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A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços advocatícios pela lei 14.133/21

A nova lei de licitações e a dispensa "singularidade do objeto" para contratação direta de serviços advocatícios. Questionamentos a tais contratações devem subordinação à lei vigente.

terça-feira, 25 de julho de 2023

Atualizado às 13:55

A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços advocatícios sempre foi um assunto nebuloso para os administradores públicos, principalmente, pelos gestores municipais, que por uma perspectiva excessivamente punitiva do Ministério Público, acabavam figurando como investigados em inquéritos civis e criminais e, posteriormente, réus em ações de  improbidade administrativa e penais, sob o viés de que toda contratação direta de serviços técnicos jurídicos estaria eivada de irregularidades, o que, em tese, restaria configurado, no âmbito civil, ao menos violação a princípios, tipificado pelo artigo 11 da lei 8.429/92.

Em linhas gerais, os principais argumentos utilizados para ajuizamento de ações judiciais eram de que a existência de procuradorias municipais afastaria a necessidade da contratação de um advogado especialista, vez que os serviços poderiam ser prestados pelos servidores concursados, além de que a assessoria e consultoria jurídica não se revestiam de "singularidade" ou demandariam "notória especialização" - requisitos da contratação direta por inexigibilidade.

Nada obstante esses argumentos, reiterados em inúmeras ações de improbidade, o Ministério Público sempre encontrou dificuldades para conceituar precisamente o termo "singularidade", algo que a doutrina aponta como sendo não apenas a circunstância de existir um único procurador.

Quanto a presença de procuradorias locais, a existência de corpo jurídico local não significa que os advogados públicos da administração (direta ou indireta), ainda que concursados, gozem de uma expertise específica e proeminente para atuação em diferentes serviços e matérias de direito.

Em sua grande maioria, os serviços jurídicos necessitados fogem totalmente das atividades executadas no cotidiano da administração pública, como por exemplo: serviços de recuperação de créditos tributários, patrocínio de causas administrativas frente aos Tribunais de Contas e etc.

Em verdade, a contratação direta de advogados não fica restringida a assuntos atípicos; muito pelo contrário, se houver a necessidade de assistência jurídica, a administração pública deve contratar um profissional para tanto, com maior experiência e habilidade para satisfazer o interesse público, desde que respeitadas as molduras normativas.

Nessa linha, a lei 8.666/93, programada para manter sua vigência até em 30 de dezembro de 2023 (art. 193, inciso II, da lei 14.133/21, com redação dada pela MP 1.167/23), já possibilitava a contratação direta para tais serviços, por meio da inexigibilidade de licitação.

A mencionada norma, em seu artigo 13, inciso V caracteriza o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, como serviço técnico especializado, que poderá ser contratado com inexigibilidade de licitação se demonstrada a notória especialização do profissional e a singularidade do objeto, conforme artigo 25, inciso II  da mesma lei. O Tribunal de Contas da União possui a súmula 252, segundo a qual a incidência do II, do art. 25, da lei 8.666/93, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.

Com o advento da nova lei de licitações (Lei 14.133/21), o artigo 74 , que ora disciplina a inexigibilidade de licitação, não mais demanda o requisito da singularidade para a contratação direta de serviços intelectuais, por ser intrínseco a tais serviços, bastando a comprovação da notória especialização do profissional contratado.

Essa disposição reforçou a inteligência do artigo 3-A da lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), segundo o qual, "os serviços profissionais de advogado, são, por sua natureza, técnicos e singulares, quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.".

Com efeito, a supressão desse requisito (singularidade do objeto) foi um importante passo para garantia de maior segurança jurídica e queda de questionamentos administrativos e judiciais impertinentes, principalmente no seio das Administrações Públicas Municipais.

Nada obstante, ante as disposições do novo regramento, com o escopo de evitar possível responsabilização, o gestor público deverá se ater a alguns pontos, partindo da avaliação minuciosa de seus recursos disponíveis, da sua infraestrutura e justificação da escolha, atento aos limites autorizados pela nova lei, para melhor atender o interesse público.

Daí a relevância da devida motivação da contratação - não apenas da escolha -, com esclarecimento de sua necessidade, além de subordinação rigorosa do procedimento entabulado pelo art. 72 e incisos, da lei 14.133/21, que determina a instrução do expediente administrativo com: documento de formalização de demanda; estudo técnico preliminar; pareceres jurídico e técnicos; comprovação de que o contratado preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária - ou seja, de que é notoriamente especializado sobre o tema contratado; razão da escolha; autorização da autoridade competente, dentre outros.

Cumprir esses aspectos é indispensável para evitar sancionamentos administrativos, cíveis e criminais, mormente visto que o art. 73, da norma prevê a responsabilidade solidária do contratado e do agente público responsável pela indevida contratação direta, em caso de dolo ou erro grosseiro.

No que toca a demonstração da notória especialização, em uma perspectiva prática, há alguns instrumentos possíveis de atestar a especialização do profissional da advocacia, como: (i) reconhecimento em revistas especializadas que publicam classificações de escritórios e advogados, como mais respeitados/admirados no Brasil; (ii) certificações internacionais (iii) publicação de livros e artigos sobre os temas envolvidos; (iv) títulos acadêmicos (pós graduação, mestrado, doutorado).

Sobre o valor da contratação, o gestor público, uma vez decidido em contratar, deverá solicitar, antecipadamente, uma discriminação dos honorários praticados pelo profissional para os particulares, segundo inteligência do artigo 72, inciso VII da lei 14.133/21.

E aqui merece um grande destaque, o valor de referência é o valor praticado pelo escritório aos particulares e não os valores cobrados por outros escritórios de advocatícia; isso posto, a administração deverá observar os princípios que regem a contratação, como da economicidade, da boa administração, razoabilidade e da proporcionalidade. Até porque, não há do que se falar em "preço de mercado", tendo em vista que não há maneira de comparar trabalhos jurídicos, ante a natureza intelectual do advogado.

Dessa forma, e sopesada a magnitude das alterações das regras licitatórias, espera-se razoabilidade do Ministério Público em suas funções de fiscalização e busca pela aplicação de penas, seja pela via administrativa ou judicial.

Almeja-se que o ente ministerial abandone a cultura de instauração de processos judiciais pura e simplesmente pelo modelo de interpretação e aplicação dessas novas regras de contratação direta pelos gestores públicos, principalmente em vista de que não mais há espaço para se impugnar atos administrativos com base em argumentos deste jaez, mormente em ações de improbidade, pois o art. 1º, §8º, da LIA  e a jurisprudência  vedam esse modus.

Diante o exposto e, longe de esgotar o tema, não há qualquer impedimento da contratação direta de advogados, desde que reste demonstrado a notória especialização na sua área de atuação e o preenchimento dos demais requisitos exigidos pela legislação, de modo a evitar possíveis problemas com os órgãos de controle e com o Ministério Público.

Priscila Lima Aguiar Fernandes

VIP Priscila Lima Aguiar Fernandes

Mestra e Pós-Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e advogada sócia do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Daniel Santos de Freitas

Daniel Santos de Freitas

Pós-graduado em Prática de Direito Administrativo pelo DAMÁSIO e associado do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Marcela Caldas dos Reis

Marcela Caldas dos Reis

Especialista em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e associada do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Gabriel Silva Pereira

Gabriel Silva Pereira

Pós-graduando em Direito Administrativo pelo PUC/MG e associado do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

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