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Teoria do terceiro cúmplice - É lícito atrair os parceiros comerciais dos concorrentes?

Deve-se ponderar a natureza competitiva do mercado de entretenimento juntamente com comportamentos de boa-fé, punindo apenas os casos claros de desrespeito a esses princípios, conforme as decisões do STJ.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Atualizado em 15 de agosto de 2023 12:45

Os contratos são regidos por deveres de confiança, e o princípio da eficácia transubjetiva reconhece que os efeitos do contrato podem alcançar terceiros ou serem afetados por pessoas que inicialmente não fazem parte da relação contratual.

O art. 608 do Código Civil estabelece que aquele que aliciar pessoas obrigadas por contrato escrito a prestar serviços a outrem deverá indenizar a parte prejudicada com a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, caberia durante dois anos.

Em consonância com este artigo, podemos citar ainda o enunciado 21, da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, o qual elucida que "a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito".

Neste caso, o enunciado reconhece ser o contrato um fato social juridicamente tutelável, de modo que apesar de o terceiro não estar juridicamente obrigado pelo contrato, tem o dever de respeitar tal pacto, sem ignorar a sua existência, sua função social e seus efeitos jurídicos.

O STJ tem se debruçado sobre essa questão em diversas decisões relevantes. No RESP 1.895.272/DF, o ministro Marco Aurélio Bellizze enfatizou que os contratos são protegidos por deveres de confiança, e esses deveres se estendem a terceiros por meio da cláusula de boa-fé objetiva. Isso significa que assim como um terceiro está protegido de contratos que possam prejudicá-lo, os contratantes também estão protegidos de atos danosos por parte de terceiros que possam prejudicar o vínculo contratual.

Nesse processo específico, um terceiro enviou uma carta difamatória à patrocinadora de um jogador de forma intencional e vingativa, buscando persuadir o término do contrato entre o atleta e a destinatária da carta. Nesse contexto, ficou configurado um ato danoso indenizável. Ao fixar o valor da compensação por danos morais, as instâncias ordinárias consideraram diversos fatores, como a extensão do dano, a culpa do agente, às condições socioeconômicas das partes envolvidas, os efeitos psicológicos decorrentes do dano, bem como o caráter pedagógico, educativo e punitivo da indenização.

Em outra situação (RESP 2.023.942/SP), a TV Bandeirantes moveu uma ação acusando o SBT de concorrência desleal e aliciamento do humorista Danilo Gentili. Danilo possuía um contrato em vigor com a Band, que incluía a realização de programas de TV e a cessão de direitos autorais e de exploração de sua imagem. No entanto, antes do término do prazo contratual, ele decidiu romper o acordo e aceitar uma proposta profissional do SBT, transferindo seu trabalho e equipe para a emissora concorrente. A Band, então, moveu ação acusando o SBT de interferência.

É importante interpretar o art. 608 do Código Civil com cautela, considerando a chamada teoria do terceiro ofensor, cúmplice ou interferente. Essa teoria permite a responsabilização nos casos de aliciamento de prestadores de serviço, mas uma aplicação literal levaria à equivocada ideia de que toda a coletividade teria o dever de abster-se de realizar negócios jurídicos com prestadores de serviço durante contratos já estabelecidos.

Deve-se ponderar a natureza competitiva do mercado de entretenimento juntamente com comportamentos de boa-fé, punindo apenas os casos claros de desrespeito a esses princípios, conforme mencionado nas decisões do STJ.

A "teoria do terceiro cúmplice" é um importante conceito jurídico que busca preservar a confiança e a estabilidade das relações contratuais. Embora seja lícito atrair parceiros comerciais dos concorrentes no mercado competitivo, é necessário agir com respeito e ética, evitando a prática de atos danosos que possam interferir no cumprimento dos contratos estabelecidos.

A jurisprudência do STJ tem desempenhado um papel fundamental ao definir os limites dessa teoria e aplicar princípios como a boa-fé objetiva na resolução de casos complexos envolvendo a interferência de terceiros em contratos.

Portanto, a análise cuidadosa das circunstâncias específicas de cada caso é essencial para garantir que a "teoria do terceiro cúmplice" seja aplicada de maneira justa e equitativa, promovendo um ambiente de negócios saudável e respeitoso.

Vitor Morais de Andrade

Vitor Morais de Andrade

Sócio do escritório Morais Andrade Leandrin Molina Advogados e professor na PUC/SP. Membro do Conselho de Ética do CONAR. Vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente - ABRAREC. Mestre e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Sócio especialista em Relações de Consumo.

Lygia Maria M. Molina Henrique

Lygia Maria M. Molina Henrique

Sócia do escritório Morais Andrade Advogados.

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