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A normatização da igualdade de gênero e os desafios no mercado de trabalho

Como a publicação da lei 14.611/23 se alinha com o trabalho inclusivo e o crescimento econômico sustentável previsto no Pacto Global da ONU e com o pilar "S" do ESG.

terça-feira, 25 de julho de 2023

Atualizado às 13:40

Muitas vezes, para mudar desigualdades históricas, é necessária a criação de leis. Tendo isso em vista, em 3 de julho de 2023 - foi publicada a lei 14.611/23 -, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios de remuneração entre mulheres e homens, e alterou alguns dispositivos da CLT. A lei foi sancionada pelo Presidente da República, após ser aprovada pelo Congresso Nacional, como uma medida para combater a discriminação e a desigualdade de gênero no mercado de trabalho.

A lei estabelece que empresas com 100 ou mais empregados devem publicar semestralmente relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios, observada a proteção de dados pessoais dos trabalhadores1. A lei prevê também medidas para garantir a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens que realizem trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.

A lei acrescentou, ainda, dois novos parágrafos ao Art. 461 da CLT, que trata da equiparação salarial entre trabalhadores que exerçam função idêntica na mesma empresa. A nova redação do artigo prevê que, na hipótese de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas ao empregado discriminado não afasta seu direito de ação de indenização por danos morais, consideradas as especificidades do caso concreto. Outrossim, estabelece uma multa correspondente a 10 vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro em caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais.

É possível depreender, ainda, uma tríade para o desenvolvimento sustentável das empresas como um todo: a lei 14.611/23, o ODS 8 do pacto global da ONU e o "S" do ESG.

Vamos lá.

Nessa tríade, a lei 14.611/23 - como vimos - representa um marco legal importantíssimo para promover a igualdade salarial e os critérios remuneratórios entre mulheres e homens no contexto do mercado de trabalho. Essa legislação busca combater a desigualdade de gênero no âmbito salarial, garantindo maior transparência e equidade nas remunerações, além de promover a igualdade de oportunidades no ambiente laboral.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 8 do pacto global da Organização das Nações Unidas (ONU), tem como meta promover o trabalho decente e o crescimento econômico sustentável. O ODS 8 é um dos 17 objetivos adotados pelos países-membros da ONU em 2015, como parte da agenda prevista até 2030. A lei 14.611/23, ao abordar diretamente a igualdade salarial, está alinhada com o propósito do ODS 8 de criar oportunidades de trabalho justas e inclusivas para todos.

O conceito de trabalho decente foi definido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como aquele que é adequadamente remunerado, realizado em um ambiente de liberdade, igualdade e segurança, sem qualquer tipo de discriminação, e capaz de proporcionar uma vida digna tanto aos trabalhadores quanto a suas famílias2. O conceito de crescimento econômico, por sua vez, refere-se ao aumento da capacidade produtiva de uma economia, medido pelo produto interno bruto (PIB) ou pela renda per capita.

A relação entre trabalho decente e crescimento econômico, portanto, é de interdependência e de reforço mútuo. Por um lado, o crescimento econômico é necessário para gerar empregos, renda e recursos para o desenvolvimento social. Por outro lado, o trabalho decente é essencial para garantir a distribuição equitativa dos benefícios do crescimento econômico, a inclusão social e a redução da pobreza. Igualmente, o trabalho decente contribui para o aumento da produtividade, da competitividade e da inovação das empresas e dos países.

Por fim, o "S" do ESG refere-se ao componente social dos critérios ambientais, sociais e de governança utilizados para avaliar a sustentabilidade das empresas. A igualdade salarial é uma das questões sociais essenciais analisadas nessa abordagem. Ao cumprir com os preceitos da lei 14.611/23, as empresas demonstram um compromisso real com a responsabilidade social e a equidade de gênero, o que é altamente valorizado por investidores e stakeholders engajados na busca por práticas empresariais sustentáveis.

Prosseguindo.

O impacto da lei 14.611/23 na economia brasileira é um tema que ainda precisará ser explorado, mas alguns possíveis efeitos podem ser apontados.

Um deles é a redução da desigualdade de gênero no mercado de trabalho, que é um dos maiores problemas sociais do país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3, em 2020, as mulheres representavam cerca de 44% da população ocupada, mas recebiam em média 22% menos do que os homens4. Adicionalmente, as mulheres enfrentavam maiores dificuldades para ingressar, permanecer e ascender no mercado de trabalho, especialmente em setores mais qualificados e bem remunerados. A lei pode contribuir para diminuir essa disparidade salarial e de oportunidades entre os gêneros, promovendo uma maior justiça social e econômica.

Em um trecho extraído do sítio do Ministério das Mulheres: Luiz Marinho garantiu que o Ministério do Trabalho e Emprego vai fazer valer a Lei. "Busquem fazer com que nós não tenhamos de caminhar para um processo de autuação, porque as condições estão dadas e nós usaremos a inteligência artificial, a fiscalização in loco para fazer valer a Lei. Para isso estamos fazendo um concurso para 900 novos fiscais"5.

Pois bem.

Mais do nunca é nítido e patente de que as empresas devem tomar uma ação - as soon as possible - para implementar ações de promoção e igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. Algumas dessas ações, podem ser:

  • Realizar um diagnóstico da situação salarial e de critérios remuneratórios dos empregados, identificando possíveis casos de discriminação ou desigualdade por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade;
  • Elaborar e divulgar o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios, conforme previsto na Lei nº 14.611/2023, para as empresas com 100 ou mais empregados;
  • Revisar e ajustar as políticas e os processos de remuneração, recrutamento, seleção, avaliação, promoção e desenvolvimento dos empregados, garantindo que sejam baseados em critérios objetivos, transparentes e justos;
  • Promover e implementar programas de diversidade e inclusão que abranjam a capacitação de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados;
  • Disponibilizar canais específicos para denúncias de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, garantindo a confidencialidade e a proteção dos denunciantes;
  • Monitorar e avaliar os resultados das ações implementadas, utilizando indicadores quantitativos e qualitativos, e reportar os avanços e os desafios para a alta direção da organização. 

Outros aspectos, não menos importantes e igualmente relevantes, referem-se aos Princípios de Empoderamento das Mulheres (conhecidos como WEPs6) e ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 57, ambos presentem na pauta da Organização das Nações Unidas.    

Portanto, essas ações podem contribuir para o cumprimento da tríade mencionada acima, ou seja, o cumprimento das regras previstas na lei 14.611/23; o alinhamento da organização com os princípios do trabalho decente e do crescimento econômico sustentável previsto na ODS 8 do pacto global da ONU e do "S" do ESG. Além disso, podem trazer benefícios para a organização, tais como a melhoria da reputação, da produtividade, da competitividade e da inovação.

____________

1 Em atendimento às regras previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

2 Conceito parafraseado baseado nas informações disponíveis no sítio da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

3 Fonte: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html. Acessado dia 20/07/2023.

4 Sem considerar as mulheres negras, cujo percentual, sem dúvida alguma, é ainda mais elevado.

5 Fonte: https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/julho/governo-federal-institui-igualdade-salarial-e-remuneratoria-entre-mulheres-e-homens. Acessado dia 20/07/2023.

6 Os princípios de empoderamento das mulheres são um conjunto de orientações para as empresas integrarem a igualdade de gênero em suas estratégias, políticas e práticas. Eles foram criados pela ONU Mulheres Brasil e a Rede Brasileira do Pacto Global, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos das mulheres. Os princípios são os seguintes:

1. Estabelecer liderança corporativa de alto nível para a igualdade de gênero;

2. Tratar todos os homens e mulheres de forma justa no trabalho - respeitar e apoiar os direitos humanos e a não-discriminação;

3. Garantir a saúde, a segurança e o bemestar de todos os trabalhadores e as trabalhadoras;

4. Promover a educação, a formação e o desenvolvimento profissional das mulheres;

5. Implementar o desenvolvimento empresarial e as práticas da cadeia de suprimentos e de marketing que empoderem as mulheres;

6. Promover a igualdade através de iniciativas e defesa comunitária; e

7. Mediar e publicar os progressos para alcançar a igualdade de gênero. 

Fonte: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/cartilha_WEPs_2016.pdf. Acessado dia 21/07/2023.

Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Mais detalhes em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/5. Acessado dia 21/07/2023.

Alexandre Haruno

VIP Alexandre Haruno

Advogado. Sócio-fundador da THLAW Consultoria Estratégica. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário ambos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV Law).

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