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Os equívocos da jurisprudência na questão da transmissibilidade da reparação moral

No momento do falecimento do autor primitivo já integrava o seu patrimônio todos os direitos e ações naquele momento existentes, inclusive o direito de ver reparada lesão já consumada e objeto de tempestivo exercício de direito de ação.

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Atualizado às 15:02

Tem decidido a jurisprudência, com certa inconstância, pela transmissibilidade da reparação moral, todavia o faz sob preceitos equivocados, em sua essência.

Há respeitável doutrina a dar conforto a essa tese, como no caso de Aguiar Dias1, segundo o qual "a ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima", não se distinguindo a hipótese de dano moral ou patrimonial."

Esse entendimento, todavia, acaba por dar reforço à tese contrária à defendida pelo mesmo doutrinador, que afasta o caráter de pena do exame da natureza jurídica do instituto e, na medida em que ausente a repercussão do ato junto ao ofendido e afastados os efeitos da lesão, resta apenas o aspecto punitivo da imposição, pois não se pode compensar a quem não tenha sofrido diretamente a dor moral, revelando-se verdadeira contradição.

E esse caráter indiscutivelmente compensatório que norteia o tema, acaba por confrontar com a lição de Mazeaud e Mazeaud2, adotada pela jurisprudência, para quem o crédito que decorre da indenização por dano moral tem caráter patrimonial e, portanto, não resultam óbices à herança, pois inexiste a transmissão da dor, do sofrimento moral, mas que a ação de indenização, ao contrário, integra o patrimônio material e, por isso, confere titularidade aos herdeiros para o pleito, que tem sido a base da jurisprudência ora contestada.

Justamente essa doutrina menciona aspecto que bem demonstra o óbice à conclusão tirada: a indenização paga ao herdeiro não elimina o sofrimento do lesado, prevalecendo portanto o caráter compensatório que o diferencia frontalmente do dano patrimonial, que busca atinja a vítima o estado de indenização (tornar-se indene)3.

E a doutrina, com variações particulares, admite que o conceito de dano moral exclui tudo quanto se identifique com o dano patrimonial, numa abordagem de contraconceito e, além disso, em face da dificuldade de valoração, tem ele indiscutível caráter de compensação, o que, por óbvio - repita-se -, somente pode ser concedido à própria vítima, pois tem caráter individual.

O Superior Tribunal de Justiça, em interessante decisão, no voto do Relator admitiu a tese, cedendo todavia ao posicionamento que considerou predominante. De acordo com esse julgado, "conforme reiteradamente citada, a posição doutrinária dominante é no sentido da admissibilidade do pleito. Pontes de Miranda e Yussef Said Cahali sustentam a transmissibilidade, em princípio, da pretensão à indenização do dano moral. Entendeu o primeiro que o Código Civil, no art. 1.526, acolhe a possibilidade, só sendo intransmissível a pretensão por lei especial4. E o segundo doutrinador invoca, nesse sentido, lição de León Mazeaud, 'O que se transmite, por direito hereditário, é o direito de se acionar o responsável, é a faculdade de perseguir em juízo o autor do dano, quer material ou moral. Tal direito é de natureza patrimonial e não extrapatrimonial'5, seguindo esses ensinamentos, ainda, os professores Carlos Roberto Gonçalves e Carlos Alberto Bittar6, Yussef Said Cahali7 menciona que, conquanto admita que deveria prevalecer o entendimento da intransmissibilidade da ação, "há uma certa tendência no sentido de patrimonializar o objetivo da condenação, atribuindo-lhe uma autonomia que a faz desvinculada de sua finalidade precípua, a permitir-lhe, assim, a sua transmissão hereditária".

Irineu Strenger8 a respeito traduz a lição de Alfredo Orgaz, ao estabelecer determinadas condições para a caracterização do dano moral, entre elas a condição de ser o dano reclamado pela própria vítima e não por outro, a não ser em caso de representação legal ou convencional, e, em razão dessa característica a ação de reparação por dano moral não pode ser cedida a terceiros pelo titular nem pode ser exercida por credores por sub-rogação, por inexistência de vinculação com o patrimônio, a não ser no caso de restabelecer um valor econômico destruído. Tampouco, segundo o mesmo Autor, passa a ação, por causa de morte, aos herdeiros do titular. Menciona ele que nos direitos alemão, anglo-americano, brasileiro e outros, não se concede ação a parentes no homicídio, nem a título próprio, nem como herdeiros do morto.

Há mesmo séria controvérsia na doutrina, especialmente no sentido da inexistência do jus hereditário relativamente aos danos morais em confronto com os danos puramente patrimoniais, na conta de que a personalidade morre com o indivíduo e que só os bens materiais sobrevivem ao seu titular.9

Muito se confunde o direito moral à honra dos mortos, que pode ser defendida pelos herdeiros e compensada financeiramente. Não se trata, nesses casos, de preservar direito compensatório dos mortos, quando protegida a sua memória, não pelo menos com esse caráter, mas sim a dor que tal violação causa aos presentes, geradora do direito reparatório personalíssimo. É o que admite Cahali10, mencionando que "seria assim, uma ação de indenização fundada em direito próprio, no que são igualmente molestados, ainda que de maneira indireta, os sentimentos de dor e estima de seus familiares, pelas ofensas desrespeitosas à memória do ente querido".

O Superior Tribunal de Justiça, em importante julgado fez notar que "com relação à jurisprudência desta C.Corte de Justiça, a questão da transmissibilidade do direito de indenização por danos morais foi enfrentada por esta C.Turma, por ocasião do julgamento do REsp 11.735- 0-PR, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 13.12.93, e do REsp 219.619-RJ, Relator Min. Eduardo Ribeiro, DJ 03abr00. O REsp 11.735-0 contudo, trata de ação em que se objetivava a indenização por danos materiais e morais que os pais sofreram em decorrência da morte do filho em acidente de trânsito, tendo o acórdão recorrido considerado que "(...) os pais, via de regra, sofrem perda de caráter não-patrimonial com a morte do filho, sendo que o dano decorrente da morte de uma pessoa, ligada a outra por vínculo de sangue, é presumido. Trata-se, portanto, de dano moral indireto que os pais sofreram em decorrência da morte do filho".

Em outro julgado, o E.Superior Tribunal de Justiça reafirmou que "os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal característica a sua intransmissibilidade".11 Conquanto tenha esse acórdão reconhecido o direito indenizatório, ressaltou o Ministro Ruy Rosado de Aguiar que "a autora está, na verdade, sustentando violação a um direito próprio, isto é, inerente à sua personalidade, pois ela é a ofendida com o uso indevido da imagem da filha já falecida".

Cavalieri12 aborda o tema sob esse mesmo enfoque, localizando em casos como os de morte ou de danos à imagem do falecido, um direito próprio dos herdeiros e não a sucessão na dor, concluindo a respeito que "esse é o critério que deve prevalecer".

Por esse motivo é que, na análise do tema da transmissibilidade, há que se proceder à aferição da reparabilidade pretendida: se verificado que diz respeito exclusivamente à vítima, não se verifica o jus hereditatis. Se, ao contrário, os herdeiros da vítima reclamam direito próprio, atingidos de alguma forma descritível pelo ato perpetrado, cabível o pleito, mas não sob o título da herança.13

Assim, fica difícil admitir a conclusão do Sr. Ministro José Delgado, Relator do Recurso Especial 324.886 (PR) ao afirmar que "o herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se estendesse ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores".14

Esse acórdão diz respeito à indevida publicação de notícia que feria a imagem do falecido filho dos autores, portador do vírus HIV. Para dar sustento à tese da transmissibilidade, socorreu-se a decisão de lições de Maria Helena Diniz e Rui Stoco que, na verdade, defendem a indenizabilidade relativa aos efeitos diretos da lesão sofrida pelo falecido, uma vez atingidos aqueles que com ele convivem. E, com base no sofrimento dos parentes, ao verificar a imagem do falecido vilipendiada, pode-se conferir o direito indenizatório. Trata-se, portanto, de efeito direito.

Rui Stocco15, por exemplo, menciona a lição de Sourdat, segundo o qual "se a ação tiver por objeto os bens do falecido, no caso a honra e sua imagem, os seus familiares herdeiros e convivas sob o mesmo teto, sob sua dependência e influência são diretamente lesados, porque o dano atinge aquilo que lhes caberia por sucessão e, então, agem por direito próprio".

Pode ocorrer inclusive que, em razão da ofensa à memória do morto, por exemplo, outras pessoas sejam atingidas, não necessariamente herdeiros patrimoniais, razão pela qual sempre será aferida a lesão direta e não a do de cujus, que, no dizer de Aparecida Amarante "não pode ser sujeito passivo e, por isso, a ofensa aos mortos consiste numa ofensa aos sobreviventes".16

Se o dano for de tal forma grave, que possa refletir seus efeitos em terceiras pessoas, configura-se aquilo que Sérgio Severo denomina dano por ricochete, nada impede que o atingido indireto busque também a reparação, ou seja, não se trata de transmissibilidade da dor, mas de dor direta.

Revela-se portanto hipótese de dano moral direto, decorrente da perda de ente próximo e não da morte em si, pois o dano a quem perdeu a vida não se pode compensar, a toda evidência.

Nesse passo, importante identificar a causa de pedir o real fundamento da demanda. Se pleiteia o autor pura e simplesmente o direito do falecido, sem descrever qualquer aspecto de sua própria personalidade diretamente atingido, nada haverá a ser reclamado, dada a ausência de repercussão moral na sua esfera ideal.

Possível detectar na jurisprudência essa situação controversa, merecendo ilustração julgado no qual considerou o Superior Tribunal de Justiça que "(..) cingindo-se, a hipótese em análise, a danos à imagem da falecida, remanesce aos herdeiros legitimidade para sua defesa, uma vez que se trata da reparação de eventual sofrimento que eles próprios suportaram, em virtude dos fatos objeto da lide."17.

E, do corpo do aresto se verifica que dizia respeito não a situação de transmissibilidade por herança da dor por violação de imagem, mas de dano próprio, dos herdeiros, que se sentiram atingidos pela ofensa e na medida dessa ofensa, diferente, a toda evidência, daquela perpetrada diretamente contra o atingido.18

Não é demais ressaltar que se verifica, no mesmo julgado, várias passagens onde é tratado o dano moral dos pais como direito próprio, revelando que, a rigor, o tema não poderia ter sido tratado como hipótese de sucessão.

Tenha-se em conta, por exemplo, a questão do dano estético, que caracteriza hipótese de dano moral. Essa compensação visa abrandar a dor de quem padece de transtorno físico capaz de causar rejeição no meio social, tendo como pressuposto a condição de que tal restrição acompanhará o ofendido por toda a sua vida, obrigando-o à convivência com as limitações impostas.

O falecimento da vítima faz cessar por completo a dor causada pelo dano estético, que é indiscutivelmente personalíssima e o deferimento da indenização por dano moral pode gerar o mesmo enriquecimento indevido que vem sendo constantemente evitado pela jurisprudência.

O STJ teve oportunidade de assim decidir, mencionando obra de autoria da signatária, o que merece destaque:

"(..) Wilson Melo da Silva, segundo o qual "outra consequência da regra que só manda reparar o dano moral quando o mesmo exista efetivamente é que, dado o seu caráter eminentemente subjetivo, jamais se transferiria ativamente a terceiros, seja pela cessão comum, seja pelo jus hereditatis (...). Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado. Seu patrimônio ideal é marcadamente individual e seu campo de incidência o mundo interior de cada um de nós. Sua personalidade estaria, para esse patrimônio moral, como um verdadeiro suporte, correspondendo, mutatis mutandis, à substância de Locke, sustentáculo e base dos bens morais, deles participando ao mesmo tempo. Os danos morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos. Desaparecem com o próprio indivíduo. Podem os terceiros compartilhar da minha dor, sentindo eles próprios as mesmas angústias que eu. O que não se concebe, porém, é que minhas dores, as minhas angústias, possam ser transferidas de mim para terceiros". (REsp 302.220-RJ - 29-5- 01-3a Turma). (in O valor da reparação moral, Mirna Cianci, Saraiva, 2007, págs.36-37). AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 669.015 - PR (2015/0024717-6 - RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Outro argumento vem sendo admitido, de que o art.943 do CC prevê a transmissibilidade, sem distinção de espécie. A respeito, o art. 928 do Código Civil de 1916 dispunha que "a obrigação, não sendo personalíssima, opera assim entre as partes como entre os herdeiros". E do mencionado art. 1.526 constava ainda que o direito de exigir reparação somente se transmite nos casos em que o Código não excluir a hipótese. Já o diploma atual, art. 11 (2002) expressamente trata da intransmissibilidade dos direitos de personalidade.

Logo, o art. 943 do CC19, que cuida da transmissibilidade sem fazer distinção entre o dano moral e o patrimonial, merece interpretação sistemática (e não literal), em conjunto com o art. 11 do mesmo diploma, do qual resulta exegese diversa.

Diferente o caso das ações em que o autor vem a falecer no curso da demanda indenizatória. A fundamentação diz respeito exclusiva e diretamente ao falecido, e os sucessores, ainda que atingidos, não propuseram qualquer ação para reclamar efeitos diretos ou reflexos do mesmo ato.

Não podem então, a toda evidência, suceder o falecido no direito de ação, buscando direito exclusivamente patrimonial, quando a causa decorre de dano moral, porque este é "o efeito não patrimonial da lesão de direito", como têm decidido os tribunais.20

Resulta mesmo incompreensível decisão do STJ a respeito proferida, segundo a qual, baseado na doutrina de Moacyr Porto, "a dor não é bem que componha o patrimônio transmissível do de cujus", mas ao mesmo tempo admite que se pode considerar de todo transmissível por direito hereditário a ação que a vítima ainda viva tinha contra seu ofensor.21

Na análise da jurisprudência superveniente, temos que permanece a instabilidade acerca do tema. Verifica-se, não raro, a confusão que antes aqui foi detectada, no sentido de admitir a transmissibilidade por ser considerado que a dor sob tema na ação, também atinge aos herdeiros, ainda que de forma indireta, o que, como aqui destacado, diz respeito a dor própria e não por sucessão.22

A mesma E.Corte ora tem considerado intransmissível por sucessão o direito e a ação de indenização por dano moral23, ora tem admitido, por entender que "o direito de primitivo autor, menor impúbere, de se ver indenizado pelos danos injustamente causados pelo réu, foi exercido tempestivamente pelo mesmo, através de seus representantes legais, que ajuizaram a ação quando ao titular da relação jurídica de direito material ainda era vivo. No momento do falecimento do autor primitivo já integrava o seu patrimônio todos os direitos e ações naquele momento existentes, inclusive o direito de ver reparada lesão já consumada e objeto de tempestivo exercício de direito de ação, esta somente para a quantificação e a restauração de seu patrimônio moral e material.24"

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1 Ob.cit.,p. 802

2 Ob. cit., p. 39

3 O TJSP recusou indenização por dano moral a coautor, considerando que não foi ele diretamente atingido, reconhecendo tratar-se a dor moral de "questão personalíssima" - AC 169.503-4/4-00, de 31.10.01, Rel. Des. Leite Cintra

4 Francesco Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Tomo XXII, Editor Borsoi, 1955, 3ª edição, § 2.723, n. 4

5 (Dano Moral, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª Ed., págs. 699Ú700)

6 Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil por danos morais, SP:RT 1994, p. 150. Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, Ed. Saraiva, 7ª ed., pág. 552)

7 O Dano Moral, p. 698

8 Ob.cit., p. 201

9 Nesse sentido: Wilson Mello Da Silva, Ob.Cit.,p. 469

10 Dano Moral.,p. 700 - Em julgado do Superior Tribunal de Justiça, que adota a presente obra, a Relatora Min. Nancy Andrighi menciona a lição de Wilson Mello da Silva, segundo o qual "outra consequência da regra que só manda reparar o dano moral quando o mesmo exista efetivamente é que, dado o seu caráter eminentemente subjetivo, jamais se transferiria ativamente a terceiros, seja pela cessão comum, seja pelo jus hereditatis (...). Os danos morais dizem respeito ao foro íntimo do lesado. Seu patrimônio ideal é marcadamente individual e seu campo de incidência o mundo interior de cada um de nós. Sua personalidade estaria, para esse patrimônio moral, como um verdadeiro suporte, correspondendo, mutatis mutandis, à substância de Locke, sustentáculo e base dos bens morais, deles participando ao mesmo tempo. Os danos morais são inerentes à pessoa, incapazes, por isso, de subsistir sozinhos. Desaparecem com o próprio indivíduo. Podem os terceiros compartilhar da minha dor, sentindo eles próprios as mesmas angústias que eu. O que não se concebe, porém, é que minhas dores, as minhas angústias, possam ser transferidas de mim pra terceiros". (REsp 302.029-RJ - 29.5.01 - 3a . Turma) Ainda, o STJ , citando a presente obra, decidiu: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 669.015 - PR (2015/0024717-6) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO Em sentido contrário: TJSP - AC 115.934-4/0-00, de 27.9.01, Rel. Des. J. G. Jacobina Rabello, fundado nas lições de Pontes de Miranda e Yussef Said Cahali. Ainda: TJSP-AC 127.117-4/5, de 08.2.00, Rel. Des. Gildo dos Santos.

11 REsp 268.660-RJ, de 21.11.00 - Rel. Min. César Asfor Rocha - 4a . Turma

12 Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros Editores, 6ª. Edição, p. 113

13 STRENGER a respeito afirma que não tendo os mortos personalidade, e em conseqüência não podendo ser sujeitos passivos de delito contra a honra, só poderemos examinar os fatos injuriosos relativos à pessoa viva e aquelas atitudes que têm a forma de ofender a um defunto, porém que, em substância, subjetiva e objetivamente, tendem a ofender pessoa viva. Em verdade, a questão não põe em jogo o interesse do defunto, mas de pessoas vivas na memória do morto. Há nesse sentido legislações que especificamente concedem ao cônjuge, filhos, pais, netos e irmãos do falecido o direito de ação, mas o bom senso admite ação de responsabilidade por danos originados de ofensas à memória do falecido, mesmo inexistindo norma que expressamente o consagre. (ob.cit., p. 198)

14 Rel. Min. José Delgado, 1a . Turma, de 19.6.01. O TJSP, também de modo incongruente, decidiu a favor da transmissibilidade, inclusive da indenização por dano estético de caráter ainda mais exclusivamente pessoal (AC 096.032.5/1-00, de 25.4.01). De fato, a jurisprudência tem admitido a transmissibilidade, sem todavia enfrentar os aspectos contrários a esse posicionamento: A favor da transmissibilidade: DANOS MORAIS. HERDEIROS. TRANSMISSIBILIDADE. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO DOMICILIAR. CLÁUSULA RESTRITIVA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE. COBERTURA. NEGATIVA INDEVIDA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. 2. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firmado no sentido de que o direito à indenização por danos morais é transmissível aos sucessores do falecido por ter caráter patrimonial. (AgInt no AREsp 1558607/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 18/08/2020). No mesmo sentido decisão monocrática: Dcl no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.276.939 - RJ (2010/0024072-7) RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO, 01.07.2010

15 Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, ob.cit,m, p. 128

16 Ob. Cit., p. 463

17 8 REsp 913.131/BA, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 06/10/2008

18 De fato, no caso aqui destacado, a ação foi movida originariamente pelo Espólio, tendo como causa de pedir a dor moral dos herdeiros: "(...) Deveras, cediço que nem sempre há coincidência entre os sujeitos da lide e os sujeitos do processo, restando inequívoco que o dano moral pleiteado pela família do de cujus constitui direito pessoal dos herdeiros, ao qual fazem jus, não por herança, mas por direito próprio, deslegitimando-se o espólio, ente despersonalizado, nomine próprio, a pleiteá-lo, posto carecer de autorização legal para substituição extraordinária dos sucessores do falecido." E traz como suporte exemplo jurisprudencial onde consta expressamente: (..) Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula. Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja por dano material. (REsp 521697 Ú RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ 20.03.2006 p. 276)

19 O novo Código Civil prevê, no art. 943, que "o direito de exigir reparação e a obrigação de presta-la transmitem-se com a herança"

20 A exemplo: STJ-REsp 243.093, de 14.3.00, 4A. Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; STJ[20]REsp 52.842, de 16.9.97, Rel. Min. Carlos Alberto

21 RSTJ 71/183

22 CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DE PAI FALECIDO. Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção a imagem e a honra de quem falece, como se fossem coisas de ninguém, porque elas permanecem perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula. Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que os seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja por dano material. Primeiro recurso especial das autoras parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido. Segundo recurso especial das autoras não conhecido. Recurso da ré conhecido pelo dissídio, mas improvido. (REsp 521.697/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 16.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 276) RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. OFENDIDO FALECIDO. LEGITIMIDADE DOS SUCESSORES PARA PROPOR AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO À REPARAÇÃO. 1. Na hipótese dos autos, o filho dos recorridos, em abordagem policial, foi exposto a situação vexatória e a espancamento efetuado por policiais militares, o que lhe causou lesões corporais de natureza leve e danos de ordem moral. A ação penal transitou em julgado. Após, os genitores da vítima, quando esta já havia falecido por razões outras, propuseram ação de indenização contra o fato referido, visando à reparação do dano moral sofrido pelo filho. 2. A questão controvertida consiste em saber se os pais possuem legitimidade ativa ad causam para propor ação, postulando indenização por dano moral sofrido, em vida, pelo filho falecido. 3. É certo que esta Corte de Justiça possui orientação consolidada acerca do direito dos herdeiros em prosseguir em ação de reparação de danos morais ajuizada pelo próprio lesado, o qual, no curso do processo, vem a óbito. Todavia, em se tratando de ação proposta diretamente pelos herdeiros do ofendido, após seu falecimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui orientações divergentes. De um lado, há entendimento no sentido de que "na ação de indenização de danos morais, os herdeiros da vítima carecem de legitimidade ativa ad causam" (REsp 302.029/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 1º.10.2001); de outro, no sentido de que "os pais - na condição de herdeiros da vítima já falecida - estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados por agentes públicos (...)". Isso, porque "o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima (RSTJ, vol. 71/183)" (REsp 324.886/PR, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 3.9.2001). 4. Interpretando-se sistematicamente os arts. 12, caput e parágrafo único, e 943 do Código Civil (antigo art. 1.526 do Código Civil de 1916), infere-se que o direito à indenização, ou seja, o direito de se exigir a reparação de dano, tanto de ordem material como moral, foi assegurado pelo Código Civil aos sucessores do lesado, transmitindo-se com a herança. Isso, porque o direito que se sucede é o de ação, que possui natureza patrimonial, e não o direito moral em si, que é personalíssimo e, portanto, intransmissível. 5. José de Aguiar Dias leciona que não há princípio algum que se oponha à transmissibilidade da ação de reparação de danos, porquanto "a ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima. Não se distingue, tampouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. A ação que se transmite aos sucessores supõe o prejuízo causado em vida da vítima" (Da Responsabilidade Civil, Vol. II, 4ª ed., Forense: Rio de Janeiro, 1960, p. 854). 6. Como bem salientou o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no julgamento do REsp 11.735/PR (2ª Turma, DJ de 13.12.1993), "o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima". 7. "O sofrimento, em si, é intransmissível. A dor não é 'bem' que componha o patrimônio transmissível do de cujus. Mas me parece de todo em todo transmissível, por direito hereditário, o direito de ação que a vítima, ainda viva, tinha contra o seu ofensor. Tal direito é de natureza patrimonial. Leon Mazeaud, em magistério publicado no Recueil Critique Dalloz, 1943, pág. 46, esclarece: 'O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se entendesse (deve ser estendesse) ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores'.? (PORTO, Mário Moacyr, in Revista dos Tribunais, Volume 661, pp. 7/10). 8. O dano moral, que sempre decorre de uma agressão a bens integrantes da personalidade (honra, imagem, bom nome, dignidade etc.), só a vítima pode sofrer, e enquanto viva, porque a personalidade, não há dúvida, extingue-se com a morte. Mas o que se extingue - repita-se - é a personalidade, e não o dano consumado, nem o direito à indenização. Perpetrado o dano (moral ou material, não importa) contra a vítima quando ainda viva, o direito à indenização correspondente não se extingue com sua morte. E assim é porque a obrigação de indenizar o dano moral nasce no mesmo momento em que nasce a obrigação de indenizar o dano patrimonial - no momento em que o agente inicia a prática do ato ilícito e o bem juridicamente tutelado sofre a lesão. Neste aspecto não há distinção alguma entre o dano moral e patrimonial. Nesse mesmo momento, também, o correlativo direito à indenização, que tem natureza patrimonial, passa a integrar o patrimônio da vítima e, assim, se transmite aos herdeiros dos titulares da indenização? (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil, 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, pp. 85/88). 9. Ressalte-se, por oportuno, que, conforme explicitado na r.sentença e no v. acórdão recorrido, "o finado era solteiro e não deixou filhos, fato incontroverso comprovado pelo documento de fl. 14 (certidão de óbito), sendo os autores seus únicos herdeiros, legitimados, pois, a propor a demanda" (fl. 154). Ademais, foi salientado nos autos que a vítima sentiu-se lesada moral e fisicamente com o ato praticado pelos policiais militares e que a ação somente foi proposta após sua morte porque aguardava-se o trânsito em julgado da ação penal. 10. Com essas considerações doutrinárias e jurisprudenciais, pode-se concluir que, embora o dano moral seja intransmissível, o direito à indenização correspondente transmite-se causa mortis, na medida em que integra o patrimônio da vítima. Não se olvida que os herdeiros não sucedem na dor, no sofrimento, na angústia e no aborrecimento suportados pelo ofendido, tendo em vista que os sentimentos não constituem um "bem" capaz de integrar o patrimônio do de cujus. Contudo, é devida a transmissão do direito patrimonial de exigir a reparação daí decorrente. Entende[22]se, assim, pela legitimidade ativa ad causam dos pais do ofendido, já falecido, para propor ação de indenização por danos morais, em virtude de ofensa moral por ele suportada. 11. Recurso especial do Estado de São Paulo conhecido, mas desprovido. 3. Recurso especial adesivo não-conhecido. (REsp 978.651/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2009, DJe 26/03/2009) Decidiu de modo contrário o mesmo Tribunal: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL DECORRENTE DE COBRANÇA DE FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO.UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO CARTÃO POR TERCEIRO. NEGATIVAÇÃO DO NOME DO CORRENTISTA DOIS APÓS SUA MORTE. ILEGITIMIDADE DO ESPÓLIO. DIREITO PESSOAL DOS HERDEIROS. 1. Controvérsia acerca da legitimidade ativa do espólio para pleitear reparação por dano moral resultante do sofrimento causado à família do de cujus em razão da cobrança e da negativação do nome do falecido decorrentes da utilização indevida de cartão de crédito por terceiro dois anos após o óbito. 2. O espólio carece de legitimidade ativa para ajuizar ação em que se evidencia que o dano moral pleiteado pela família tem como titulares do direito os herdeiros, não por herança, mas por direito próprio deles. 3. Recurso especial provido. (REsp 869.970/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJe 11/02/2010)

23 REGIMENTAL. DANO MORAL. LEGITIMIDADE ATIVA. LINHA SUCESSÓRIA.INCABÍVEL. 1) O fator relevante para conferir a legitimidade na ação de indenização por danos morais é o sofrimento reportado pelo reclamante; 2) A legitimidade para reclamar danos morais nada tem com a ordem de sucessão hereditária, tendo em vista a natureza extrapatrimonial dos danos morais. (AgRg no REsp 769.043/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 01.03.2007, DJ 19.03.2007 p. 331).

24 REsp 829.789/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05.09.2006, DJ 15.09.2006 p. 299, com menção a farta jurisprudência.

Mirna Cianci

VIP Mirna Cianci

Procuradora do Estado de São Paulo. Doutora e mestre em Direito Processual Civil. Professora. Sócia no escritório Cianci Quartieri Advogados.

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