve ser feita uma busca pessoal, interceptação telefônica ou reconhecimento fotográfico, essa regra deve ser seguida, e caso não for, vamos ter uma flagrante atipicidade. Admitir o contrário, é afirmar que o legislador criou a norma processual por mero amor, mas despida de sentido algum.

10. Denota-se, que existem discursos de cunho inquisitório, no qual relatam que os criminalistas buscam "impunidade" ao sustentarem apenas o cumprimento da norma processual, ou seja, o devido processo legal. Pois não podemos deixar de lado que a admissão dessa prova (ilícita) vai ser apreciada pelo julgador na fase de sentença, e talvez o indivíduo poderá ser condenado com essa prova que nem sequer é válida. E com isso, imagine, um suposto flagrante onde a polícia ostensiva utilizou-se da fundada suspeita para fazer uma busca pessoal, além disso, ingressou no domicílio sobre o pretexto de ter encontrado drogas com o suspeito. A pergunta é: Qual a necessidade de comprovação de prejuízo? Pois é evidente que foram violados aqui o artigo 5°, inciso X da CF e o artigo 244 do Código de Processo Penal.

11.Sem falar na insegurança jurídica em que estamos vivenciando, no qual algumas turmas do e. STJ entendem que a demonstração do prejuízo é inviável, enquanto outros pensam o contrário.

12. Não se pode esquecer que essas garantias fundamentais servem de escopo para um processo equilibrado, devido as experiências passadas que deixaram a desejar. Notadamente, a demonstração do prejuízo não era para ser aceita, pois os tribunais ao exigirem essa comprovação, invertem o ônus da prova, ou melhor dizendo, exigem que a defesa prove algo, o que de fato sabemos que essa função é do Ministério Público, conforme artigo 156 do CPP. Com essa inversão, menosprezamos a presunção de inocência e naturalmente o seu subprincípio (in dúbio pro réu).

13. Contudo fica a seguinte reflexão: Como se defender se nem sequer sei se aquela prova vale ou não vale? Se vai ser admitida no processo ou não? Faço defesas alternativas? Impossível.

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LOPES JUNIOR, Aury, Direito Processual Penal, 20a ed. São Paulo: Saraiva, 2023;

TALON, Evinis, O criminalista. Gramado, RS: International Center for Criminal Studies, 2018. V.3. pags 77;

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. decreto-lei nº 3.689: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del3689.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016].

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC n. 792.776/SC, DJe 20/4/2023. 

Bruna Koch Peixoto

Bruna Koch Peixoto

Advogada, inscrita na OAB/ RS 111.309. Atuante nas áreas: previdenciária, cível e criminal; Atualmente conselheira do COMDICA de Guaíba (conselho municipal dos direitos da criança e adolescente); Conselheira do CDAP (comissão de defesa, assistência de prerrogativas dos advogados da subseção da OAB de Guaíba); Advogada e conselheira fiscal da associação dos autistas Guaibenses; Pós graduanda em direito previdenciário e processo penal.

Yuri Moura Ribeiro

Yuri Moura Ribeiro

Bacharelando na Universidade Luterana do Brasil, Ulbra; 8/10; Estagiário do setor criminal da Defensoria Pública de Guaíba/RS.

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