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Planejamento sucessório através de holding familiar - Pontos polêmicos

Nos parece que vale à pena, ao analisarmos a questão colocada (imunidade ITBI) refletirmos nos possíveis impactos negativos advindos de uma interpretação que leve a um potencial desinteresse pelo mercado imobiliário como uma possível opção de investimento para a geração de riquezas de famílias, bem como a sua incorporação em holdings familiares como parte do processo de planejamento sucessório.

terça-feira, 18 de julho de 2023

Atualizado às 13:37

O planejamento sucessório pode ser realizado de diversas formas. Nem sempre o que é a melhor opção para um caso será a melhor opção para o outro caso. Este artigo será dedicado à análise da holding familiar, instrumento usado para o planejamento sucessório e que ganhou relevância nos últimos anos. Em função da complexidade e dimensão dos temas a serem tratados, o artigo será dividido em três partes. Na primeira parte iremos tratar da visão geral do processo sucessório através de holding familiar, bem como discutir o conceito de planejamento tributário, elisão e elusão fiscal, propósito negocial e a desconsideração de atos e negócios jurídicos. Na segunda parte iremos tratar especificamente do ITBI e os seus aspectos controvertidos à luz da jurisprudência. Finalmente, na terceira e última parte iremos tratar dos aspectos polêmicos, à luz da doutrina e jurisprudência do ITCMD

1. Visão geral do planejamento sucessório

O planejamento sucessório não visa apenas a economia tributária. É óbvio que pagar menos imposto, dentro do arcabouço legal, é algo a ser buscado, todavia existem muitos outros benefícios.

Um potencial benefício da utilização da holding familiar, como instrumento de planejamento sucessório, diz respeito à celeridade do instrumento, quando comparado ao inventário tradicional, especialmente se for o inventário judicial.

Um segundo ponto importante diz respeito ao fato de se antecipar toda a discussão patrimonial, de modo a que no momento do luto, tudo esteja resolvido e não se tenha que tomar discussões patrimoniais, as quais podem ser complexas, especialmente em momento de maior estresse emocional.

Existem outros pontos que poderiam ser considerados, mas os dois citados anteriormente nos parecem os mais relevantes para o momento.

2. Planejamento tributário no planejamento familiar através de Holding Familiar

Como dito anteriormente, a holding familiar é apenas um entre os muitos instrumentos que podem ser utilizados no planejamento sucessório. É, na nossa visão, para um grande número de casos, o mais eficaz, sob uma diversa gama de pontos a serem considerados. Quer seja economia fiscal, celeridade, efetividade no propósito da operação, a holding familiar se mostra um poderoso instrumento. Todavia, há que se considerar que, em alguns casos específicos, outras ferramentas podem ser mais interessantes. Não iremos discutir tais detalhes aqui, mas isso pode ser facilmente depreendido.

Basicamente, através de uma holding familiar iremos integralizar, no capital de uma pessoa jurídica, criada especificamente para essa finalidade, os bens imóveis e outros bens de caráter "mais permanente" pertencentes ao acervo de patrimônio da família (em geral, por questões tributárias, não é interessante que se coloque sob a holding familiar as aplicações financeiras da família). Vale dizer que quando fazemos o planejamento familiar através de uma holding familiar estamos criando uma empresa, com todas as obrigações inerente a uma sociedade empresarial. Entendemos que a holding familiar pode ser criada por meio de uma sociedade anônima de capital fechado, ou por meio de uma sociedade limitada. Não nos parece adequada a utilização de uma sociedade simples para este tipo de ação, mas essa discussão fica para um outro artigo.

A holding teria, portanto, a finalidade de gestão do patrimônio da família e de planejamento fiscal, além é óbvio, de facilitar e melhor administrar o processo sucessório. Vale dizer que isso é perfeitamente legal, estando previsto no artigo 2º da lei das Sociedades por Ações:

"Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

§ 1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.

§ 2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo.

§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. "

Dessa forma, administrar o patrimônio da família e até mesmo buscar benefícios fiscal, ou dito de outra forma, uma maior economia fiscal, não nos parece algo contrário ao espírito da lei, desde que feito de forma adequada, dentro dos preceitos legais estabelecidos.

3. Elisão e elusão fiscal

O grande problema é que muitas vezes, na tentativa de se buscar uma maior economia fiscal, algumas linhas acabam sendo cruzadas, ou mesmo fica-se numa linha tênue entre a elisão e a elusão fiscal. Antes de adiantarmos na discussão, vale à pena dizer que o Fisco, em todas as suas esferas, tem aprimorado cada vez mais as suas ferramentas de levantamento de dados, manipulação dos dados (inclusive com ferramentas de inteligência artificial), e análise e tomada de decisão. Dessa forma, acreditamos que devemos ter muita parcimônia na utilização de estratégias mais agressivas de economia fiscal, especialmente se houver fortes indícios de que teremos uma grande probabilidade de autuação, bem como um desfecho desfavorável nos tribunais, especialmente nos tribunais superiores.

Voltando ao que foi discutido nas primeiras linhas do artigo, um dos objetivos do planejamento sucessório através de holding familiar é justamente dar maior tranquilidade e previsibilidade ao processo de sucessão, de modo que a ocorrência de litígios, na esfera fiscal, pode fazer com que se perca tanto a tranquilidade do processo sucessório quanto a economia fiscal que por ventura poderia ser obtida. E ela pode ser obtida, tanto no ITBI, quanto no ITCMD, ainda que atuando de forma conservadora, como iremos demonstrar nas partes 2 e 3, do nosso artigo.

Elisão fiscal é a essência do planejamento tributário. É a busca de, com um planejamento adequado ao caso, dentro dos preceitos legais, para se reduzir o pagamento de impostos. Já a elusão fiscal pode ser revestida da busca de algum artifício, ou mesmo alguma prática ilícita (o que seria mais grave), para que se alcance a redução tributária. Vale dizer que o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) permite a desconsideração de atos ou negócios jurídicos, pela autoridade administrativa (Fisco).

"Parágrafo único - A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. "

No próximo item iremos discutir um pouco mais acerca do assunto.

4. Propósito negocial e a desconsideração dos atos e negócios jurídicos.

Retomando a discussão do parágrafo único do artigo 116 do CTN, tivemos recentemente (9/4/22), o julgamento da ADI 2.446, em que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade do art. 1º da lei Complementar 104/01, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), dessa forma a desconsideração dos atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador, ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, podem ser determinados pela autoridade tributária. Apesar de entendermos as linhas gerais da medida, acreditamos que tal fato pode acarretar uma maior insegurança jurídica no âmbito do direito tributário, especialmente se considerarmos que existem outros instrumentos que poderiam ser utilizados pela administração tributária. De qualquer forma, nos parece ser um sinal de como a questão da elusão e evasão fiscal vai ser tratada pelos órgãos tributários, nas diversas esferas.

Além da questão da desconsideração dos atos e negócios jurídicos cremos que valha à pena discorrer um pouco sobre propósito negocial no que se refere à constituição de holding familiar. Nos parece claro, tal qual expresso no artigo 2º da lei das sociedades anônimas, quais são as finalidades possíveis de uma holding. Também nos parece claro que as finalidades que podem ser invocadas na constituição de uma holding familiar também estão em sintonia com a lei.

Iremos tratar especificamente do ITBI na segunda parte deste artigo, mas nos parece temerário algumas decisões proferidas em diversos tribunais, no sentido de que não seja reconhecida a imunidade tributária referente ao ITBI. O argumento básico é que a intenção do Constituinte ao conceder a imunidade do ITBI (art. 156, inciso II, § 2º, inciso I, da CF) foi a de estimular as atividades empresariais e, assim, proporcionar o crescimento da empresa e, de forma indireta, do país. Na visão de alguns, uma holding familiar não deveria ter tais benefícios, pois não gera receitas operacionais (caso tenha por único objetivo a gestão do patrimônio familiar). Tal visão nos parece bastante limitada, pois não consegue vislumbrar as externalidades positivas advindas de tal imunidade para as holdings familiares e para o mercado imobiliário. No item seguinte iremos detalhar o motivo pelo qual discordamos de tal posição.

5. Discussão acerca da incorporação de bens imóveis e seu impacto na economia.

A incorporação de bens imóveis a uma pessoa jurídica, mesmo que seja exclusivamente para fins de sucessão patrimonial, não pode ser considerada sem relevância econômica. Afinal, o setor de construção civil desempenha um papel significativo na movimentação da economia do país.

A incorporação de bens imóveis, numa holding familiar, contribui para o fortalecimento do setor da construção civil, que desempenha um papel vital na economia. A construção civil é responsável por gerar empregos diretos e indiretos, impulsionar o mercado imobiliário e promover investimentos em infraestrutura. Portanto, ao incorporar bens imóveis a uma pessoa jurídica, mesmo que para fins de sucessão patrimonial, contribui-se para a sustentabilidade e crescimento desse setor-chave.

Alguns pontos para a nossa reflexão, acerca do setor de construção civil:

  1. Contribuição para o PIB: O setor de construção civil tem uma contribuição significativa para o Produto Interno Bruto (PIB) do país. No Brasil, por exemplo, em 2022, o setor de construção cresceu 6,9%, em relação ao ano de 2021, impulsionando positivamente a economia, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
  2. Geração de empregos: A construção civil é um dos setores que mais empregam mão de obra no país. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em 2022, o setor foi responsável por cerca de 10% do total de empregos formais no Brasil, com mais de 2,4 milhões de trabalhadores (7,4 se considerados os indiretos).
  3. Cadeia produtiva: A construção civil movimenta uma extensa cadeia produtiva, envolvendo diversos setores e segmentos. Desde a produção de materiais de construção até os serviços de engenharia, arquitetura, design e infraestrutura, a indústria da construção tem impacto direto em vários outros setores da economia, como siderurgia, cimento, vidro, madeira, entre outros.
  4. Estímulo ao Consumo e investimento: O setor da construção civil possui um efeito multiplicador na economia, pois estimula o consumo e o investimento em diversos aspectos. A construção de novas moradias impulsiona o mercado imobiliário e implica a compra de materiais de construção, móveis e eletrodomésticos. Além disso, a construção de obras comerciais e industriais gera demanda por equipamentos, serviços e insumos, beneficiando outros setores da economia.

Isso posto, nos parece que vale à pena, ao analisarmos a questão colocada (imunidade ITBI) refletirmos nos possíveis impactos negativos advindos de uma interpretação que leve a um potencial desinteresse pelo mercado imobiliário como uma possível opção de investimento para a geração de riquezas de famílias, bem como a sua incorporação em holdings familiares como parte do processo de planejamento sucessório.

Domingos Rodrigues Pandelo Junior

VIP Domingos Rodrigues Pandelo Junior

Graduado e mestre pela FGV/SP. Doutor pela Unifesp. Especialista em direito empresarial e público (IBMEC) e em Holding Familiar (Verbo Jurídico). Experiência em M&A.

Luciane Casanova

Luciane Casanova

Especialista em direito de família, sucessões e planejamento patrimonial, com mais de 20 anos de experiência na área jurídica.

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