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Não culpe os princípios, as garantias processuais e os bons advogados pelo aumento dos índices de criminalidade

O exercício técnico de advogados criminais dedicados na defesa de seu cliente e as demais garantias processuais penais não possuem papel nenhum no aumento índices de criminalidade.

quinta-feira, 20 de julho de 2023

Atualizado às 14:46

Desde o início da organização social do homem, a sociedade sempre nutriu uma relação de amor e ódio pelo Direito, pelos Advogados, pelo Poder Judiciário e pelas garantias processuais. Como esquecer a célebre frase "kill all the lawyers!" (matem todos os advogados!) dita pelo personagem açougueiro Dick, na peça Henrique (William Shakespeare, 1594), mas como nem tudo limita-se ao sentimento de ódio, pode-se sempre lembrar da literatura e do cinema, onde é possível contemplar advogados retratados como heroicas personagens dedicadas a "fazer justiça", a exemplo dos livros adaptados para o cinema "O sol é para todos" (Harper Lee, de 1960) e "O homem que fazia chover" (John Grisham, 1995), apenas para citar dois.

Hora amando, hora odiando "as questões legais", o ponto é que nossa sociedade acredita e aposta no império da lei, no Estado de Direito e no advogado, seja para reivindicar direitos, seja para solucionar problemas legais. O Direito faz parte do mundo e, apesar de ser um instrumento contundente, algumas áreas do Direito têm limitada utilidade na solução de complexos problemas sociais.

A área que "carrega" o maior "descrédito social" não é propriamente a Criminal, mas os direitos e garantias individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 que repercutem sobremaneira na defesa da pessoa submetida - devida ou indevidamente - ao Sistema de Justiça Criminal. O oportunismo de políticos e membros de poder com ambições políticas pregam diuturnamente slogans e verdadeiros mantras contra as garantias individuais do cidadão, dentre elas, as garantias processuais penais, ponde se inclui o direito a uma defesa técnica realizada por advogado. Do ponto de vista político é uma boa retórica dizer que o "excesso de garantias gera impunidade". Discursos assim agregam votos e ascensão política para juízes, promotores e delegados bradar delirantemente "contra o crime". Mas em qual ponto eu quero chegar?

O exercício técnico de advogados criminais dedicados na defesa de seu cliente e as demais garantias processuais penais não possuem papel nenhum no aumento índices de criminalidade. É dizer, ainda que se reduzam as garantias individuais de um devido processo penal pela metade (por exemplo, abolição do habeas corpus), ou que fossem aumentadas na mesma proporção, o resultado seria o mesmo. Nenhum efeito teria nos índices da criminalidade violenta (que mais preocupa a sociedade) como homicídios, estupros, roubos, latrocínios etc. e na persecução criminal a estes crimes.

Tanto a prática quanto o aumento da criminalidade violenta não são resultados ou fatores que podem ser atribuídos às garantias individuais constitucionalmente asseguradas ao cidadão contra os excessos do Estado no exercício do direito de punir e da atuação diligente do advogado de defesa, mas sim de questões sociais muito além da atuação e incidência do Sistema de Justiça Criminal como por exemplo, a desigualdade e desestruturação familiar. É dizer, problemas sociais que devem vir bem antes da atuação do Direito Penal, este, apenas invocado como último recurso disponível (ultima ratio). Ainda que aumentássemos em 50% as garantias do devido processo legal, o aumento da criminalidade atribuído exclusivamente a este fator, seria próxima do zero.

Na verdade, áreas cujo Sistema de Justiça Criminal poderia fazer alguma diferença na criminalidade como controle de armas e política sobre drogas são temas tão controversos entre os políticos com discursos simplistas e tão pouco esclarecidos para a população em geral, que levam décadas para demonstrar algum avanço e efetiva mudança.

O império da lei é de extrema importância para a sociedade moderna. Ele permite o exercício da liberdade individual com certas garantias prévias de segurança e estabilidade governamental. Não cabe ao advogado criminal ou ao Direito Penal e o Direito Processual Penal a conquista da popularidade (populismo). Como mencionado em outra oportunidade, o dever do advogado é ser intransigente de defesa dos interesses de seu constituinte. Questões outras, ligadas ou não à (pseudos) modelos criminais idiossincráticos, de mera repetição de ideário banal, sem qualquer lastro democrático, devem ser sumariamente rejeitadas1.

Como certa vez disse Alan Dershowitz, em uma sociedade repleta de injustiças, somos um mal necessário2. Portanto, é papel do advogado de defesa lutar o bom combate para trazer benefícios a todo e qualquer cidadão, sempre na busca de um Sistema de Justiça Criminal mais justo e imparcial.

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1 OLIVEIRA. Diego Renoldi Quaresma de; FARIA, Fernando Cesar de Oliveira. Breve considerações sobre o papel do advogado criminal. Disponivel em: https://www.migalhas.com.br/depeso/380118/breves-consideracoes-sobre-o-papel-do-advogado-criminal.

2 DERSHOWITZ. Contrary to polular opinion. New York, Berkley Books, 1994, p.135.

Diego Renoldi Quaresma de Oliveira

Diego Renoldi Quaresma de Oliveira

Diego Renoldi Quaresma é advogado criminal, professor, palestrante e autor de livros e artigos sobre Direito Penal, Direito Processual Penal e liberdade de expressão.

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