Igualdade salarial e critérios remuneratórios entre mulheres e homens: uma análise objetiva sobre a lei 14.611/23
A nova lei enrijece as penalidades contra a prática de discriminação salarial e remuneratória, aumenta o rol das hipóteses discriminatórias e, principalmente, altera profundamente os requisitos para a equiparação salarial e remuneratória entre homens e mulheres.
sexta-feira, 14 de julho de 2023
Atualizado em 18 de julho de 2023 09:43
Em 4/7/23, foi publicada a lei 14.611 de 2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, bem como altera o artigo 461 da CLT.
Os artigos 1º e 2º contam com duas alterações sutis, mas importantes em relação aos critérios destinados à preservação da igualdade salarial, vejamos:
"Art. 1º Esta lei dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios, nos termos da regulamentação, entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função e altera a Consolidação das leis do Trabalho, aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943.
Art. 2º A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função é obrigatória e será garantida nos termos desta lei."
A primeira importante alteração refere-se a extensão da equiparação, que inicialmente referia-se apenas ao salário e ante a nova redação dos artigos 1º e 2º, passou a englobar, também, os critérios remuneratórios.
A segunda importante alteração refere-se aos requisitos para a equiparação.
Dispõe o caput do artigo 461 da CLT que "sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário".
Significa dizer que ao trabalho de igual valor corresponderá igual salário entre empregados que exercem a mesma função.
Ampliando o rol de requisitos, o artigo 2º da lei 14.611/23 dispõe ser obrigatória a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.
A inclusão da conjunção alternativa "ou" desvinculou a realização de trabalho de igual valor ao exercício da mesma função, possibilitando, portanto, que mulheres e homens em funções diferentes tenham assegurados igualdade salarial e remuneratória se realizarem trabalho de igual valor. No mesmo sentido, também seria garantida a igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens que exerçam a mesma função, ainda que o trabalho não seja de igual valor, alterando significativamente a aplicabilidade do caput do artigo 461 da CLT.
Ainda que não tenha ocorrido a efetiva alteração do caput do artigo 461 da CLT, sendo a lei 14.611/23 norma mais específica em relação ao tema igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, sua aplicação encontra respaldo na regra da especialidade.
Em relação ao artigo 3º da nova lei, este altera o antigo §6º do artigo 461 da CLT, que fixava uma multa no importe de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social às empresas que, motivadas por discriminação de sexo ou etnia, não observassem o dever de igualdade salarial.
Assim, em relação ao referido parágrafo, houve a extinção da multa com valor pré-fixado e a inclusão de uma alusão à possibilidade de recebimento de uma indenização por danos morais em decorrência do ato discriminatório, além da ampliação do rol discriminatório para a inclusão das hipóteses de discriminação por nacionalidade ou idade.
Diz-se "alusão" porque a possibilidade de percepção da referida verba indenizatória não nasce da nova redação do §6º, já sendo passível de ser pleiteada desde antes por força dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil.
O artigo 3º da nova lei ainda incluiu um 7º parágrafo ao artigo 461 da CLT, dispondo que para os casos de violação do referido artigo, a multa fixada no artigo 510 da CLT foi elevada para o equivalente a 10 (vez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado e o dobro em caso de reincidência.
Referido artigo 510 refere-se à penalidade de natureza administrativa imposta pelo descumprimento das proibições constantes do Título IV da CLT (artigos 442 a 510 da CLT).
Em relação aos artigos 4º e 5º da nova lei, estes ampliam os mecanismos de combate à discriminação e fiscalização, trazendo um rol de alterações (algumas objetivas e outras subjetivas) a serem observadas pelas empresas.
O artigo 4º traz um rol de medidas que visam fomentar a igualdade salarial entre mulheres e homens, mas cuja forma de implementação deixou-se a critério da empresa.
O artigo 5º e demais são destinados às ações fiscalizatórias e determinam, para as empresas que contam com mais de 100 (cem) empregados, a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios.
"Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a lei 13.709, de 14 de agosto de 2018 (lei Geral de Proteção de Dados Pessoais)."
O §1º do artigo 5º faz menção, pela primeira vez no bojo da lei 14.611/23, à proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, mas de forma ineficiente em termos de aplicabilidade.
§ 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.
Diz-se ineficiente porque em relação a esta proporção de ocupação de cargos a determinação é tão somente de que conste no relatório de transparência. Não há na lei 14.611/23, tampouco no artigo 461 da CLT, qualquer determinação expressa de observância de uma proporcionalidade na ocupação dos cargos de direção, gerência e chefia por homens e mulheres.
O próprio §2º do artigo 5º, ao tratar sobre a necessidade de criação de um plano de mitigação das desigualdades, faz referência expressa e limitativa a desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, não incluindo a questão relativa à proporção na ocupação de cargos.
§ 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das leis do Trabalho, aprovada pelo decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.
Neste mesmo sentido, não há no bojo da nova lei qualquer penalidade fixada em relação a uma eventual desproporção na ocupação dos cargos de direção, gerência e chefia por homens e mulheres.
Objetivamente, a nova lei enrijece as penalidades contra a prática de discriminação salarial e remuneratória, aumenta o rol das hipóteses discriminatórias e, principalmente, altera profundamente os requisitos para a equiparação salarial e remuneratória entre homens e mulheres, ao desvincular a realização de trabalho de igual valor do exercício da mesma função para fins de equiparação.
Richelle Zabaleta
Sócia do escritório Calixto Sandes & Zabaleta Advogados. Articulista. Membro da Comissão de Garantismo Processual da OAB/RJ.