Threads como a sombra do Twitter: Debates sobre propriedade intelectual no mundo das redes sociais
São questões surgidas desse maravilhoso mundo novo da sociedade da informação, a tecnologia permite tudo, cabe a nós como sociedade estarmos sempre alerta para identificar se as leis e as autoridades continuam atualizadas e em condições de dar as respostas adequadas a esses novos desafios.
sábado, 15 de julho de 2023
Atualizado em 14 de julho de 2023 14:06
O recente lançamento (na última quinta-feira dia 06) da nova rede social Threads - vinculada ao Instagram do grupo Meta - reacendeu discussões sobre propriedade intelectual e a concorrência entre as Big Techs. No Threads, os internautas poderão publicar curtos textos de até 500 caracteres, fotos e vídeos de 5 minutos. Déjà-vu? Não. Trata-se de um copycat ao Twitter, rede social lançada em meados de 2006 e adquirida pela X Holdings do bilionário sul-africano Elon Musk em outubro de 2022.
Mais que mera alternativa, tecnologia com melhoramentos ou aplicativo inspirado em seu concorrente, trata-se de uma réplica, inclusive do layout e funcionalidades. Nesse sentido, há um pertinente questionamento: é legítima a 'criação' - ou melhor, a mera programação - de um competidor do seu maior concorrente que seja, sem tirar nem pôr, uma cópia da tecnologia com a qual se objetive competir?
A fragilidade das redes sociais frente suas alternativas é notória, no final do século retrasado as primeiras leis antitruste surgiram para evitar os monopólios, estariam essas leis ainda sendo eficientes frente aos desafios do mundo digital?
Baseado no volume de usuários, e seus dados, em uma realidade retroalimentada pela adesão (quanto mais usuários, mais atraente a rede), as alternâncias de plataformas são rápidas e implacáveis. Lançados em 2004, Facebook e Orkut competiam - ao menos no papel - pelo tempo de tela de seus usuários. De acordo com os levantamentos do Ibope Nielsen Online, em julho de 2009, o Orkut contava com 27 milhões de usuários brasileiros contra apenas 4,2 milhões do Facebook, ainda que as atividades se concentrassem predominantemente no primeiro. Em 24 meses, o Facebook superou o número de usuários ativos do Orkut, e, bem, o resto é história. Lançado pela Google e desativado oficialmente em 30 de setembro de 2014, apenas 3 anos após sua saída dos holofotes, o Orkut caiu no esquecimento.
A história do Orkut e Facebook, contudo, conta com uma particularidade frente a essa que tratamos. As plataformas eram, inegavelmente, distintas.
Quando Evan Spiegel, CEO da Snap Inc., dona do Snapchat demonstrou desinteresse pelo convite via e-mail do CEO do grupo, Meta, Mark Zuckerberg, a visitar a sede do Facebook e posteriormente recusou a oferta de venda no valor de USD $3.000.000.000,00 pela rede social, à época com dois anos de idade, não poderia imaginar que em menos de três anos a gigante Meta lançaria, agregado ao Instagram, os Stories, um serviço essencialmente idêntico ao Snapchat. Posts autodestrutíveis em 24h e mensagens em texto ou imagens de visualização única faziam sucesso pelo caráter efêmero, reduzindo a pegada digital dos usuários.
Existem outros exemplos dessa incorporação de tecnologias de terceiros nas plataformas da Meta, como as ligações de vídeos no Messenger para competir com o Skype, os Reels para competir com o TikTok, e agora, o Threads. O Google também já teve que responder processos judiciais nos EUA acerca da origem das ideias utilizadas para criar o Google Earth.
Do ponto de vista concorrencial, a movimentação enseja discussões sobre as atuais leis estarem preparadas para coibir eventuais práticas anticoncorrenciais e abuso do poder econômico no âmbito do universo digital. Em um cenário como o das redes sociais, de constante inovação e em um mercado de relativa fácil entrada (considerando não ser necessária a montagem de parque fabril, importação de matéria prima ou aquisição de direitos minerários, por exemplo), nos aproximamos da utópica "concorrência perfeita". Contudo, caso a prática acima descrita torne-se rotineira e considerada legal pelas autoridades competentes, todas as inovações serão rapidamente absorvidas por determinados players já estabelecidos no mercado.
Na manhã da quinta-feira, dia 06 de junho, todos os 113,5 milhões de usuários brasileiros do Instagram foram notificados da novidade, podiam se cadastrar na Threads. Em segundos e poucos cliques depois, já conseguiriam publicar na plataforma. Algumas informações, contudo, passaram desapercebidas. A central de ajuda do Instagram trata sobre a vinculação entre as duas plataformas "Para excluir seu perfil e dados do Threads, é necessário excluir sua conta do Instagram". Ou seja, caso queira exercer seu direito de exclusão de dados previsto na Lei Geral de Proteção de Dados em seu art. 18, VI, deverá o usuário renunciar a todos seus registros também no popular aplicativo de fotos.
A criação e consolidação dos chamados SuperApps - plataformas que consolidem diversas funcionalidades e serviços - é recebida com entusiasmo pela perspectiva da comodidade e funcionalidade. É fundamental mantermos em mente, porém, que essa consolidação também opera efeitos pela perspectiva da gestão de dados.
Enquanto a concorrência se intensifica, resta questionar: estaríamos caminhando para um futuro de redes sociais idênticas, onde a inovação é rapidamente substituída pela imitação? As autoridades anticoncorrenciais e as leis que utilizam para coibir as práticas anticoncorrenciais e abuso do poder econômico estão preparadas para avaliar os riscos envolvidos nessa guerra de gigantes? A LGPD foi devidamente cumprida nessa operação? A ANPD irá avaliar se a forma como nossos dados pessoais são tratados nessas situações estão adequadas? São questões surgidas desse maravilhoso mundo novo da sociedade da informação, a tecnologia permite tudo, cabe a nós como sociedade estarmos sempre alerta para identificar se as leis e as autoridades continuam atualizadas e em condições de dar as respostas adequadas a esses novos desafios.
Felipe Carneiro Ribeiro de Assis
Advogado do escritório PK Pinhão e Koiffman Advogados.
Helio Ferreira Moraes
Conselheiro do M133. Sócio do PK - Pinhão & Koiffman Advogados.