A integralização do capital social da sociedade limitada com criptomoedas
Nos casos em que o valor do capital social venha a diminuir devido à alta variação de preço da criptomoeda, os sócios deverão compensar o valor das cotas para fins de preservar o valor do capital social da empresa.
quinta-feira, 27 de julho de 2023
Atualizado às 09:20
Com a crescente evolução das criptomoedas e o desenvolvimento do mercado digital, novas questões jurídicas têm surgido, incluindo a utilização de criptomoedas como meio de pagamento de operações societárias e integralização de capital de sociedades limitadas. O presente artigo explora a viabilidade de utilizar criptomoedas, especialmente o bitcoin, para compor o capital social de sociedades.
Uma das primeiras indagações abordadas é a natureza jurídica das criptomoedas. O Banco Central do Brasil (BCB)1 e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM)2 já se manifestaram a esse respeito, diferenciando-as de moedas eletrônicas e afirmando que, dependendo do contexto econômico e dos direitos conferidos aos investidores, podem ser consideradas valores mobiliários. Por sua vez, a Receita Federal do Brasil (RFB)3 considera as criptomoedas como ativos financeiros, requerendo sua declaração na ficha de bens e direitos.
No entanto, com a entrada em vigor da lei 14.478/224, as criptomoedas passaram a ser reconhecida como "ativos virtuais", como a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento
Quanto a possibilidade de integralização de capital com criptomoedas nas sociedades limitadas, verifica-se que o Código Civil não impõe vedação expressa a esse procedimento, permitindo a utilização de qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária.
Além disso, a Lei da Liberdade Econômica5 reforça o princípio da autonomia privada e a livre formação de sociedades empresariais, salvo se houver disposição legal em contrário.
Assim, o capital social deve ser expresso em dinheiro nacional, conforme o que descreve a Lei (art. 997, III, Código Civil), podendo ser constituído em bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos.
Em relação às formalidades para registro dos atos societários que envolvem o uso de criptomoedas, o Ofício Circular 4081/206 do Ministério da Economia esclareceu que não existem exigências específicas. As Juntas Comerciais devem seguir as regras aplicáveis à integralização de capital com bens móveis, de acordo com o tipo societário, limitando-se ao exame do cumprimento das formalidades legais do ato submetido ao arquivamento.
Com base no Ofício Circular 4081/2020/ME, fica evidente que não há impedimento legal para a integralização de capital social em sociedades limitadas com criptomoedas. Dessa forma, o uso de criptomoedas, como o bitcoin, para essa finalidade pode ser considerado válido e viável, desde que respeitadas as formalidades legais aplicáveis.
Assis e Peixoto (2021)7 alertam que a alta volatilidade dos preços das criptomoedas podem trazer dificuldade quanto a mensuração do valor real a ser estipulado no momento da integralização. Ainda devido à alta variação é importante a "ponderação que se faz mandatória é acerca da efetividade quanto à segurança jurídica e consistência econômica que se presta o capital social constituído - integral ou parcialmente - por criptoativos frente a terceiros e seus stakeholders".
Deste modo nos casos em que o valor do capital social venha a diminuir devido à alta variação de preço da criptomoeda, os sócios deverão compensar o valor das cotas para fins de preservar o valor do capital social da empresa. (ZAMBÃO, 2019, p. 45).8
A constante evolução das criptomoedas requer atenção contínua às regulamentações e orientações das entidades competentes, mas a perspectiva de sua utilização para a integralização de capital social em sociedades limitadas pode oferecer novas oportunidades e flexibilidade para o ambiente empresarial, embora tenha que ser tomado o devido cuidado no momento de sua mensuração, visto que a moeda virtual possui alta volatilidade.
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1 BRASIL. Banco Central. Comunicado n° 25.306, de 19 de fevereiro de 2014. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadVoto.asp?arquivo=/Votos/BCB/2017246/Voto_2462017_BCB.pdf
2 BRASIL. Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm
3 BRASIL. Receita Federal Brasileira. Instução normativa n°1888, de 03 de maio de 2019. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592
4 BRASIL. Lei n° 14.478, de 21 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2022/lei-14478-21-dezembro-2022-793516-publicacaooriginal-166582-pl.html
5 BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm.
6 BRASIL. Ministério da Economia. Ofíico Circular n° 4081, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/drei/legislacao/arquivos/OfcioCircular4081criptomoedas.pdf
7 ASSIS, João Pedro Ribeiro; PEIXOTO, Tâmara Oliveira. As criptomoedas na integralização de capital em sociedades empresárias. Consultor Jurídico, [S. l.], p. 1-6, 9 jan. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-09/opiniao-criptomoedas-capital-sociedades-empresarias.
8 ZAMBÃO, Lara Helena Luiza. AS CRIPTOMOEDAS COMO FORMA DE INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL DA SOCIEDADE ANÔNIMA, E A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DO SÓCIO EM EVENTUAL EXECUÇÃO JUDICIAL. 2019. 61 f. Monografia (Bacharel em Direito) - CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA, Curitiba, 2019.
Kenny Mateus Yamada Barbosa
Graduando em Direito pela PUCPR - Pontifícia Universidade Católica do Paraná Campus Toledo. Estagiário de direito do escritório Fonsatti Advogados Associados.