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Inteligência artificial e mercado de trabalho

Compete ao ministério do Trabalho agir como fator de estímulo à geração de empregos, como interlocutor reconhecido por ambas as partes.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Atualizado em 15 de agosto de 2023 09:51

Sucessivas notícias relativas ao célere avanço da inteligência artificial, sobre o mercado mundial de trabalho, aparentemente não trazem preocupação ao governo sindicalista de Lula, mais empenhado em reverter aspectos positivos da Reforma Trabalhista.

Desde a primeira Revolução Industrial, desencadeada no século XVIII, na batalha contra máquinas a derrota é do homem. Vários são os fatores determinantes dessa situação. No Brasil preponderam o custo final da mão-de-obra e a insegurança jurídica que permeia as relações de trabalho.

Afirmou Jürgen Kuczynski, em Evolução da Classe Trabalhadora, que "a introdução da ferramenta mecânica na produção têxtil foi realmente um dos fatos mais interessantes em qualquer época da história industrial. Seu ponto de partida técnico consistiu no desenvolvimento acentuado da fiação e do tecido, os dois ramos principais da indústria" (Ed. Guadarrama, Madri, s/d, pág. 43, tradução livre).

Segundo o historiador W.O. Anderson, "as máquinas britânicas que mais impressionaram os contemporâneos foram as que estimularam a expansão da indústria algodoeira. Em 1840, uma fábrica de algodão, empregando 750 operários e usando uma máquina a vapor de 100 h.p., podia fazer trabalhar 500 mil fusos e produzir tanto fio quanto 200.000 mil operários que usassem fiadeiras manuais. Uma máquina de estampar tecido de algodão dirigida por um único homem poderia produzir tantos metros de estampado por hora quanto 200 homens produziam imprimindo a mão" (A Revolução Industrial - 1780-1914, Ed. Verbo, USP, SP, 1974, pág.46).

Sobre a Revolução Industrial, Karl Marx e Friedrich Engels, disseram no Manifesto do Partido Comunista, cuja primeira edição alemã veio a público em 1872: "o crescente emprego de máquinas e a divisão do trabalho, despojando o trabalho do operário de seu caráter autônomo, tiram-lhe todo o atrativo. O produtor passa a um simples apêndice da máquina e só se requer dele a operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desse modo, o custo do operário se reduz, quase exclusivamente, aos meios de manutenção que lhe são necessários para sobreviver e perpetuar sua existência" (Ed. Escriba. SP, 1968, pág. 20).

Passados 250 anos da deflagração da primeira Revolução Industrial, do ponto de vista da mão-de-obra o cenário é incomparavelmente pior. A informatização da sociedade tem dupla face. Se, de um lado, alivia a eterna luta contra o cansaço e liberta o operariado de condições exaustivas e insuportáveis de serviço, por outra parte provoca o desaparecimento contínuo de oportunidades de trabalho, gerando o aparecimento daquilo a que o filósofo Zygmunt Baumann, no livro Europa, deu o nome de redundantes, os excluídos pela tecnologia do mercado de trabalho, sem chances de retorno (Ed. Zahar, RJ, 2006, pág. 102).

Do ponto de vista científico, o progresso é maravilhoso. Pelo ângulo social, entretanto, é assustador. Nas atividades industriais, os robôs executam com perfeição serviços que há poucos anos exigiam profissionais altamente especializados, em maior número e inferior produtividade. Na agricultura a mecanização relegou ao desemprego milhares de trabalhadores braçais safristas, a exemplo dos cortadores de cana, colhedores de milho, de soja, de algodão. Cientistas se ocupam de ensinar máquinas a pensar, a responder consultas, a memorizar documentos, a resolver problemas, sem participação humana. humano. Em Seul, capital da Coréia do Sul, robôs são vistos no metrô, supermercados, shoppings, e restaurantes auxiliando funcionários ou desempenhando serviços de garçons (O Estado, 6/8, pág. A24).

Em busca da produtividade e do lucro, e na eterna luta contra doenças e fadiga, empresas procuram reduzir o número de trabalhadores, substituídos por equipamentos de última geração, produzidos nos países do primeiro mundo. Em épocas distantes, o homem domesticou animais. Depois vieram máquinas a vapor criadas pelo homem, mas combatidas e destruídas por trabalhadores e trabalhadoras ameaçados de condenação à ociosidade.

Ignoro o que se passa no exterior. No Brasil, porém, sinto-me no direito de afirmar que, além de esparsos artigos publicados por raros pesquisadores, nada se faz de objetivo. Os poucos esforços estão concentrado no inciso XXVII, do art. 7º da Constituição, que promete amparar trabalhadores urbanos e rurais contra a automação, "na forma da lei"

Conforme divulga a imprensa, o ministério do Trabalho reuniu grupo de sindicalistas para discutir a terceirização, a revisão da reforma trabalhista, e o que fazer para a volta da contribuição sindical obrigatória. São assuntos atuais e polêmicos, mas não se equiparam ao incessante desaparecimento de postos de trabalho, e não apenas de empregos, provocado pela tecnologia da informação.

Nos últimos meses a taxa de desemprego no Brasil recuou de 14% para 9,3%. Mesmo assim, são mais de 10 milhões os desempregados que estão à procura de trabalho. Por outro lado, tem crescido a porcentagem dos informais, precarizados e desistentes. Para se enfrentar o desafio da baixa produtividade, será necessário, porém, a modernização do parque industrial, com máquinas e equipamentos modernos, medida que resultará na elevação do uso da Inteligência Artificial, da nível informatização e da robotização, com inevitável liberação de mão-de-obra não qualificada.

A OIT - Organização Internacional do Trabalho revela forte preocupação com o aumento do desemprego mundial. Além da informatização, o espectro da desaceleração do crescimento econômico e a incerteza sofre o futuro desestimulam investimentos e contratação de trabalhadores.

Problemas relacionados à falta de empregos e à precarização do trabalho exigem planejamento a médio e longo prazos. Medidas de cunho assistencial são sempre bem recebidas, sobretudo nas regiões pobres do norte-nordeste. Conquanto necessárias, revelam-se insuficientes. Com baixa capacidade para expandir os baixos níveis de consumo entre os pobres, não bastam para provocar o crescimento da economia.

A combinação entre desenvolvimento tecnológico e conservação ou criação de empregos pode ser possível, como revelam países do primeiro mundo. Possível, mas nada simples, eis que quase sempre provoca conflito de interesses. A agroindústria é o melhor exemplo de aplicação de tecnologia de vanguarda, com a geração de direta e, sobretudo, de forma indireta. São, todavia, ocupações destinadas a profissionais qualificados, recrutados entre homens e mulheres de nível cultural médio ou superior, os quais, quase sempre, rejeitam o trabalho em regime de subordinação.

Pertence ao governo Federal a responsabilidade de buscar soluções capazes de satisfazer as diversas camadas sociais. A iniciativa privada deverá contribuir, mas em caráter suplementar. Neste capítulo é que se deve levar em conta o papel desempenhado pela legislação trabalhista, cuja crescente abrangência e complexidade acaba por transformá-la em desestímulo à contratação de trabalhadores com carteira assinada.

Compete ao ministério do Trabalho agir como fator de estímulo à geração de empregos, como interlocutor reconhecido por ambas as partes.

Almir Pazzianotto Pinto

VIP Almir Pazzianotto Pinto

Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República e 30 Anos de Crise - 1988 - 2018.

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