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A necessidade premente de capacitação dos professores na PNED

A Política Nacional de Educação Digital é uma iniciativa recente que reflete a importância da tecnologia na educação. Contudo, há de se ponderar que, para que essa transformação digital seja efetiva, é essencial reconhecer a importância da capacitação dos professores.

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Atualizado às 09:27

No atual cenário educacional, integrar as novas tecnologias na rotina pedagógica está longe de ser uma prerrogativa das instituições de ensino, é uma necessidade. O avanço de ferramentas capazes de impactar severamente o processo de ensino-aprendizagem tem se mostrado inevitável. Neste contexto, para que estes impactos sejam predominantemente positivos, é fundamental que haja uma atuação direcionada e estratégica por parte dos agentes envolvidos.

Reconhecendo essa necessidade, foi sancionada, em 11 de janeiro de 2023, a lei 14.533/23, que estabelece a PNED - Política Nacional de Educação Digital,1 um marco importante para a promoção do acesso às ferramentas digitais e práticas educativas inovadoras em todo o território brasileiro, priorizando especialmente as populações mais vulneráveis.

A PNED é uma iniciativa que reflete a preocupação e o reconhecimento da importância da tecnologia na educação. Sendo assim, com o objetivo de promover a integração das tecnologias digitais nas práticas educativas, essa lei busca proporcionar uma educação moderna, inclusiva e alinhada com as demandas do século XXI.

Contudo, há de se ponderar que, para que essa transformação digital seja efetiva e abrangente, é essencial reconhecer a importância da capacitação dos professores. Afinal, como estruturar e incentivar o ensino de computação, programação e robótica nas escolas sem que os professores sejam capacitados para tanto? E quanto ao dever de cuidado e direcionamento desses recursos para o uso ético, consciente, seguro e saudável?

Observa-se que, de maneira simultânea, os docentes atuam como viabilizadores e destinatários de muitas das diretrizes que permeiam os eixos estruturantes da PNED.2 Ao enumerar as estratégias prioritárias da inclusão digital, o documento clama, já no inciso VI de seu art. 2º, pela necessária "promoção de uma política de dados, inclusive de acesso móvel para professores [...]".

A tônica de capacitação destes se estende às medidas do pilar de educação digital escolar (art. 3º, §1º, III, IX e X) que preconizam a promoção: a) "de ferramentas de autodiagnóstico de competências digitais para os profissionais da educação [...]"; b) "da formação inicial de professores da educação básica e da educação superior em competências digitais ligadas à cidadania digital e à capacidade de uso de tecnologia, independente de sua área de formação"; e c) "de tecnologias digitais como ferramenta e conteúdo programático dos cursos de formação continuada de gestores e profissionais da educação de todos os níveis e modalidades de ensino".

Além disso, o documento de articulação nacional da educação digital incentiva "ações para formação de professores com enfoque nos fundamentos da computação e em tecnologias emergentes e inovadoras" (art. 4º, VIII), assim como a "criação de estratégia para formação e requalificação de docentes em TICs e em tecnologias habilitadoras" (art. 5º, VI), respectivamente, por intermédio dos eixos de capacitação e especialização digital, e de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em tecnologias da informação e comunicação (TICs).

Não obstante tal disciplinamento normativo se mostre valioso, a concretização das medidas listadas perpassa a superação de uma série de obstáculos na capacitação dos docentes, explicitados pela pandemia da covid-19. Concebida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.Br) nesse período, sob a perspectiva do ensino fundamental e médio, a pesquisa "TIC Educação 2021", retrata o panorama da categoria - composta, em sua maioria, por profissionais com formação superior (97%) e especialização ou pós-graduação (81%), mas que pouco ascendem às esferas de mestrado (9%) e doutorado (1%).3

 Tendo em vista que a aprendizagem se baseia numa relação dialética, o desafio inicial com que se deparam consiste em interagir com alunos que "enfrentam dificuldades, mas têm acesso à alimentação, moradia e saneamento básico" (51%) ou que apenas dispõem de condições precárias para satisfazer tais necessidades mínimas (17%).

Munidos de um nível básico (28%), intermediário (59%) ou avançado (13%) de domínio do emprego das ferramentas digitais nas atividades de ensino, os professores usualmente logram essa formação de maneira autodidática (86%), com a ajuda de seus pares (86%) ou a partir de vídeos ou tutoriais online (92%).

Sob o contexto pandêmico, no qual 98% das escolas examinadas aderiram ao modelo remoto ou híbrido, a inaptidão para desenvolver tarefas com o auxílio tecnológico representou uma das principais dificuldades apontadas para se dar prosseguimento às incumbências pedagógicas (68%), junto à "falta de dispositivos e acesso à Internet nos domicílios dos alunos" (86%) - métrica já analisada no artigo "A diversidade brasileira e a Política Nacional de Educação Digital", que inaugura a série de escritos do Observatório de Educação Digital, idealizado pela Placa Mãe.org_ e pelo Legal Grounds Institute.4

De igual forma, a ausência de apoio pedagógico aos professores foi destacada como um fator que obstaculariza, em demasia, a utilização das TICs nas escolas (40%). O índice se torna mais preocupante quando se observa que uma considerável porção dos profissionais não recebeu qualquer suporte das instituições de ensino durante o período de referência da pesquisa (26%) e que o amparo ofertado se concentrou no acesso gratuito a aplicativos, plataformas e recursos educacionais digitais (60%).5

Verificou-se que aproximadamente 1,5 milhão de professores (65%)6 participou de atividades de formação continuada sobre o uso de tecnologias digitais em atividades de ensino e de aprendizagem, cujas temáticas abrangeram desde a educação à distância até a proteção à privacidade e a dados pessoais no acesso à Internet.

A continuidade de projetos desse tipo pode garantir um ensino de qualidade e em consonância aos balizamentos da  PNED, viabilizado por professores capacitados para compreender e transmitir habilidades de pensamento crítico, ética digital e uso responsável das novas tecnologias.

Ora, apenas assimilando e sendo capazes de despertar nos estudantes a reflexão sobre os impactos sociais, emocionais e cognitivos que o uso excessivo ou inadequado das novas tecnologias pode gerar - assim como sobre os benefícios e os possíveis riscos a elas associados -, que os docentes poderão formar cidadãos digitais mais responsáveis, críticos e habilidosos no uso de ferramentas tecnológicas.

 Além disso, um professor bem treinado será capaz de incorporar recursos digitais em suas aulas, estimulando a participação ativa dos alunos e facilitando a compreensão dos conteúdos. Ademais, o domínio das tecnologias permite aos educadores acessar uma infinidade de recursos educacionais disponíveis online, enriquecendo suas práticas pedagógicas e tornando-as mais atualizadas, relevantes e inclusivas.

Sob tal perspectiva, convém então destacar que, com a PNED, espera-se que as escolas estejam equipadas com recursos tecnológicos, mas é fundamental garantir que os educadores saibam como utilizá-los de maneira a atender às necessidades de todos. Somente se devidamente capacitados, professores estarão aptos a adaptar as tecnologias para atender estudantes com diferentes estilos de aprendizagem, deficiências ou dificuldades específicas, contribuindo diretamente para uma educação mais inclusiva e igualitária.

Percebe-se que a implementação da Política Nacional de Educação Digital representa um importante avanço para a educação em nosso país, mas para que alcance seu máximo potencial, é essencial investir na formação sólida e contínua dos professores. Sim, contínua, porque a tecnologia está em constante evolução, e novas ferramentas e abordagens surgem todos os dias. Portanto, é essencial que tenham acesso a oportunidades de atualização e aperfeiçoamento ao longo de suas carreiras.

Além disso, é fundamental que a capacitação dos professores leve em consideração as especificidades e necessidades de cada contexto escolar. Cada escola possui sua própria realidade e infraestrutura, de modo que os professores devem receber suporte e orientação adaptados às suas circunstâncias. Isso pode incluir programas de capacitação presenciais ou online, redes de compartilhamento de boas práticas, mentorias e parcerias com instituições de ensino superior e centros de pesquisa, entre outras iniciativas.

Por fim, a Política Nacional de Educação Digital representa uma iniciativa promissora para impulsionar a transformação da educação em nosso país. No entanto, para que a PNED atinja seu objetivo de promover uma educação moderna e inclusiva, é fundamental reconhecer a necessidade e investir na capacitação dos professores. Ao fornecer aos educadores as habilidades e conhecimentos necessários para aproveitar o potencial das tecnologias digitais, estaremos fortalecendo a qualidade da educação, promovendo a inclusão e preparando nossos alunos para os desafios do mundo digital.

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1 BRASIL. Lei nº 14.533/2023, de 11 de janeiro de 2023. Institui a Política Nacional de Educação Digital. Presidência da República: Brasília/DF, 2023. Disponível em: https://bit.ly/3oXxBjI. Acesso em: 5 jun. 2023.

2 A Política Nacional de Educação Digital (PNED) abrange quatro eixos estruturantes (art. 1º, §2º): inclusão digital, educação digital escolar, capacitação e especialização digital, e pesquisa e desenvolvimento (P&D) em tecnologias da informação e comunicação (TICs).

3 Lastreada por dados coletados entre setembro de 2021 e abril de 2022, através de entrevistas telefônicas direcionadas a uma amostra efetiva de 1.865 professores, a pesquisa "TIC Educação 2021" diagnosticou o cenário de 3.678 escolas brasileiras - 2.009 urbanas e 1.669 rurais -, em meio à recente conjuntura pandêmica. CETIC.BR. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nas escolas brasileiras [livro eletrônico] : TIC Educação 2021 - edição COVID-19. 1. ed. São Paulo : Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2022. Disponível em: https://bit.ly/3CEBQ70. Acesso em 11 jun. 2023. O conjunto de dados completo utilizado na confecção deste artigo pode ser encontrado em: CETIC.BR. Indicadores TIC Educação 2021: Professores. Cetic.br, São Paulo, 2022. Disponível em: https://bit.ly/43Nw2nF. Acesso em: 11 jun. 2023; e CETIC.BR. Tic Educação 2021: Edição Covid-19 metodologia aplicada. Cetic.br, São Paulo, 12 jul. 2022. Disponível em: https://bit.ly/46bJAei. Acesso em: 11 jun. 2023.

4 SALDANHA, Paloma Mendes; PEREIRA, Milton. A diversidade brasileira e a Política Nacional de Educação Digital. Conjur, [S.l], 13 jun. 2023. Disponível em: https://bit.ly/46azWsa. Acesso em: 11 jun. 2023.

5 Medidas com maior impacto econômico, como o custeio de chips de celulares ou plano de dados e voz (10%), do acesso à Internet (19%), de equipamentos de gravação de aulas, como câmeras ou tripés (19%), de softwares ou programas de computador (25%), e de equipamentos eletrônicos, como celulares e computadores (36%), atingiram índices menos expressivos.

 

6 Ainda assim, o expressivo contingente de 818.557 professores (35%) não participou de iniciativas voltadas à formação continuada.

Alessandra Borelli

Alessandra Borelli

Colaboradora-convidada do Observatório de Educação Digital, do Legal Grounds Institute e PlacaMãe.Org_. Sócia do Opice Blum Advogados e head da área de Desenvolvimento, sócia e CEO da Opice Blum Academy, com especialização em Tecnologias e Metodologias Inovadoras Aplicadas à Educação Corporativa pela FGV/SP, possui Executive Program in Digital Transformation pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), professora convidada dos cursos Proteção de Dados e Direito Digital do Insper, FAAP, ESPM, EPD e EBRADI.

Milton Pereira de França Netto

Milton Pereira de França Netto

Advogado, Mestrando em Direito Privado pelo Centro Universitário Cesmac. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

Thami Covatti Piaia

Thami Covatti Piaia

Pesquisadora da PlacaMãe.Org_. Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2013). Visiting Scholar na Universidade de Illinois - Campus de Urbana-Champaign - EUA (2012). Estágio pós-doutoral na Universidade de Passo Fundo (2014/2015). Professora na Graduação e no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu - Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI -, Campus de Santo ngelo/RS.

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