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STJ entendeu que os filhos podem atuar como testemunhas no processo dos pais

Não seria isto uma forma de violência psicológica submeter o filho a isto? Não seria o mesmo que dizer: quero ficar com meu pai e não com minha mãe. Ou, ao contrário.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Atualizado às 13:53

Em recente decisão o STJ entendeu que os filhos podem atuar como testemunhas no processo dos pais, contrariando, em tese, o artigo 447, inciso III, do CPC, e ainda o parágrafo 2 que, igualmente impede o depoimento do companheiro, cônjuge, ascendente ou descendente.

Fiquei pensando nesta decisão e alguns pontos devem ser considerados:

O filho, mesmo sendo menor de 16 anos (entre 12 e 16), terá, de alguma maneira que se posicionar, perante o Juiz (a autoridade máxima) contra o pai ou a mãe, e, portanto, terá que assumir um lado.

Por um lado isto será importante para seu amadurecimento e crescimento e desde cedo aprenderá a se colocar diante das adversidades da vida, e, muito provavelmente, este filho, ainda em formação, será um adulto de grande valor. (afinal, já é sabido que "o que não me mata, me fortalece").

Não obstante, não posso deixar de pensar no fato destes pais não conseguirem ter diálogo suficiente (nem através dos advogados) para poder polpar o filho de ter que se posicionar em favor de um na frente de um Magistrado.

Isto, de alguma forma, também irá reverberar na vida deste cidadão em formação, que, viu-se diante de um Juiz, sendo indagado se o pai estava certo e a mãe estava errada, ou vice e versa. O quão difícil deverá ter sido e as consequências disto depois? Ora, o resultado do processo, pelo o que eu entendi, considerou muito o depoimento do filho, mesmo como informante do Juizo, e, este depoimento foi crucial para o desfecho da ação.

Não seria isto uma forma de violência psicológica submeter o filho a isto? Não seria o mesmo que dizer: quero ficar com meu pai e não com minha mãe. Ou, ao contrário.

Fiz uma audiência recentemente onde o menor precisou se posicionar na sala de audiência, que, aliás, esta escuta foi conduzida de forma muito sábia e doce pela Magistrada e o ambiente não fiou pesado e nem hostil, e, ele então precisou se posicionar se gostaria de almoçar com o pai às quartas-feiras ou se preferia almoçar na casa da mãe (onde reside em 98% do tempo). O processo, aliás, era para discutir isto. E a pergunta que não quer calar: onde chegam os adultos que não conseguem manter o mínimo de diálogo possível para decidir questões como esta?

E, embora o menor tenha se saído muito bem, e se posicionado ali, na sala de audiência, entre tantos adultos "sabidos" mas que não sabiam lidar com questões tão essenciais e cotidianas, sem um olhar empático para o outro, este outro, no caso, o pai/mãe do seu filho. Aliás, eu não consigo entender como a gente consegue tratar tão bem qualquer vendedor de balas no farol e não consegue ter a mesma cordialidade com aquela pessoa que lhe presenteou com o mais importante da vida (os filhos, no caso). Obvio que, nem sempre isto é uma tarefa fácil (alooo JOAO VICENTE), mas com certeza ela é necessária e valiosa.

E, as vezes é necessário insistir um pouco, assim como fazemos desde pequenos com refrigerante, bala ardida, até aprender a gostar ou, ao menos, não odiar.

Bom, voltando a decisão do STJ: o recurso alegou violação ao artigo 447, parágrafo 2º, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC), pois a sentença e o acórdão teriam se embasado em prova nula, qual seja, o depoimento do filho do casal. Para a defesa do ex-marido, haveria expressa disposição legal que impediria o filho de atuar como testemunha no caso.  

No entanto, o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator, observou que a prova testemunhal possui destaque entre os meios de prova, sendo o mais usual deles, no qual a testemunha relata oralmente ao juiz as informações que possui sobre determinado fato, à medida que é questionada a seu respeito. Contudo, segundo Bellizze, tal meio de prova não é infalível, porque as experiências efetivamente vivenciadas, direta ou indiretamente, pelas testemunhas, podem vir influenciadas por variados juízos de valor pessoal.

O magistrado destacou que as hipóteses de impedimento e suspeição da testemunha partem do pressuposto de que a testemunha tenderia a dar declarações favoráveis a uma das partes ou ao resultado que lhe seria benéfico. Assim, "não se verifica uma parcialidade presumida quando a testemunha possui vínculo de parentesco idêntico com ambas as partes, sobretudo quando não demonstrada a sua pretensão de favorecer um dos litigantes em detrimento do outro", afirmou.

O ministro ressaltou, ainda, que o artigo 447, parágrafos 4º e 5º, do CPC prevê que, sendo necessário, o magistrado pode admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas, hipótese em que os depoimentos serão consentidos independentemente de compromisso e lhes será atribuído o valor que mereçam.

"Logo, ainda, que se mantenha o impedimento do filho para testemunhar no processo em que litigam seus pais, o magistrado poderia admitir seu depoimento como testemunha do juízo, não devendo ela prestar compromisso e cabendo ao juiz valorar suas declarações em conformidade com todo o acervo probatório carreado aos autos", que, no caso, era favorável ao pai que o arrolou como testemunha. Ou seja, ainda que ouvido como testemunha do Juizo, ainda que não tenha prestado compromisso perante o Juiz, ele prestou o maior e mais valioso compromisso consigo mesmo, sendo bom ou não, ele se POSICIONOU contra um dos seus genitores.

E, eu pergunto: até quanto isto vale a pena?

Não vamos conseguir saber, exceto se cruzarmos com este cidadão um dia, por ai.

Ana Carolina Vilela Guimarães Paione

Ana Carolina Vilela Guimarães Paione

Advogada com especialização em direito de família e processo penal, Membro da Comissão de Familia e Sucessões da OAB Santo Amaro, Membro da Comissão de Adoção da OAB Santo Amaro, Professora da ESA.

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