Tratado global dos plásticos
Essas são apenas algumas das obrigações propostas para o instrumento jurídico vinculante, cabendo ao Comitê de Negociação Intergovernamental aprofundar os exames e debates nas próximas sessões visando a aprovação do Tratado Global dos Plásticos até 2024.
quarta-feira, 28 de junho de 2023
Atualizado às 08:00
A Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente, por meio da Resolução UNEA 5/14, de 2 de março de 2022, convocou um Comitê de Negociação Intergovernamental para desenvolver um instrumento jurídico internacional vinculante sobre a poluição por plásticos, incluído o ambiente marinho (em inglês Intergovernmental Negotiating Committee - INC to develop an international legally binding instrument on plastic pollution, including in the marine environment).
A ambição desse Comitê é concluir um tratado global dos plásticos (international legally binding instrument) até o ano de 2024 e, para tanto, de 29 de maio a 2 de junho de 2023 ocorreu na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em Paris, França, a segunda sessão do Comitê de Negociação Intergovernamental.
Para essa reunião o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente consolidou um documento com potenciais elementos para esse instrumento jurídico com base numa abrangente abordagem considerando todo o ciclo de vida dos plásticos.
A começar pelos possíveis objetivos, o tratado poderá prever: acabar com a poluição pelo plástico; proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos adversos ao longo do ciclo de vida do plástico; e/ou reduzir a produção, uso e descarte de plásticos ao longo do seu ciclo de vida, nomeadamente através da promoção de uma economia circular dos plásticos com o objetivo de acabar com a poluição por plásticos até "x" anos.
Já no âmbito das obrigações o instrumento jurídico vinculante poderá dispor, em síntese, sobre o fortalecimento da gestão de resíduos. Esse processo contemplaria opções para aumentar a capacidade de gestão dos resíduos como, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologias para a coleta, reciclagem e descarte. No plano da regulação, seriam adotadas medidas para definir o correto gerenciamento do fim da vida útil dos resíduos de plástico, incluindo orientações e ferramentas para a tomada de decisões sobre as práticas de reciclagem; além da exigência de um plano de ação a ser elaborado pelos produtores, com indicadores e metas de redução de produção de resíduos.
Em outra frente, o documento discutido na França trata da questão do despejo e do descarte ilegal de resíduos de plásticos. São previstas medidas para garantir a coleta, classificação, gerenciamento e descarte de resíduos plásticos de maneira ambientalmente correta e segura. A proposta contempla também a proibição ou controle do movimento transfronteiriço de resíduos plásticos, exceto quando isso garante a circularidade, e a aplicação de medidas de controle sobre esses movimentos entre nações, em particular aqueles de países desenvolvidos para países em desenvolvimento.
Estão previstas opções para promover sistemas de EPR (responsabilidade alargada/estendida do produtor) - a exemplo do instrumento brasileiro RCCVP (responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos) - e para permitir um mercado para reciclagem. Dentre as possíveis medidas estão a adoção de medidas para fortalecer a demanda por plásticos pós-consumo, e para facilitar a reciclagem ambientalmente correta, inclusive por meio de compras públicas para impulsionar a demanda por produtos plásticos com maior conteúdo reciclado. O documento aborda também o fornecimento de apoio financeiro e isenções fiscais para projetos de reciclagem.
O documento do Comitê contempla a abordagem do design para a promoção da circularidade, com a definição de critérios e orientações para a produção de produtos e embalagens de plástico. O modelo proposto estabelece requisitos nacionais para critérios de design baseados em um sistema global harmonizado. No que se refere ao consumidor, a proposta é a definição de medidas de rotulagem para produtos e embalagens de plástico com informações que permitam escolhas conscientes. à luz de critérios e orientações para permitir escolhas informadas por parte dos consumidores.
O Instrumento Jurídico inclui um mecanismo para assegurar uma transição justa, equitativa e inclusiva para os atores impactados pelo novo modelo: a indústria e os trabalhadores formais; os trabalhadores informais dos resíduos e as comunidades afetadas, em especial nos países em desenvolvimento. A proposta é integrar o setor informal dos resíduos na cadeia de valor dos plásticos e promover uma economia circular através de um programa de transição justa. A fim de melhorar as condições de trabalho desses trabalhadores, a proposta contempla o reconhecimento legal e o apoio aos catadores(as) informais, proporcionando acesso aos cuidados de saúde, à educação e aos benefícios da segurança social. Ainda nesse sentido, os recursos arrecadados com as taxas decorrentes dos regimes de REP/RCCVP seriam destinados ao financiamento da modernização das infraestruturas e das competências técnicas e de gerenciamento dos(as) catadores(as) informais, para que estes possam funcionar como empresas de coleta e triagem de resíduos.
Essas são apenas algumas das obrigações propostas para o instrumento jurídico vinculante, cabendo ao Comitê de Negociação Intergovernamental aprofundar os exames e debates nas próximas sessões visando a aprovação do Tratado Global dos Plásticos até 2024.
Fabricio Soler
Advogado especialista em Direito do Ambiente, Direito dos Resíduos, Saneamento e Infraestrutura. Professor e Consultor da ONU Desenvolvimento Industrial, Banco Mundial e CNI. Sócio do escritório Felsberg Advogados. www.fabriciosoler.com.br.