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Juízes erram ao decretar a decadência no reconhecimento de irregularidade dos leilões após dois anos?

Este estudo analisa o equívoco cometido pelos juízes ao decretarem a decadência quando um mutuário busca na justiça o reconhecimento de irregularidades em leilões imobiliários, de acordo com a lei 9.514/97, após o prazo de dois anos.

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Atualizado às 10:18

Os juízes ao apreciarem uma demanda envolvendo nulidade dos leilões levados a efeito sob a égide da lei 9.514/97, ao notarem que este pleito foi aforado dois anos após o leilão declaram improcedente o pedido pela decadência, considerando que é uma ação de anulação ou de nulidade relativa.

A decadência é a perda do direito potestativo. Um direito potestativo é um direito que confere a uma pessoa o poder de agir livremente, enquanto a outra parte envolvida na relação jurídica é obrigada apenas a esperar ou suportar a ação do titular desse direito.

É importante ressaltar que a decadência é uma forma de perda de direito por inércia do titular, ou seja, quando esse titular não age dentro do prazo estabelecido. A decadência pode ter consequências importantes, pois uma vez que o direito é perdido, ele não pode mais ser exercido ou reivindicado posteriormente.

As causas de anulabilidade encontram-se previstas na regra 171 do Código Civil, e como se percebe inexiste qualquer menção a anulação de atos por preterição as solenidades legais.

A decadência é totalmente incabível nas ações declaratórias de nulidade, visto que estão ligadas às ações constitutivas. Nas ações declaratórias de nulidade, não se busca demonstrar vícios de consentimento ou sociais, mas sim uma falta de observância de uma solenidade legal, o que gera a nulidade do ato, conforme define o art. 166, V do Código Civil. Além disso, como é sabido, os atos nulos não se convalescem no tempo, nos termos do art. 169 do Código Civil, portanto, é incogitável se aplicar a decadência.

A questão da nulidade não se trata de interesses privados, as quais são sanáveis. Trata-se de um ato nulo expropriativo em que o devedor não tomou conhecimento das datas dos leilões, violando a regra 27-§A da lei 9.541/97 e, consequentemente, o direito de remição da dívida ou de preferência, dependendo do ano do contrato. Além disso, o devedor tem o direito ao contraditório e à ampla defesa, caso pretenda alegar qualquer irregularidade no procedimento de cobrança."

O STJ trata este vício como de nulidade, dado que essa invalidade tem fundamento em uma ofensa à ordem pública, a qual é insanável com eficácia erga omnes, e não como ato anulável que seria passível de DECADÊNCIA, e que o devedor-fiduciante tem direito de ser notificado pessoalmente das datas dos leilões e que a sua falta implica a NULIDADE e não em anulabilidade:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2.100.641 - PR

(2022/0095881-3)

RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO

AGRAVANTE: MAURO CELSO DEMEDA

MANARIN ADVOGADO: ORLANDO ANZOATEGUI

JUNIOR - PR020705 AGRAVADO : BANCO

BRADESCO S/A

ADVOGADOS: ROBERTA BEATRIZ DO NASCIMENTO - SP192649

JOSÉ LÍDIO ALVES DOS SANTOS - SP156187

Diante do exposto, nos termos do art. 253, parágrafo único, II, c, do RISTJ, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial, restabelecendo a declaração de nulidade do leilão realizado no dia 12/9/17, ficando suspensos os efeitos da alienação.

Fica, também, restabelecida a distribuição da sucumbência. Publique-se.

Brasília, 07 de junho de 2022.

Ministro RAUL ARAÚJO Relator

Nota-se, portanto, que o STJ é pacífico no entendimento de que a intimação pessoal do devedor deve ser pessoal sendo este ato uma solenidade legal prevista tanto para purgar a mora como para notificação para as datas dos leilões.

Destaque-se, que não se produziu efeitos ou direito potestativo para o mutuário e, para tanto, a regra 169 do Código Civil deixa claro que estes não podem ser confirmado pelas partes e não se convalescem com passar do tempo, dada a sua nulidade absoluta.

Destaque-se, que a nulidade repousa sempre em causas de ordem pública e não de interesse privado, como leciona venosa1. 

Conclui-se, que com a falta de intimação pessoal dos mutuários quanto às datas dos leilões violam as regra 27, §2-A da lei 9.514/97 e a 166, V do Código Civil. 

Primeiramente, cumpre diferenciar a nulidade absoluta dos atos jurídicos da anulabilidade (ou nulidade relativa) dos jurídicos.

nulidade absoluta em situações que a lei determina que os ato ou negócio não produzam qualquer efeito jurídico por ofenderem gravemente princípios da ordem pública.

Ou seja, não terão eficácia para o direito os atos eivados de nulidade.

Nestes casos, não corre prescrição ou decadência haja vista que os atos nulos não são suscetíveis de confirmação, tampouco convalesce pelo decurso do tempo.

A título de exemplo, o art. 166 do Código Civil dispõe que:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua

A hipótese em estudo consiste na previsão do inciso V da regra acima citada, assim, trata-se de um ato nulo aquele em que a formalidade estabelecida legalmente não foi observada. A nulidade apontada na ação declaratória está inquinada de vício essencial e, portanto, não possui qualquer eficácia jurídica. Conforme afirmação de Savigny, é um ato vulnerável. 

No antigo direito francês do século XVI, os juristas d'Argentré e Dumoulin estabeleceram uma teoria das nulidades de pleno direito e das nulidades que dependiam de rescisão, doutrinando que as nulidades de pleno direito não prescrevem, nem podem ser confirmadas ou ratificadas.

A nulidade apontada na ação declaratória esta inquinada de vício essencial, e deste modo não tem qualquer eficácia jurídica e no dizer de Savigny é ato vulnerável.

No século XVIII, JEAN BOUHIER, da França, estabeleceu a diferença entre nulidades absolutas e nulidades relativas: "As nulidades absolutas são assim chamadas porque elas podem ser opostas por todas as espécies de pessoas, e porque elas aniquilam o ato essencialmente e radicalmente, de sorte que se considera como não tendo sido o ato feito ou realizado.2 (Jean Bouhier (16 de março de 1673, Dijon - 17 de março de 1746, Dijon foi um magistrado, jurisconsulto , historiador, tradutor, bibliófilo e estudioso francês. Ele serviu como o primeiro presidente à morte do parlement de Bourgogne de 1704 a 1728, quando renunciou para se dedicar ao seu trabalho histórico e literário após sua eleição em 1727 para a Académie française).

Maria Helena Diniz, sobre atos nulos nos ensina: 

"A nulidade vem a ser a sanção, imposta pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio jurídico praticado em desobediência ao que prescreve.

.....................................................................................................................................

Com a declaração da nulidade absoluta do negócio jurídico, este não produz qualquer efeito por ofender, gravemente, princípios de ordem jurídica3

 Orlando Gomes, sobre o tema ensina:

"É nulo o ato praticado por pessoa absolutamente incapaz; o que tiver objeto ilícito ou impossível; ou que não revestir a forma prescrita em lei ou que for preterida alguma solenidade que esta considere essencial à sua validade."4

E prossegue o mestre baiano:

A teoria clássica das nulidades assenta o princípio geral de que o ato nulo não produz efeito: quod nullum est, nullum producit effectum. A nulidade de pleno direito privaria o ato de toda evidência.

Enfim, as nulidades se operam de pleno direito; podem ser invocadas por qualquer interessado; o negócio nulo não é suscetível de confirmação; e não se convalesce com a prescrição.

Nesse sentido, confiram-se o seguinte precedente:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL DE ASCENDENTE A DESCENDENTE POR INTERPOSTA PESSOA. SIMULAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. ATO NULO INSUSCETÍVEL DE CONVALIDAÇÃO PELO DECURSO DO TEMPO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. O Tribunal de origem, com fundamento na prova documental trazida aos autos, concluiu pela existência de simulação de negócio jurídico relativo ao contrato de compra e venda de imóvel de ascendente a descendente por interposta pessoa. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório.

2. O negócio jurídico nulo por simulação não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo e, portanto, não se submete aos prazos prescricionais, nos termos dos arts. 167 e 169 do Código Civil de 2002.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1.702.805/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 3/3/20, DJe 25/3/20)

A ação anulatória, em primeiro lugar, para desconstituir os leilões é uma atecnia, dado que solenidades legais deixaram de ser cumpridas para procedimentos de hasta pública, e a sua inobservância gera a nulidade, e, por fim, não se convalescem no tempo e não podem ser ratificadas pelas partes tendo em vista ser interesse social, logo, de ordem pública.

E, diante deste panorama, a aplicação da decadência é absolutamente incorreta.

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1 VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civul, Parte Geral, 22ª. ed. 2022. P.446.

2 GARCEZ, Matinho, Das Nulidades do Atos Jurídicos. Renovar, 3ª.Ed. 1997, p.6.

 

3 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil, Teoria do Direito Civil, 34ª.ed, 2017, p.600, 4 Gomes, Orlando, Introdução Direito Civil, 22ª. Edição, forense, 2019, p.353.

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DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil, Teoria do Direito Civil, 34ª.ed, 2017

GARCEZ, Matinho, Das Nulidades do Atos Jurídicos. Renovar, 3ª.Ed. 1997, 

Gomes, Orlando, Introdução Direito Civil, 22ª. Edição, forense, 2019,  MELLO, Marcos Bernardes, Teoria do Fato Jurídico- Plano da Validade, 15ª. edição, Saraiva, 2019.

VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civul, Parte Geral, 22ª. ed. 2022.

 
Romeu Fernando Carvalho de Souza

Romeu Fernando Carvalho de Souza

Presidente da Camerj - Central de Atendimento aos Mutuários do Estado do Rio de Janeiro.

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