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Documento com assinatura eletrônica: título executivo mesmo sem testemunhas

Alteração no Código de Processo Civil flexibiliza título executivo extrajudicial.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Atualizado às 13:03

A lei 14.620/23 alterou o artigo 784 do Código de Processo Civil (lei 13.105/15) para incluir o §4º e admitir o documento assinado eletronicamente como título executivo extrajudicial, mesmo sem testemunhas.

Em 2018, o STJ já havia registrado em sede de Recurso Especial 1.495.920, que um contrato eletrônico com assinatura eletrônica, ainda que não tenha testemunhas, é considerado título executivo para fins de execução civil.

O fundamento dessa possibilidade, registrado no julgado, foi:

"5. A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados.

6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos"1

O Superior Tribunal de Justiça entende que a assinatura digital realizada no contrato eletrônico mediante chave pública (padrão de criptografia) consegue certificar, por meio de terceiro desinteressado (a autoridade certificadora) que determinado usuário de determinada assinatura digital a utilizou para firmar aquele documento eletrônico.

Isto supriria a ausência de testemunhas no documento, o que era trazido como um requisito legal (artigo 784, inciso III do Código de Processo Civil) para que o documento fosse legalmente considerado título executivo extrajudicial. Como assentado pelo Superior Tribunal de Justiça:

"o fato das testemunhas do documento particular não estarem presentes ao ato de sua formação não retira a sua executoriedade, uma vez que as assinaturas podem ser feitas em momento posterior ao ato de criação do título executivo extrajudicial, sendo as testemunhas meramente instrumentárias"2

Esse padrão de criptografia ("padrão criptográfico de chave assimétrica" ou "padrão criptográfico de chave pública") utiliza duas chaves diversas para certificar a assinatura: uma chave detida pelo usuário e outra detida pela autoridade certificadora.

No Brasil, a Medida Provisória 2.200/01, que instituiu a infra-estrutura de chaves públicas brasileiras (ICP-Brasil), traz, em seu artigo 10º, a presunção de veracidade dos documentos assinados com esse padrão criptográfico (§1º); e permite que as partes de comum acordo aceitem e considerem válido e aceito assinaturas com outros padrões de criptografia (§2º). Verifica-se, assim, que a legislação permite a validade de assinaturas digitais independente da criptografia utilizada.

"Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.

§ 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil.

§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento."

As partes poderiam, mediante declaração nesse sentido, admitir que uma assinatura eletrônica, ainda que sem o padrão de criptografia ICP-Brasil, seja vinculante e válida.

Entende-se que o rol de títulos executivos extrajudiciais é numerus clausus, com interpretação restritiva; ao menos é a interpretação orientada pelo Superior Tribunal de Justiça e maioria da doutrina processual civil.3

Por tal razão, e para dirimir discussões, em 2023, a lei 14.620/23 modificou o Código de Processo Civil, incluindo o §4º no artigo 784, que traz justamente o rol de títulos executivos extrajudiciais:

"§ 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura"

Com essa modificação legal ocorrida no Código de Processo Civil, com início de vigor em julho de 2023, os documentos eletrônicos com assinatura eletrônica, independente da certificação ser ou não ICP-Brasil, conforme artigo 10º da MP 2.200/01, passam a ser títulos executivos extrajudiciais para todos os fins, sendo dispensável a assinatura de duas testemunhas.

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1 STJ; Recurso Especial nº 1.495.920 - DF. 3ª Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 15/05/2018.

2 STJ. Recurso Especial nº  541.267. Relator ministro Jorge Scartezzini. Quarta Turma. Julgado em 20.05.2005.

3 Vide: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Luiz. Curso de Processo Civil, volume III. 1ª edição. 2013. Confira também: LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Execução Civil e Temas Afins. 1ª edição. E-book, 2014

Otavio Coelho

VIP Otavio Coelho

Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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