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Startup: construção jurídica e modelo de negócio

Daniel Aniceto Soares

No que diz respeito ao modelo de negócios, é importante frisar a aplicação do modelo enxuto para as startups, pois elas possuem características diferentes das demais empresas.

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Atualizado em 16 de agosto de 2023 10:15

Pensar em tecnologia se tornou essencial para o contexto histórico atual - não somente pensar, como também desenvolver. Partindo do pressuposto de construção de tecnologia a partir do contexto histórico, podemos verificar alguns pontos e desdobramentos para a transformação e adaptação das necessidades do ser humano contemporâneo.

Nesse sentido, o desenvolvimento da tecnologia parte do materialismo tecnológico (Zawislak, 1994), do qual se desenvolve ideias e soluções seguindo as necessidades daqueles que se buscam atender - o materialismo tecnológico se sustenta através da máxima: o rumo da ciência e tecnologia partem do desdobramento das necessidades que se apresentam na atualidade.

Assim, no cenário global as startups se tornaram conhecidas pela inovação em seu modelo de negócio, produtos e serviços. Dessa forma, se entende que as startups desempenham um papel fundamental na melhoria das eficiências econômicas e são uma fonte significativa de muitas inovações, segundo Figueira et al. (apud GRUBER et al., 2008; HUNT, 2013).

O mercado brasileiro passou a escutar a palavra startup com uma inegável frequência ao longo dos últimos anos. Mas ainda falta uma definição formal do termo. Afinal, o que é uma startup?

Embora gere muitas incertezas em relação ao seu potencial de sobrevivência, uma startup é definida hoje, de forma geral, como "uma organização temporária com um modelo de negócios escalável e repetível". Empresas bem estabelecidas não entram nesta definição. Facebook, Google e Twitter já deixaram de ser startups por esta visão. Seus modelos de negócio já estão sólidos (tanto que já possuem capital aberto em bolsa). Não é como se corressem o risco de fechar, mudar de rumo a cada mês. Desde a forma de ganhar dinheiro à cultura e organização de pessoal estão bem fundamentadas.

A questão de ser temporária é porque ser uma startup é uma fase, que dura enquanto o negócio ainda não está com seu modelo estável. Ainda está se buscando esta forma sólida de funcionar. Seja por parte da forma de monetizar, foco do mercado, modo de operação. Existem muitas variáveis até se acertar a receita. E nem vamos falar dos sócios que podem ir e voltar. Na fase startup, o negócio depende diretamente dos membros que estão a frente dele. Isso não quer dizer que todo negócio iniciante é uma startup.

Nesse sentido, Associação Brasileira de Startups (2017) define as startups como empresas em fase inicial que desenvolvem produtos ou serviços inovadores com potencial de rápido crescimento - caracterizadas pela Inovação, escalabilidade, repetibilidade, flexibilidade e rapidez (ABSTARTUPS, 2023).

O desenvolvimento de uma startup deve estar atrelado à sua capacidade de crescimento, ou seja, não se deve construir uma operação gigantesca, ou um produto/serviço, sem que antes ocorra a sua validação - a validação é um ponto basilar para a construção e desenvolvimento de ideias inovadoras, portanto, ao criar e desenvolver um produto final, sem antes ao menos verificar sua aceitação é praticamente um atestado de óbito da empresa.

Partindo desses pressupostos, em 01 de junho de 2021 foi sancionada a LC 182/21, que estabelece o marco legal das startups e, no seu art. 4º, define: "são enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados" (BRASIL, 2021).

Pela análise das definições já é possível verificar que a diferença  primordial entre uma empresa tradicional e uma startup está na forma de operação da atividade empresarial, reafirmando que "as startups são empresas, cujo objetivo essencial é atingir um modelo de negócio escalável e repetível, operando em condições de elevada incerteza no mercado, enquanto empresas tradicionais avaliam e minimizam riscos ao trabalhar com planos de negócios pautados em produtos e mercados já conhecidos". Desse modo, há uma nítida distinção entre elas. As startups diferenciam-se das empresas tradicionais desde a fase de idealização até o modo de operacionalizar e escalonar sua abrangência.

Para além da questão do estágio inicial de uma startup e o perfil inovador deste tipo de negócio, é possível apresentar mais cinco características intrínsecas das startups, vejamos:

A) Significativo controle de gastos e custos: chamado de bootstrapping, as startups devem utilizar ao máximo as capacidades individuais e complementares de seus fundadores e colaboradores para diminuir os custos operacionais e focando nos investimentos e desenvolvimento de seus produtos. O bootstrapping é uma característica essencial e quase que um mantra entre os empreendedores desse tipo de negócio.

B) O seu serviço/produto é operacionalizado por meio de um "produto mínimo viável" (MVP - Minimum Viable Product): sob a mesma lógica do bootstrapping, os empreendedores focam em produtos extremamente simples e viáveis, apenas para verificar as condições do mercado para este tipo de produto, complementando-o e adequando-o posteriormente caso seja descoberta a demanda, mantendo os custos da startup sempre baixos.

C) O produto ou ideia escalável: esta é a noção de que o produto é facilmente expandido para outros mercados e em diferentes níveis de capilaridade e distribuição. Percebe-se que se mantém a lógica do baixo custo com uma operação mínima e possivelmente expansível. A ideia é buscar uma economia de escala por meio da replicação de um mesmo produto para inúmeros consumidores.

D) A necessidade de capital de terceiros para a operação inicial (fundraising): normalmente o capital aportado pelos fundadores não é suficiente para suportar o crescimento necessário. Por essa razão, as startups buscam investidores externos para financiar seus negócios e expansões. Normalmente, esta captação é realizada através de rounds de investimento.

E) Utilização de tecnologia para o modelo de negócios: por fim e não menos importante, quando falamos de inovação a lógica e a essência de uma startup é a sua base em processos de alta tecnologia. O uso de plataformas digitais, hardwares e softwares para o desenvolvimento de produtos de primeira linha sempre estão na base da cadeia de processos de uma startup.

É latente a influência que o modelo de negócio startup, criado nos Estados Unidos da América, não somente por ser pioneiro na história destas organizações, mas, também pela cultura empreendedora que as startups adquiriram com a experiencia no Vale do Silício. Nesse aspecto, o direito norte americano desenvolveu instrumentos jurídicos voltados a atender as demandas geradas por tais empresas, muitos passaram a se valer destes instrumentos em outros locais do mundo.

O forte anseio do empreendedorismo que marca a cultura das startups levou a ideia de um novo modelo, capaz de operacionalizar as ideias inovadoras e a necessidade de organizar o relacionamento a ser estabelecido entre aqueles que se dispunham a compactuar o novo projeto. Era necessária uma ferramenta capaz de trazer certa segurança jurídica com baixo custo de transação.

De acordo com o autor Erik Nybo, a constituição de uma sociedade desde o seu início muitas vezes se apresenta inviável, uma vez que resulta na aplicação de recursos para a criação de uma estrutura considerada desnecessária na fundação de uma startup, quando estes poderiam ser aplicados na solução do produto que será oferecido ao mercado.

Ademais, muitas vezes neste estágio sequer houve validação do produto a ser desenvolvido. Desta necessidade de uma forma mais célere e económica, surge o Memorando de Entendimentos (nos Estados Unidos da América denominado pre incorporation agreement ou pre shareholder agreement), ou seja, um contrato preliminar utilizado para que os empreendedores (e talvez futuros sócios) regulem a forma como serão tratadas as relações estabelecidas entre as partes do negócio que está sendo criado.

Isto posto, o modelo de negócios está pautado em planejamento antes mesmo da constituição jurídica do negócio - nesse sentido, podemos utilizar aquilo que se denomina "diferenciação" para se obter melhores resultados e a confirmação de hipóteses (Porter, 1985). Assim sendo, o desenvolvimento deve levar em consideração os passos ensinados por Ries (2011): construção, medição e aprendizagem, partindo de uma inovação contínua.

Dessa forma devemos buscar a compreensão do modelo de negócios no setor jurídico, propondo uma atualização do modelo americano e uma aplicação ao contexto histórico e sua construção com base na teoria da "Modernidade Líquida" estudada por Bauman (2000).

Nesse diapasão, podemos entender e aplicar ao modelo de negócios o gechi genbutsu, expressão japonesa que traduzida de forma literal significa "vá ver por si mesmo", ou seja, aquele que deseja aplicar o modelo da advocacia startup, ou qualquer outro, deve buscar suas decisões estratégicas no entendimento direto dos clientes - o que está sendo desenvolvido está atendendo as expectativas do cliente? O que pode ser melhorado? A aplicação deve observar que nada deve ser tido como absoluto, pois, nessa fase se busca um esclarecimento num nível básico, um esboço do arquétipo de consumidor, isto é, um documento breve que tem por objetivo humanizar o cliente-alvo proposto (Ries, 2011).

Por fim e não menos importante, é essencial estruturar um plano de negócios e, geralmente é utilizado um modelo desenvolvido por Alexander Osterwalder (2022). Esse modelo de estruturação de planos de negócios é conhecido como Model Canvas e permite a visualização de toda operação do negócio em apenas uma folha ou quadro - isso facilita o empreendedor manipular e alterar seu plano de negócios rapidamente sem a necessidade de refazer diversas páginas. Não obstante, tal modelo deve observar aquilo que Porter (1996) define como estratégia que levam a criação de uma posição exclusiva e valiosa buscando vantagem competitiva - além disso, Berni (2019) define estratégia competitiva como sendo a combinação das metas que o negócio busca e das políticas que serão utilizadas para alcançar o objetivo.

A construção de uma startup não é algo fácil e, demanda muita criatividade e qualificação de seus fundadores, porém, se a construção ocorrer de forma correta observando um modelo enxuto, as chances de êxito se tornam maiores, tendo em vista que o desenvolvimento se dará de forma gradual e controlada, evitando perda de tempo e gastos desnecessários.

Conforme se verifica ao longo do trabalho a construção jurídica de uma startup deve observar a legislação vigente, pois, como qualquer outra empresa possui obrigações e direitos. Com o advento do marco legal das startups, LC 182/21, tais empresas recebem um tratamento diferenciado, caso se enquadrarem nos requisitos elencados no art. 4º, da supracitada lei complementar, quais sejam:

  • São enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

No que diz respeito ao modelo de negócios, é importante frisar a aplicação do modelo enxuto para as startups, pois, conforme discorrido anteriormente, elas possuem características diferentes das demais empresas.

Dessa forma, para que possam manter suas operações até alcançarem qualidade para se tornarem unicórnios ou serem vendidas, devem operar com cautela e sempre verificando a aceitação de seus produtos - de preferência MVPs (produto mínimo viável).

Daniel Aniceto Soares

Daniel Aniceto Soares

Advogado no escritório Karla Bernardo Sociedade de Advogados, formado em direito pela Universidade Nove de Julho e especialista em Negócios Digitais pela Universidade de São Paulo (USP).

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