Sem atualizar regimes tributários favorecidos, reforma vai estimular a "maquiagem jurídico-contábil"
Tal situação estimula a prática de subterfúgios jurídico-contábeis, ou até evasões fiscais, além de desestimular o real crescimento de empresas com potencial econômico.
quinta-feira, 6 de julho de 2023
Atualizado às 10:18
A reforma tributária tem ocupado um lugar de destaque nas discussões políticas e econômicas nos últimos anos. O sistema tributário de um país desempenha um papel fundamental na arrecadação de recursos para o Estado e na promoção da justiça fiscal.
No Brasil, é premente a necessidade de uma revisão abrangente para atualização desse sistema, a fim de melhor adequá-lo às demandas de uma sociedade em constante evolução. Esperava-se medidas e alterações nas leis que tornasse o sistema mais eficiente, transparente e justo.
Mas será que esses objetivos estão contemplados no relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que será votado Câmara Federal?
Nesse texto, detalhamos e comentamos os principais aspectos do documento apresentado, explorando seus potenciais impactos econômicos e sociais, bem como os desafios enfrentados na implementação de mudanças significativas no sistema tributário.
I - Tributos extintos; transição e desoneração da folha
Em 2026 serão extintos o PIS e a COFINS, bem com haverá redução do IPI à alíquota zero, com exceção do regime tributário da Zona Franca de Manaus. Neste mesmo momento, passará a valer a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), na alíquota de 1%. Em 2027, passarão a valer as alíquotas de referência fixadas por resolução do Senado Federal.
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) será gradualmente aplicado entre 2029 e 2032, ao passo em que serão extintos o ICMS e o ISS.
Serão extintos, a partir de 2033, o IPI (art. 153, IV da CF), IOF (art. 155, II da CF) e ISS (art. 156, III da CF).
Entendemos como positivo o período de transição estabelecido, pois configura em aplicação gradual, não sobrecarregando repentinamente setores como o de serviços, que irão, inexoravelmente, suportar maiores cargas tributárias em relação ao atual sistema.
O artigo 15 da atual proposta, leva à conclusão de que haverá uma desoneração da folha de pagamentos, contudo não há um tratamento específico ao longo do texto. Essa omissão prejudica a previsão da real carga tributária geral do novo sistema.
Em contrapartida, para a compensação da redução de arrecadação, fica em aberto possível aumento da tributação sobre a renda.
Da forma que se encontra atualmente, achamos difícil que a proposta realmente mantenha a redução da tributação, conforme prometido em discussões anteriores, e que tudo irá depender da situação orçamentária na época da elaboração de cada Lei Complementar (para definição das alíquotas aplicáveis).
II - IVA dual
A nova tributação criada possui influência no Imposto Sobre Valor Agregado (IVA). Conhecido atualmente como IVA dual, o plano consiste na criação da contribuição sobre bens e serviços (CBS), de competência federal; e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos estados e dos municípios. A medida se trata de uma manobra para adaptar o modelo do IVA ao pacto federativo brasileiro, uma vez que existem tributos que devem obedecer à competência tributária dos estados e dos municípios membros.
A competência estadual/municipal resta ressalvada na previsão de que caberá a esses entes fixarem suas próprias alíquotas por leis específicas. Porém, não resta evidenciado na proposta como será implementada a divisão de alíquotas entre estados e municípios.
III - Imposto Seletivo
A despeito da padronização de alíquotas, o texto ressalva à União a competência para instituir impostos sobre a comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, obedecendo, portanto, o princípio da seletividade tributária.
Também há seletividade no (i) imposto sobre veículos, embarcações e aeronaves, que prevê alíquotas diferenciadas de acordo com o impacto ambiental causado; e (ii) na CBS, ao prever a possibilidade de redução de alíquotas, em 50%, ou isenção, nos serviços especificados em seu art. 8º, §1º.
Consideramos de extrema relevância a indicação de alíquotas mais baixas observada no projeto (espécie de seletividade), especialmente para os insumos do setor agropecuário e para a cesta básica.
IV - Alíquotas
O texto atual também prevê regimes específicos de tributação do Imposto sobre bens e serviços (IBS), para combustíveis, serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde, e operações contratadas pela administração pública direta, autarquias e fundações públicas, incluindo não incidência do imposto.
V - Regimes tributários favorecidos
Uma crítica especial que fazemos, recai sobre a manutenção de regimes especiais como o Simples Nacional, sem que haja previsão de transição gradual para contribuintes que ultrapassam o limite legal para a fruição do benefício. Isso porque o repentino acréscimo, tanto da carga tributária como dos gastos atrelados ao cumprimento de obrigações acessórias, na maioria das vezes não se encaixa com o crescimento econômico da empresa, ocasionando problemas financeiros na transição do Simples Nacional para o modelo de tributação geral (que inclui uma elevada carga de tributação sobre a folha de salários).
Tal situação estimula a prática de subterfúgios jurídico-contábeis, ou até evasões fiscais, além de desestimular o real crescimento de empresas com potencial econômico.
Entendemos que a proposta de reforma atual necessita enfrentar os pontos acima destacados.
Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal
Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e sócio do escritório Natal & Manssur.