A aplicação da lei anticorrupção e os prejuízos trazidos às empresas envolvidas na Lava Jato
Entenda como o modelo de responsabilização objetiva adotado pela lei 12.846/13 afeta o mercado econômico brasileiro.
sexta-feira, 30 de junho de 2023
Atualizado às 14:23
A corrupção é um problema histórico que tem afetado o Brasil em diversas esferas. Escândalos de grandes proporções, como os casos do "Mensalão" (2005) e do "Petrolão" (2014), evidenciaram a necessidade de uma legislação mais efetiva no combate a esse fenômeno. Foi nesse contexto que surgiu a lei Anticorrupção (lei 12.846/13), que tem como objetivo principal responsabilizar as empresas envolvidas em atos corruptos.
O modelo de responsabilidade civil das empresas prevista na lei Anticorrupção é de natureza objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa. Isso significa que as empresas podem ser responsabilizadas pelos atos de corrupção praticados por seus funcionários, mesmo que não tenham conhecimento ou tenham adotado medidas internas para prevenir tais práticas ilícitas. No entanto, essa responsabilização objetiva pode resultar em graves consequências para as empresas, incluindo sanções administrativas, como multas e suspensão das atividades, e danos à sua reputação. Além disso, a responsabilização objetiva pode violar princípios essenciais à continuidade da empresa, como o da preservação da atividade econômica e a garantia do emprego de milhares de trabalhadores.
Após o escândalo de Watergate envolvendo a maior potência do ocidente, os demais países da América abriram os olhos para o combate à corrupção, inclusive, o Brasil. Com um histórico negativo de práticas ilícitas cometidas por agentes do governo desde sua colonização, o legislador buscou maneiras afetivas de coibir essas práticas em território nacional, visando o controle social, enfrentamento à corrupção e a responsabilização civil dos agentes envolvidos direta e indiretamente com os atos ilícitos. Desse modo, surge a lei 12.846 de 1º de agosto de 2013 (lei Anticorrupção), que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, incluindo fundações, associações de entidades ou pessoas, pela prática de atos ilícitos contra administração pública, nacional ou estrangeira, inspirada na FCPA norte-americana e no Caso de Watergate.
No entanto, o modelo de responsabilização adotado pela lei Anticorrupção brasileira impactou negativamente a economia em um dos maiores escândalos de corrupção do país. Assim como no país norte-americano, o escândalo da Operação Lava Jato (2014), iniciado pela Polícia Federal, pôs à prova a efetividade de todas as instituições governamentais, principalmente, do Poder Judiciário. Com isso, anos já adentrando uma crise econômica em decorrência de uma má gestão governamental, meses mais tarde o Brasil se viu em um período de retrocesso, provocado por uma grave recessão, conforme explica Flávio Alves de Paula (2019, p. 11) em sua exposição:
As políticas nos anos de (2011-2014) apresenta alguns problemas, em primeiro lugar, o governo decidiu diminuir o seu papel no investimento público nos setores que têm externalidades logísticas e cruciais. Esses setores, como energia e infraestrutura, em menor medida, também ajudam a sustentar a demanda agregada. Em segundo lugar, o grande alívio tributário para as empresas não expandiu a demanda agregada porque o investimento privado, de maneira não surpreendente, não respondeu a essas medidas. E em terceiro porque as isenções fiscais, em conjunto com a desaceleração econômica, reduziram consideravelmente a evolução das receitas tributárias, o superávit primário caiu em 2013 e tornou-se negativo em 2014.
Neste contexto, inúmeras empresas que estiveram envolvidas nos escândalos tomaram atitudes que afetaram não somente a sua organização interna, mas também uma série de fatores externos diretos e indiretos, já impulsionados por uma crise política e econômica, assim como argumenta Flávio Alves de Paula (2019, p.9):
A crise foi acompanhada e intensificada por uma crise política, que resultou em protestos contra o governo por todo o país, por isso dividir a análise sobre a crise econômica em crise política e crise econômica. Por um lado, afirma-se que fatores internos (principalmente derivados da chamada ?Nova Matriz Macroeconômica? dos governos Lula e Dilma) foram os principais responsáveis. Por outro lado, acredita-se que fatores externos também contribuíram de forma relevante para essa desaceleração da economia.
Como consequência, as empresas tiveram que cortar laços com fornecedores, dar fim à postos de trabalho e reformular sua maneira de atuação. Tudo isso devido a um sistema de responsabilização empregado pela legislação brasileira a fim de sancionar a pessoa jurídica pelos atos cometidos contra a sociedade e administração pública.
Embora tenha sido um avanço no sentido de punir os envolvidos, a aplicação indiscriminada da responsabilidade objetiva às empresas, sem a devida individualização das condutas, gerou críticas e debates sobre os impactos na economia brasileira. O modelo adotado pode levar à desestruturação de setores econômicos, à redução de investimentos e à dificuldade de acesso ao crédito. Além disso, a instabilidade e a incerteza jurídica decorrentes da aplicação da lei podem afetar negativamente o mercado econômico como um todo.
Para o professor Luciano Nakabashi, a corrução existe em todos os países, em alguns, de forma mais grave; o que se pode fazer é diminuir o seu grau, alinhando incentivos para que as pessoas se sintam mais voltadas para os investimentos produtivos e em atividades legais que ajudem no desenvolvimento econômico e social do País.
Inicialmente, é importante destacar que não há dúvidas de que a lei 12.846/13, é uma iniciativa de grande contribuição para a redução da corrupção e de outros atos ilícitos das organizações empresariais contra a administração pública. Seu surgimento reflete uma resposta legislativa à necessidade de coibir práticas corruptas que afetam não apenas a administração pública, mas também o ambiente de negócios e a economia como um todo.
Contudo, essa análise crítica revelou algumas fragilidades no modelo adotado pela lei, especialmente em relação à responsabilização objetiva da pessoa jurídica. Ao atribuir automaticamente a responsabilidade à empresa, independentemente da comprovação de culpa ou participação efetiva de seus dirigentes, a lei pode incorrer em injustiças e prejuízos desproporcionais às empresas envolvidas. Para a sua correta aplicação, é imprescindível considerar os impactos econômicos e sociais das medidas aplicadas, buscando alternativas que permitam corrigir os erros, promover a conformidade e prevenir a reincidência, sem comprometer desnecessariamente a estabilidade econômica e social.
A ineficiência da responsabilização objetiva da pessoa jurídica decorre, em grande parte, da dificuldade de estabelecer uma conexão clara e direta entre os atos corruptos e a alta administração da empresa. A complexidade das estruturas corporativas e a multiplicidade de agentes envolvidos nas práticas ilícitas dificultam a identificação precisa dos responsáveis e a atribuição adequada das penalidades.
Para fins de compreensão da proporção dos problemas levantados, os danos infligidos não somente à Petrobrás, mas também a empresas como Odebretch - atual Novonor Participações e Investimentos S.A.- em decorrência das abordagens inadequadas adotadas durante a Operação Lava Jato ultrapassam consideravelmente os impactos ocasionados pela própria corrupção. As táticas questionáveis e imprudentes empregadas pela operação acarretaram prejuízos significativos à nossa economia e ao sistema de justiça criminal em geral.
Evidentemente, os danos causados pela Operação Lava Jato foram superiores ao necessário, sendo de caráter exacerbado, tendo desrespeitado o princípio da proporcionalidade, já que os responsáveis optaram por violar os princípios da continuidade da atividade empresarial e preservação da empresa.
Estudo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), encomendado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores), buscou levantar dados sobre o impacto econômico da Lava Jato. Apontou que R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos no país. E que 4,4 milhões de postos de trabalho foram perdidos, e R$ 47,4 bilhões em impostos diretos deixaram de ser arrecadados de 2014 a 2017. O Dieese incluiu na conta só investimentos que, na sua avaliação, deixaram de ser feitos pela situação de cada empresa em função da Lava Jato, sem contar outros aspectos (RODRIGUES; PINTO; ROCHA, 2021).
Por isso, é necessário encontrar um equilíbrio entre a responsabilização da pessoa jurídica e a preservação de sua capacidade de operar e contribuir para o desenvolvimento econômico e social. Medidas como a aplicação de multas proporcionais à gravidade do ilícito, a adoção de programas de integridade e a promoção de ações de educação e conscientização podem ser alternativas mais adequadas para punir a corrupção sem causar danos irreparáveis à empresa e à sociedade.
Contudo, controlar a corrupção no estado democrático de direito requer um equilíbrio entre a responsabilização dos envolvidos e a preservação da atividade empresarial. É necessário buscar alternativas mais adequadas, como a responsabilização individual dos agentes corruptos, acordos de leniência, restituição e ressarcimento dos valores desviados, além do fortalecimento dos sistemas de controle interno e programas de compliance nas empresas. Portanto, é imprescindível promover um debate aprofundado e uma revisão crítica da lei Anticorrupção, a fim de encontrar soluções que sejam efetivas na luta contra a corrupção, sem prejudicar desnecessariamente a economia brasileira.
Assim, urge a reformulação do sistema brasileiro de combate à corrupção, "respeitando-se o real envolvimento da pessoa jurídica no ilícito, a fim de evitar o excesso de penalização e, até mais, a penalização daquele que não cometeu o ilícito" (NIKKEL, MARTINS, 2016, p.16), ficando a seguinte reflexão: Como fazer justiça social se um dos objetivos intrínsecos da lei é ameaçar postos de trabalho, desestruturar a economia local, regional ou nacional e contribuir para o arrebatamento de uma atividade empresarial que contribui com o Mercado Econômico?
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NIKKEL, Lúcia Ivi. MARTINS, Daniel Muller. A Responsabilização Objetiva na Lei Anticorrupção. Projeto de Iniciação Científica - FAE Centro Universitário. 2015-2016. Disponível em: https://cadernopaic.fae.edu/cadernopaic/article/download/226/187. Acesso em 25 de março de 2023.
BRASIL. Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/decreto/D8420.htm >. Acesso em: 26 de março de 2023
DE PAULA, Flávio Alves. As causas da Grande Recessão Brasileira (2014-2016). 2019. Monografia (Bacharel em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em: < https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/26518/3/CausasGrandeRecess%C3%A3o.pdf >. Acesso em 06 de março de 2023.
RODRIGUES, Douglas. PINTO, Paulo Silva. ROCHA, Ludmylla. Alvos da Lava Jato, 11 construtoras têm queda de 89% em 4 anos. Poder360. 2021. Disponível em: < https://www.poder360.com.br/justica/alvos-da-lava-jato-11-construtoras-tem-queda-de-89- em-4-anos/ >. Acesso em 26 de abril de 2023.
COLUNA Reflexão Econômica com o professor Luciano Nakabashi. Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e Youtube. Produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.