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Os reflexos criminais da pejotização

A pejotização indevida é um artifício de não conformidade que expõe a corporação e seus respectivos administradores a risco criminal demasiado.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Atualizado às 09:42

A pejotização consiste na utilização fraudulenta de uma pessoa jurídica para mascarar uma relação de emprego visando a redução dolosa dos custos inerentes ao contrato de trabalho. Trata-se, portanto, de fraude na produção e na utilização de documentos ideologicamente falsos com o objetivo de mascarar a existência de um vínculo empregatício.

"PEJOTIZAÇÃO - RELAÇÃO DE EMPREGO. A pejotização é um estratagema por meio do qual o empregador mascara a relação de emprego a fim de se eximir das responsabilidades trabalhistas

(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010863-57.2021.5.03.0135 (ROT); Disponibilização: 2/2/23; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator(a)/Redator(a): Ana Maria Amorim Reboucas)"

Linhas gerais, conforme o art. 203 do Código Penal, a pejotização é a terceirização fraudulenta e ilegítima cujo propósito visa frustrar direitos assegurados pela legislação trabalhista:

"Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho:

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela lei 9.777, de 29/12/98)"

Com efeito, ainda que a maioria das controvérsias sobre pejotização seja resolvida na Justiça do Trabalho, como o crime previsto no art. 203 do Código Penal é considerado de ação penal pública incondicionada, ou seja, que independe da vontade da vítima para a apuração de eventual responsabilidade criminal, a terceirização indevida da mão de obra é extremamente arriscado, pois, mesmo que a disputa seja acertada na Justiça do Trabalho, o infrator poderá ser processado também na instância criminal, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:

"O acordo celebrado entre o denunciado e a empresa-vítima perante a Justiça do Trabalho não vincula a apreciação dos fatos pela jurisdição penal, haja vista a absoluta independência entre tais searas.

(AgRg no HC 591.647/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª turma, julgado em 27/3/23, DJe de 30/3/23.)"

Aliás, mesmo que o empregado/contratado tenha sido coagido a emitir nota fiscal para o recebimento do "salário", como o conteúdo registrado no documento fiscal é falso, de acordo com o art. 299 do Código Penal, o emissor desse documento ideologicamente falso poderá responder pelo crime de falsidade ideológica:

"Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis, se o documento é particular.

Ademais, o art. 297, §4º, do Código Penal pune aquele que, com o objetivo de causar prejuízos diretos ou indiretos ao seguro social, não faz as devidas anotações obrigatórias na carteira de trabalho do empregado:

"Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. (Incluído pela lei 9.983, de 2000)"

Neste caso, como a pejotização ilícita é utilizada com o propósito de fraudar o seguro social obrigatório, o crime do art. 297, §4º, do Código Penal se caracteriza com a simples omissão intencional de dados que deveriam subsidiar o recolhimento de impostos destinados a seguridade social:

"O crime em questão se consuma com a simples omissão de qualquer um dos dados elencados no § 3.º do art. 297 do Estatuto Repressivo, o que, supostamente, teria ocorrido, uma vez que a empresa de que os recorrentes são sócios teria deixado de registrar a própria relação trabalhista, ou seja, omitiu na CTPS todos os dados mencionados.

(RHC 29.285/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 12/6/12, DJe de 20/6/12.)"

Destaca-se, também, que pejotização indevida pode caracterizar o crime de sonegação de contribuição previdenciária previsto no art. 337-A do Código Penal, que, entretanto, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, poderá restar descaracterizado caso o infrator pague integralmente a dívida previdenciária:

"Somente o pagamento integral dos débitos provenientes da falta de recolhimento dos tributos ou contribuições sociais, a teor do art. 9º, parágrafo 2º, da lei 10.684/03, extingue a punibilidade dos crimes tipificados nos arts. 1º e 2º da lei 8.137/90, 168-A e 337-A do Código Penal.

(RHC 18.071/SP, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 6ª turma, julgado em 4/4/06, DJ de 26/6/06, p. 199.)"

Isto posto, pode-se afirmar que a pejotização indevida é um artifício de não conformidade que expõe a corporação e seus respectivos administradores a risco criminal demasiado, pois, conforme argumentado, ainda que a Justiça do Trabalho resolva a controvérsia financeira existente na orquestração para burlar os custos inerentes ao contrato de trabalho, as partes envolvidas na contratação ilegal poderão ser responsabilizados por diversos crimes.

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Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940

TRT da 3.ª região; PJe: 0010863-57.2021.5.03.0135 (ROT); Disponibilização: 2/2/23; Órgão Julgador: 10ª turma; Relator(a)/Redator(a): Ana Maria Amorim Reboucas.

AgRg no HC 591.647/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª turma, julgado em 27/3/23, DJe de 30/3/23.

RHC 29.285/SP, relator Ministro Jorge Mussi, 5ª turma, julgado em 12/6/12, DJe de 20/6/12.

RHC 18.071/SP, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, 6ª turma, julgado em 4/4/06, DJ de 26/6/06, p. 199.

RHC 43.741/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, 6ª turma, julgado em 10/3/16, DJe de 17/3/16.

Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

VIP Ricardo Henrique Araujo Pinheiro

Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.

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