Indenização pelo descumprimento da cláusula de declarações e garantias
As discussões sobre temas variados envolvendo M&A tem sido frequentes no mundo acadêmico. Um desses temas é a famosa cláusula de "Reps and Warranties (declarações e garantias)".
segunda-feira, 17 de julho de 2023
Atualizado em 14 de agosto de 2023 09:58
A Academia está repleta de reflexões realmente profundas sobre a origem e necessidade da cláusula R&W, que em resumo, é utilizada para que a parte vendedora do ativo forneça declarações que serão interpretadas como garantias para a parte compradora.
Substancialmente, a cláusula de limitação de responsabilidade tem o objetivo de atenuar a assimetria informacional na operação e alocação de risco pela parte que está adquirindo o ativo e é amplamente utilizada e defendida.
Na tentativa de responder à questão realizada na chamada do presente artigo, nos voltemos um pouco para a limitação de responsabilidade prevista em alguns contratos.
É comum que as partes limitem a responsabilidade sobre questões importantes envolvendo a celebração de um contrato. Sim, apesar de terem sido previstas diversas garantias, pode existir uma limitação quanto a responsabilidade na eventualidade de alguma garantia ser quebrada, por exemplo: "a vendedora não responderá pelo dano indireto e lucro cessante advindo do descumprimento da cláusula de Reps and Warranties").
Diante de uma limitação desta, é possível que a parte prejudicada - aquela que sofreu prejuízo pela quebra da garantia, se veja em uma situação bastante desagradável, pois apesar do dano sofrido, poderá não recuperar a totalidade do seu prejuízo.
O que diz a legislação sobre o assunto sobre REPARAÇÃO DE DANOS?
À luz do Código Civil Brasileiro, os artigos 402 e 403 limitam a reparação apenas ao dano direto, ou seja, a expressão "direta e imediatamente" contida no artigo 403, significa a previsão de indenização por dano direto (que é emergente) e lucro cessante DIRETO e excluir indenização por danos e lucros cessantes indiretamente observados.
Carlos Roberto Gonçalves, a respeito dos artigos 402 e 403, explica:
Compreendem, pois, tanto o dano emergente quanto o lucro cessante e devem cobrir todo o prejuízo experimentado pela vítima. Assim, o dano, em toda a sua extensão, há de abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que se deixou de lucrar: o dano emergente e o lucro cessante.
(...)
Quem pleiteia perdas e danos pretende, pois, obter indenização completa de todos os prejuízos sofridos e comprovados. Há casos em que o valor desta já vem estimado no contrato, como acontece quando se pactua a cláusula penal compensatória.
(...)
Acrescenta o art. 403 do mesmo diploma: "Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual."
Trata-se de aplicação da teoria dos danos diretos e imediatos, formulada a propósito da relação de causalidade, que deve existir para que se caracterize a responsabilidade do devedor. Assim, o devedor responde tão só pelos danos que se prendem a seu ato por um vínculo de necessariedade, e não pelos resultantes de causas estranhas ou remotas.
Não é, portanto, indenizável o denominado "dano remoto", que seria consequência "indireta" do inadimplemento, envolvendo lucros cessantes para cuja efetiva configuração tivessem de concorrer outros fatores que não fosse apenas a execução a que o devedor faltou, ainda que doloso o seu procedimento38.
Sendo assim, é possível que haja, de um lado: (i) danos emergentes e lucros cessantes DIRETOS e de outro lado (ii) danos emergentes e lucros cessantes INDIRETOS, sendo que a legislação civilista apenas obriga a indenização pelo item (i), mesmo que tenha havido dolo por parte de quem causou o prejuízo.
Mas os artigos 402 e 403 do Código Civil também preveem que a regra acima se aplica quando o contrato não dispõe de forma diversa e não é raro encontrar contratos que preveem indenizações para as situações dos itens (i) e (ii) acima apresentados.
Devemos estar atentos que a cláusula de limitação de indenização significa uma renúncia de direito; uma renúncia ao princípio geral do Código Civil (que é a responsabilidade pela extensão do dano).
Dessa forma: CUIDADO NO MOMENTO DE ELABORAR A CLÁUSULA! Pois, a previsão genérica de exclusão de "danos indiretos e lucros cessantes" (que é o padrão aplicado neste tipo de cláusula), pode ensejar uma interpretação de que o lucro cessante excluído é o DIRETO, quando a real intenção da cláusula não é essa.
Por outro lado, o Código Civil também estabelece que negócios jurídicos benéficos e renúncia de direitos devem ser interpretados estritamente (artigo 114, CC) e, isso significa que, em um litígio judicial, o juiz só vai poder estender a interpretação da cláusula ao que está expressamente previsto nela.
Então, se houver uma cláusula padrão (ex.: "fica limitada a responsabilidade pelo inadimplemento do contrato") e ocorrer uma situação que origine um "dever de indenização" extracontratual (indireto), a interpretação da cláusula não vai alcançá-la, pois a limitação da responsabilidade prevista na cláusula "padrão", limitou a responsabilidades apenas a situações decorrentes do contrato.
O correto é que a cláusula preveja limitação de responsabilidade pelo inadimplemento contratual, extracontratual ou qualquer outra teoria de responsabilidade (se for benéfico ao seu cliente, claro. Se você advogar para a parte que busca se ancorar nas garantias, o melhor é que não haja limitação alguma). Previsões completas diminuem a chance de interpretações equivocadas e excludentes.
LIMITAÇÃO/EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE
Alguns autores entendem que não existe determinação legislativa que impeça a limitação/exclusão de responsabilidade em relações paritárias, entretanto, estão de acordo quanto a algumas temáticas que dificultam a limitação de exclusão:
- Impossibilidade lógica (dever geral e a pessoas determinadas);
- Normas de ordem pública;
- Necessidade de paz social e importância de dar mínimo de segurança, defendida principalmente por Geneviève Viney;
- Dolo e culpa grave
- Descumprimento da obrigação principal.
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- Direito civil: parte geral - obrigações - contratos esquematizados / Carlos Roberto Gonçalves. - Volume 1 - 10. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
- ORESCU, Carla Pavesi. Delimitação da Indenização em Operações de Fusão e Aquisição no Brasil. 2019. 128 f. Tese (Mestrado) - Curso de Direito, Fundação Getúlio Vargas (Fgv), São Paulo, 2019.
- PONTES, Evandro Fernandes de. Representations & warranties no direito brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Almedina, 2014, p. 120-123.
- AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Cláusula Cruzada de Não Indenizar (Cross-Waiver of Liability), ou Cláusula de Não Indenizar com Eficácia para Ambos os Contratantes - Renúncia ao Direito de Indenização - Promessa de Fato de Terceiro - Estipulação em Favor de Terceiro. In: Revista dos Tribunais, ano 88, vol. 769.
- MUNIZ, Ian; BRANCO, Adriano Castello. Fusões e Aquisições: Aspectos Fiscais e Societários. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
- BOTREL, Sérgio. Fusões & Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012.