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O sequestro de bens no processo penal

A existência de indícios veementes da proveniência ilícita do patrimônio do investigado é suficiente para que seja determinado o sequestro judicial de bens.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Atualizado às 08:38

O sequestro judicial de bens está previsto no Código de Processo Penal e no Decreto-Lei nº. 3.240, de 8 de maio de 1941. Em linhas gerais, pode ser classificado como medida cautelar de ressarcimento de prejuízos decorrentes de prática delitiva.

O art. 125 do Código de Processo Penal dispõe que o sequestro de bens recairá sobre o proveito da infração penal, ou seja, a norma processual penal determina que seja feita a distinção dos benefícios financeiros decorrentes do crime com o eventual patrimônio constituído licitamente pelo infrator. Isto é, a data do cometimento da infração penal será utilizada para aferir a legalidade da utilização da medida extrema pelo Poder Judiciário.

"Art. 125.  Caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro."

Com efeito, o decreto-lei 3.240, de 8 de maio de 1941 é norma de caráter especial, pois prescreve em seu art. 1º que o sequestro judicial de bens será processado de acordo com essa legislação quando o delito investigado for cometido em prejuízo à Fazenda Pública (e: sonegação fiscal):

"Art. 1º Ficam sujeitos a sequestro os bens de pessoa indiciada por crime de que resulta prejuízo para a fazenda pública, ou por crime definido no Livro II, Títulos V, VI e VII da Consolidação das Leis Penais desde que dele resulte locupletamento ilícito para o indiciado."

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou contrário a tese de que o decreto-lei 3.240/41 foi revogado pelo art. 125 do Código de Processo Penal. Confira a seguinte ementa:

"O art. 1º do decreto-lei 4.240/41, por ser norma especial, prevalece sobre o art. 125 do CPP e não foi por este revogado eis que a legislação especial não versa sobre a mera apreensão do produto do crime, mas, sim, configura específico meio acautelatório de ressarcimento da Fazenda Pública, de crimes contra ela praticados. (REsp 149.516/SC, relator Ministro Gilson Dipp, 5ª turma, julgado em 21/5/02, DJ de 17/6/02, p. 287.)"

Nesse sentido, o Código de Processo Penal e o Decreto-Lei são unânimes ao prescrever que bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita do patrimônio do investigado para que seja determinado o sequestro judicial de bens. Aliás, essa é a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça: 

"Não há que se falar em inversão do ônus da prova no caso concreto, porquanto o art. 126 do CPP, para a decretação do sequestro, tão somente a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.

(AgRg no RMS 54.559/PE, relator Ministro Felix Fischer, 5ª turma, julgado em 3/4/18, DJe de 11/4/18.)"

Em resumo, quando o crime resultar em prejuízo à Fazenda Pública aplicar-se-ão as normas contidas no decreto-lei 3.240/41, caso contrário, deverão ser utilizados os artigos contidos no Código de Processo Penal.

Diferentemente do Código de Processo Penal que determina a separação do lícito e do ilícito para deferir a medida Judicial extrema de sequestro de bens, essa divisão não ocorre quando o crime causar prejuízo à Fazenda Nacional, pois o art. 4º do decreto-lei 3.240/41 impõe que o sequestro seja autorizado sobre todo o patrimônio do investigado, independentemente da comprovação da licitude de bens que não possuem qualquer relação com o fato criminoso:  

"Art. 4º O sequestro pode recair sobre todos os bens do indiciado, e compreender os bens em poder de terceiros desde que estes os tenham adquirido dolosamente, ou com culpa grave."

No julgamento do AgRg no AREsp 2.219.917/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 15/5/23, DJe de 18/5/23 foi confirmada a aplicabilidade do art. 4º do decreto-lei 3.240, de 8 de maio de 1941:

"A medida de sequestro deferida nos autos, a teor do art. 4.º do decreto-lei 3.240/41, pode recair sobre quaisquer bens dos requerentes e não apenas sobre aqueles que sejam produtos ou proveito do crime, mostrando-se, assim, desnecessária qualquer discussão sobre o fato de os bens estarem ou não alienados e de terem sido adquiridos antes da prática delitiva" (RMS 29.854/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, 6ª TURMA, julgado em 1/10/15, DJe 26/10/15)."

Aliás, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido que o sequestro judicial de bens possa ser estendido a terceiros que tenham se beneficiado direta ou indiretamente do produto da prática delitiva. Confira trechos do voto proferido no RMS 49.904/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª turma, julgado em 27/9/16, DJe de 5/10/16, em que foi desprovido o recurso em mandado de segurança contra decisão que estendeu os efeitos do sequestro Judicial de bens a terceiro que não participou diretamente do crime: 

"Com efeito, no voto condutor do acórdão recorrido, o Relator do Mandado de Segurança 0012276-17.2013.4.02.0000 transcreveu trecho do requerimento de sequestro de bens, formulado pelo Ministério Público, no qual são indicadas fundadas suspeitas da origem ilícita dos bens apreendidos, seja porque sua aquisição ocorreu entre os anos de 2009 e 2011, época em que estava em plena atividade a quadrilha de fraudadores da Previdência, da qual o filho do recorrente participava, seja porque a renda do recorrente e de sua esposa não é compatível com o valor dos automóveis. Tudo isso levou a crer que tais bens eram produto da atividade ilícita de seu filho.

Ora, o recorrente não trouxe aos autos documentos que pudessem infirmar as suspeitas levantadas pelo Ministério Público e também não se desincumbiu de seu ônus de refutar os fundamentos postos no acórdão recorrido para denegar a segurança.

(...)

Verifica-se, assim, não haver ilegalidade na extensão do sequestro a bens de terceiros não envolvidos diretamente no ilícito penal, desde que devidamente fundamentada a decisão em indícios veementes de que tais bens foram adquiridos ou construídos com finanças produto de crime.

Tem razão, ainda, o parecer ministerial, quando observa que o sequestro de bens como medida assecuratória do processo penal não constitui pena, assim sendo, não há como se relacionar tal medida com uma possível imposição de pena a terceiro que não é parte no processo, não havendo que ser falar, por consequência, em violação ao princípio da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV, da CF).

Nesse contexto, deferida a medida judicial que autoriza o sequestro de bens do investigado, caberá ao próprio investigado, através de sua defesa técnica, produzir provas capazes de infirmar a conclusão judicial cautelar. Isto é, o ônus probatório é invertido em favor do Estado.

"Se a apreensão dos bens, nos termos do art. 126 do Código de Processo Penal, depende apenas da existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens, enquanto a restituição depende da inexistência de dúvida, resulta claro que a incerteza acerca da origem e licitude dos bens apreendidos deve ser dirimida pelo acusado, caso deseje a restituição antes do trânsito em julgado da ação penal, sendo seu o ônus da prova.

(AgRg no AREsp 736.813/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª turma, julgado em 1/9/15, DJe de 22/9/15.)"

Portanto, ainda que se trate de investigado inocente, a restituição dos bens arrestados judicialmente só poderá ser feita quando não houver dúvida acerca da origem e licitude do patrimônio do investigado. Caso contrário, a restituição ficará postergada para o trânsito em julgado de eventual sentença absolutória.

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Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

Decreto-lei 3.698, de 3 de outubro de 1941.

Decreto-lei 3.240, de 8 de maio de 1941.

AgRg no RMS 54.559/PE, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 3/4/2018, DJe de 11/4/2018.

AgRg no AREsp 2.219.917/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 18/5/2023.

RMS 49.904/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/9/2016, DJe de 5/10/2016.

AgRg no AREsp 736.813/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 1/9/2015, DJe de 22/9/2015.

REsp 149.516/SC, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 21/5/2002, DJ de 17/6/2002, p. 287.

REsp 1.124.658/BA, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 17/12/2009, DJe de 22/2/2010.

RMS 32.644/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/9/2017, DJe de 22/9/2017.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

VIP Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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