Justiça determina que operadora de saúde forneça os medicamentos tucatinib, capecitabina e trastuzumabe
O consumidor é obrigado a buscar a efetivação dos seus direitos por meio do Poder Judiciário, que tem o condão de coibir condutas abusivas das operadoras de planos de saúde, determinando o imediato custeio do tratamento recomendado ao paciente pela equipe médica.
quarta-feira, 9 de agosto de 2023
Atualizado às 08:40
Pacientes ainda têm enfrentado restrição quanto a terapias no tratamento de um tipo de câncer diferente do especificado na bula e no rol da ANS.
As operadoras de planos de saúde sustentam a negativa sob o argumento de que algumas medicações ainda não foram incorporadas no Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), apesar do registro na Anvisa e aprovação de órgãos internacionais.
Contudo, entraves burocráticos no processo de liberação não podem se tornar impedimento para que os beneficiários tenham acesso a fármacos imprescindíveis e comprovadamente eficazes que podem, até mesmo, obstar a progressão da moléstia, alcançar a cura e salvaguardar vidas.
Na tentativa de tentarem se livrar de sua obrigação, é comum que as operadoras argumentem que o remédio não faz parte do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como no caso em comento.
Contudo, a lista é meramente exemplificativa e elenca apenas alguns procedimentos comuns, de cobertura obrigatória. O fato de um remédio não estar no documento não isenta a operadora de sua obrigação de fornecê-lo.
Vale lembrar ainda que o rol da ANS não costuma acompanhar a evolução da ciência com agilidade, especialmente para casos de doenças graves, como câncer. Muitas vezes, ele fica desatualizado e não inclui as novas indicações de tratamento disponíveis para determinadas doenças.
Ainda nesse sentido, importante destacar as Súmulas 95, 96 e 102, editadas pelo Tribunal Paulista, as quais pacificam o entendimento de que havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura de tratamento sob o fundamento de não previsão pelo Rol da ANS.
O rol de procedimentos da ANS lista mais de 3 mil eventos em saúde, incluindo consultas, exames, terapias e cirurgias, além de medicamentos e órteses/próteses vinculados a esses procedimentos. Esses serviços médicos devem ser obrigatoriamente ofertados de acordo com o plano de saúde.
Destaca-se que o Senado Federal aprovou o PL 2.033/22 que acaba com o caráter taxativo do rol de procedimentos da ANS e amplia a cobertura dos planos de saúde sobre exames, medicamentos, tratamentos e hospitais.
Entre os pontos da regulamentação, a proposta determina que a lista de procedimentos e eventos cobertos por planos de saúde será atualizada pela ANS a cada incorporação. O rol servirá de referência para os planos de saúde contratados desde 1º de janeiro de 1999.
Com a promulgação da lei 14.454 houve determinação expressa da obrigatoriedade dos planos de saúde cobrir tratamentos que não estão no rol da ANS, desde que haja prescrição por médico habilitado, comprovação de eficácia à luz da medicina baseada em evidências ou que exista recomendação de pelo menos um órgão de tecnologia em saúde de renome internacional.
Ocorre que não é o que acontece na prática, como no caso que tramita na Justiça do Estado de São Paulo, onde a paciente procurou o escritório após uma negativa abusiva da sua operadora de saúde, buscando amparo nos braços do Judiciário para obter tutela jurisdicional que obrigue a operadora de saúde a garantir integralmente o seu tratamento oncológico.
A paciente foi diagnosticada com câncer de Mama, com metástases no cérebro, pulmão e fígado.
De acordo com seu médico oncologista a paciente foi politratada com protocolos de tratamento contendo algumas medicações quimioterápicas o que proporcionou resposta por algum tempo, todavia, em 11/07/2023 a sua doença evoluiu com nova progressão da doença no fígado.
Diante do quadro de saúde apresentado e dos tratamentos já realizados, seu médico assistente prescreveu um novo tratamento quimioterápico com os medicamentos Tucatinib, Capecitabina e Trastuzumabe, baseado em estudos internacionais com comprovação de eficácia em evidências e recomendação da Conitec para a combinação dos fármacos.
Ao solicitar a autorização ao plano de saúde, obteve negativa sob argumento de ausência de cobertura legal e contratual, informando que a terapia em questão não estava prevista no rol de procedimentos e eventos obrigatórios da ANS.
Diante negativa, a família ingressou com uma ação judicial contra o plano de saúde com pedido liminar.
Ao analisar o caso, o juiz da 34ª Vara Cível do Foro Central Cível da Comarca de São Paulo, determinou o fornecimento da medicação no prazo de 48 (quarenta e oito horas) a favor da paciente, sob o entendimento de que o convênio não deve interferir no direcionamento terapêutico da paciente e de que a prescrição médica para tratamento da moléstia da autora foi em razão de, mesmo após tratamentos anteriores com medicamentos diversos dos indicados, ter ocorrido evolução da doença.
O Juiz de Direito Dr. Rogério Márcio Teixeira ao deferir a liminar, relembra que a negativa de cobertura pela operadora de saúde, em razão de invocação de não previsão de tais medicamentos no rol da ANS, contraria o artigo 10, § 13, da Lei 14.454/22 e as Súmulas 95 e 102 do Tribunal de Justiça de São Paulo
Em recentes discussões, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem firmado entendimento de que "o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura".
Assim, se a patologia está coberta, no caso, o câncer de mama, inviável impedir o tratamento inerente a doença, indicada pelo médico que acompanha a paciente.
Ademais, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência pacífica no sentido de que as operadoras de planos de saúde possuem a obrigação de cobrir os medicamentos antineoplásicos, ainda que de uso off label ou sem previsão no Rol da ANS, conforme se observa nos recentes julgados abaixo colacionados:
"A natureza taxativa ou exemplificativa do rol da ANS é desimportante à análise do dever de cobertura de medicamentos para o tratamento de câncer, em relação aos quais há apenas uma diretriz na resolução normativa" (AgInt nos EREsp 2.001.192/SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 2/5/2023, DJe de 4/5/2023).
"Segundo a jurisprudência do STJ, é abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de custear a cobertura do medicamento registrado na ANVISA e prescrito pelo médico do paciente, ainda que se trate de fármaco offlabel, ou utilizado em caráter experimental, especialmente na hipótese em que se mostra imprescindível à conservação da vida e saúde do beneficiário" (AgInt no REsp 2.016.007/MG, Relator Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 17/4/2023, DJe de 20/4/2023)
Salienta-se que a Agência Nacional de Saúde Suplementar e a Lei 9.656/98 ampliaram a obrigatoriedade de cobertura dos medicamentos, mesmo fora do ambiente hospitalar, incluindo a quimioterapia oncológica ambulatorial, antineoplásicos orais, bem como os medicamentos para o controle de efeitos adversos e adjuvantes de uso domiciliar relacionados ao tratamento de combate contra o câncer.
Ademais, importante ressaltar que a lei 9.656/98 prevê expressamente a obrigatoriedade de cobertura de todas as doenças previstas na Classificação da Organização Mundial de Saúde (CID 10), logo, vedar o procedimento capaz de combater a enfermidade mostra-se abusiva, além de impossibilitar que o contrato atinja sua finalidade.
Portanto, é nítido, que a conduta da operadora se mostra totalmente abusiva, pois não cabe a ela estabelecer qual tratamento deve ser ministrado ao paciente, afinal, a referida terapêutica fora prescrita por médico devidamentecapacitado, com conhecimento específico na área e que está a par do melhor tratamentoindicado ao estado de saúde de sua paciente.
Como se não bastassem, diversos são os estudos que atestam a eficácia com acombinação prescrita para o tratamento da doença que acomete a paciente.
Sendo assim, não há qualquer fundamento legal que impeça que operadora de saúde forneça os medicamentos que a beneficiária tanto necessita para o controle da doença que lhe acomete de forma tão severa, que somente após uma ação judicial visando à obrigatoriedade do custeio do tratamento pelo plano teve o devido tratamento autorizado mediante uma decisão liminar.
Relembra-se que a prestação de serviço de saúde é um dever do Estado, garantido em nossa Constituição Federal, que foi também assumida por empresas privadas, atraídas pela alta lucratividade que essa atividade oferece.
Não podemos permitir que, embora exercida por empresas privadas, se percam os valores consagrados pela nossa ordem constitucional, quais sejam, a cidadania, a dignidade humana e a valorização da vida.
Diante deste cenário, o consumidor é obrigado a buscar a efetivação dos seus direitos por meio do Poder Judiciário, que tem o condão de coibir condutas abusivas das operadoras de planos de saúde, determinando o imediato custeio do tratamento recomendado ao paciente pela equipe médica.
Gabriela Fontoura Vasconcelos
Advogada especialista em Direito à Saúde.