MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O Conselho Federativo criado pela reforma constitucional tributária aprovada pela Câmara dos Deputados

O Conselho Federativo criado pela reforma constitucional tributária aprovada pela Câmara dos Deputados

Assunto fascinante e que muito nos ocupará, nos próximos anos.

sexta-feira, 7 de julho de 2023

Atualizado às 08:37

O Conselho Federativo é uma das figuras mais impactantes e interessantes da reforma constitucional tributária (PEC 45/19), aprovada em sessão iniciada ontem (6/7/23) e que avançou pela madrugada de hoje na Câmara dos Deputados.

O Conselho Federativo é considerado entidade pública técnica e administrativamente independente, que tem por função representar (ou seria presentar?) os entes federativos subnacionais (isso é, todos os entes, salvo a União). Digo "presentar" porque, pelo texto constitucional, o Conselho agirá como se fosse o resultado desse amálgama integrado pelos entes federativos subnacionais, ou, dizendo-se de outro modo, o Conselho é composto pelos entes federativos subnacionais (embora com eles não se confunda e com eles possa até mesmo litigar, como mostrarei adiante). De todo modo, ainda que se entenda que o Conselho não presentará, ao menos representará Estados, Distrito Federal e Municípios.

Na instância do Conselho Federativo serão tomadas as decisões mais importantes relacionadas ao imposto de bens e serviços (IBS): edição de normas infralegais, uniformização da interpretação normativa de forma vinculante, arrecadação do imposto e distribuição do produto arrecadado, resolução de dúvidas suscitadas no contencioso tributário. Trata-se, pois, de órgão que edita normas, faz gestão administrativa e dirime litígios.

A proposta aprovada contempla formas bastantes sofisticadas de participação dos entes federativos no Conselho e de aprovação das deliberações. Note-se que a proposta aprovada transfere decisões (lato sensu) que seriam de cada um dos entes subnacionais para o Conselho, que atuará como órgão técnico e político. Assim, e em princípio, não haverá mais leis estaduais ou municipais a respeito (como sucede com os impostos que serão substituídos pelo IBS, isso são, hoje, o ICMS e o ISS), pois o IBS será disciplinado pela Constituição, pela lei federal complementar que ainda será aprovada e pelas regras infralegais editadas pelo Conselho.

Essas regras infralegais, em princípio, consistirão em atos normativos secundários, pois retirarão sua força da lei complementar. Nem por isso, a meu ver, escaparão do controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, em casos em que assumirem a feição de atos normativos primários (p.ex., estabelecendo direitos e deveres disciplinando o que consta da Constituição, sem que antes desta se coloque a lei complementar).

Se não através de controle abstrato, ao menos em controle difuso o Supremo acabará conferindo a constitucionalidade dos atos realizados e das normas editadas pelo Conselho. É que os conflitos relacionados ao IBS entre os entes subnacionais, ou entre estes entes e o Conselho, serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (receberiam a classificação processual de "conflito federativo" ou, à semelhança do que sucede no Supremo Tribunal Federal, de "ação cível originária"?). Trata-se, aqui, de competência originária, e o Superior Tribunal de Justiça haverá de interpretar e aplicar todas as normas pertinentes (constitucionais ou infraconstitucionais, aqui incluídas as infralegais). Contra a decisão final do Superior Tribunal de Justiça cabe, em tese, recurso extraordinário para o Supremo.

Aliás, não deixa de chamar a atenção um dado curioso: tanto esforço se fez e se tem feito para a aprovação da relevância da questão federal para a admissibilidade do recurso especial com o propósito de se reduzir a quantidade de processos no Superior Tribunal de Justiça (que ainda aguarda disciplina normativa infraconstitucional), e a reforma constitucional tributária cria nova competência para este Tribunal. A depender do que se dispuser na lei complementar regulamentadora e nas normas infralegais, e, também, do grau de litigiosidade entre os entes subnacionais e entre estes e o Conselho, o Superior Tribunal de Justiça terá muito trabalho.

Ainda há muito a falar a respeito, mas deixo aqui essas primeiras impressões, para considerações e críticas. Voltarei a este e a outros temas da reforma. A PEC, agora, seguirá para o Senado Federal. Assunto fascinante e que muito nos ocupará, nos próximos anos.

José Miguel Garcia Medina

José Miguel Garcia Medina

Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para a elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca