Discurso de ódio nas redes sociais: A tenuidade entre a liberdade de expressão e a lesão aos direitos LGBTQIA+
A tenuidade entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio torna-se frágil, e os limites, quando ultrapassados, lesam direitos constitucionais.
quarta-feira, 28 de junho de 2023
Atualizado às 07:47
É inegável que pouco a pouco, sem que eu ou você percebêssemos, a internet tomou conta das nossas vidas. Entretanto, os seres humanos são dotados de culturas, princípios e ideais que divergem entre si e, consequentemente, também se manifestam dentro da vida virtual onde a sua propagação percorre diversos lugares de forma incontrolável em um lapso de tempo muito curto, ocasionando conflitos sociais que no passado só existiam no mundo físico.
Ou seja, o meio ambiente virtual é desenhado para promover a liberdade de expressão, mas não possui filtro quanto ao limite do exercício desse direito. Isto porque, a sensação de anonimato ao utilizar um perfil numa rede social, por exemplo, é recorrente para aqueles que insistem em utilizar a ferramenta como "terra sem lei".
Atualmente, a internet é um dos veículos de maior alcance da propagação de notícias e informações, de forma facilitada, onde o uso da liberdade de expressão é deveras favorável, ou seja, é um ciberespaço que proporciona um ambiente democraticamente amplo, para que seus usuários possam falar sobre seus ideais, opiniões e convicções. Dessa forma, difunde ideais de usuários pertencentes a diversos lugares do mundo, dentro de um espaço virtual que os encoraja a expressarem absolutamente qualquer pensamento.
A liberdade e a anonimização criadas pelo design do ciberespaço ocasionaram a instauração de um conflito social virtual que impactou na transformação do uso e modo de percepção das redes sociais. Elas passaram a ser vistas como um lugar onde os usuários transitam sem o menor receio de discursos de intolerância, preconceitos e de discriminação que inferiorizam ou impulsionam atos de violência.
Nesta perspectiva, é interessante pensar que o direito à liberdade de expressão, concedido constitucionalmente, passou a ser praticado de forma ofensiva, se não abusiva, lesionando outros direitos fundamentais constitucionalmente tutelados, como o da dignidade da pessoa humana. A ultrapassagem do limite da liberdade de expressão é o que ficou conhecido por discurso do ódio. E quando praticado na internet, além de ferir um princípio fundamental dos direitos humanos, também incita o ódio e a hostilização de um indivíduo motivado por um preconceito, seja por sua cor, raça, etnia, gênero ou orientação sexual.
Uma das maiores garantias concedida ao ser humano, depois do direito à vida, é a liberdade. Sem ela, não há como falar em dignidade da pessoa humana e sem o seu respaldo muitos direitos perdem o significado de sua existência. No entanto, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, e, portanto, quando seu exercício ferir direitos constitucionais consagrados a outrem, deve se dar adequada limitação e correspondente sanção.
À luz do conhecimento referente às nuances que concretizam o discurso e, consequentemente, o discurso de ódio mundialmente, ficou claro que a liberdade de expressão confronta direitos fundamentais, criando-se uma linha moral tênue, ocasionando conflitos sociais de ideais entre os indivíduos que compõem a sociedade, especialmente as pessoas que integram o movimento LGBTQIA+.
Apesar de não haver uma definição autoral, a comunidade LGBTQIA+ foi desenvolvendo seu próprio conceito, concretizando-se como um movimento político e social que busca representatividade de indivíduos que não se identificam com os normas binárias de gênero e sexo, que, ao longo dos anos foram excluídos e marginalizados socialmente.
A luta constante deste movimento é em prol de igualdade de direitos, respeito e reconhecimento à diversidade que os definem como ser humano. Nesse sentido, as siglas não se limitam, o intuito do movimento é incluir cada vez mais pessoas para que se sintam representadas e que suas pautas sejam defendidas em sociedade.
O PL 2630/20, conhecido como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, traz em seu texto medidas criadas para combater a disseminação de conteúdo falso nas redes sociais. Medidas essas válidas em qualquer plataforma digital que contenha mais de 2 milhões de usuários, brasileiros ou estrangeiros, desde que os serviços sejam oferecidos à população brasileira.
É perceptível que, atualmente, a vida virtual vem se transformando em diversos aspectos, dentre esses, as relações entre os indivíduos e a forma com que se relacionam. Na realidade, as pessoas na maioria das vezes situam-se em uma posição de valorização do seu individualismo e encontram na internet uma ferramenta de externalização de pensamento e ideologias. A problemática ocorre quando tais manifestações são de teor discriminatório ou preconceituoso, utilizando a defesa de estarem exercendo pleno direito à expressão de liberdade.
Fica evidente que o discurso de ódio é uma ferramenta de concretização e perpetuação da homofobia, aqui não se limitando somente a gays e lésbicas, mas a todos os grupos que integram a comunidade LGBTQIA+, aumentando o afastamento social pré-existente que historicamente marginaliza e ameaça as pessoas LGBTQIA+, o que ocasiona crimes de ódio.
A polarização social, que decorre também de ideais políticos, intensifica a prática do discurso de ódio na internet devido à forma com que a maior parcela da sociedade passa a enxergar a discriminação e o preconceito contra minorias como algo natural. A naturalização de manifestações desse tipo perpetua a segregação das diversidades existentes em uma sociedade.
Logo, a luta diária dessa classe, em tentar conscientizar a população, torna a sua resistência progressivamente mais forte, ao passo que, embora haja estatísticas escassas, essas demonstram números alarmantes de óbitos resultantes da violência destinada a essa comunidade.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido pelo Brasil para consolidar a responsabilização pelo discurso de ódio, e consequentemente criar legislações concretas e específicas que tipifiquem os casos decorrentes dessa manifestação que fere direitos constitucionais. Nesse sentido, a tenuidade entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio torna-se frágil, e os limites, quando ultrapassados, lesam direitos constitucionais.
Liliane Bezerra
Membro do Serur Advogados.