A omissão intencional na anotação da carteira de trabalho e seus efeitos criminais
A pessoa que dolosamente omite dados ou faz declarações falsas na carteira de trabalho e previdência social pratica crime contra interesse da União e estará sujeito às sanções do crime de falsificação de documento público.
quarta-feira, 28 de junho de 2023
Atualizado às 07:45
A omissão intencional de anotações obrigatórias na carteira de trabalho do empregado, visando prejuízos diretos ou indiretos ao seguro social, é crime capitulado no §4º do art. 297 do Código Penal, com pena de reclusão de dois a seis anos, e multa, e se consuma com a simples omissão dolosa de dados que deveriam subsidiar o seguro social obrigatório.
"O crime em questão se consuma com a simples omissão de qualquer um dos dados elencados no § 3º do art. 297 do Estatuto Repressivo, o que, supostamente, teria ocorrido, uma vez que a empresa de que os recorrentes são sócios teria deixado de registrar a própria relação trabalhista, ou seja, omitiu na CTPS todos os dados mencionados.
(RHC 29.285/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 12/6/12, DJe de 20/6/12.)"
Nesse sentido, a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça considera que a configuração da infração penal em análise depende da conjugação da tipicidade formal e principalmente material, uma vez que deve ser demonstrado o dolo para a ocorrência da falsidade com o objetivo de fraudar a fé pública:
"Prevalece no STJ que a simples omissão de anotação de contrato na CTPS já preenche o tipo penal descrito no § 4º do art. 297 do Código Penal. Contudo, é imprescindível que a conduta preencha não apenas a tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade material. Indispensável, portanto, a demonstração do dolo de falso e da efetiva possibilidade de vulneração à fé pública.
(...)
A melhor interpretação a ser dada ao art. 297, § 4º, do Código Penal, deveria passar necessariamente pela efetiva inserção de dados na Carteira de Trabalho, com a omissão de informação juridicamente relevante, demonstrando-se, da mesma forma, o dolo do agente em falsear a verdade, configurando efetiva hipótese de falsidade ideológica, o que a tutela penal visa coibir." REsp 1.252.635/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 5ª turma, julgado em 24/4/14, DJe de 2/5/14.
Destarte, ainda que a primeira etapa do delito seja caracterizada pelo contrato de trabalho fraudulento realizado entre o patrão e o empregado, como o seguro social obrigatório é financeiramente alimentado por informações originadas da carteira de trabalho, a omissão de informações relevantes influenciará no valor que o segurado deveria pagar ao seguro social, e não o fez por ato doloso de suprimir tributo. Dado que o seguro social é gerido pela União, a vítima desse delito será o Estado e, conforme disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal, a competência para processar e julgar esse crime será da Justiça Federal:
"A partir do julgamento no conflito de competência 127.706/RS, de relatoria do Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, esta egrégia Terceira Seção pacificou o entendimento no sentido de que "o sujeito passivo primário do crime omissivo do art. 297, § 4.º, do Diploma Penal, é o Estado, e, eventualmente, de forma secundária, o particular, terceiro prejudicado, com a omissão das informações, referentes ao vínculo empregatício e a seus consectários da CTPS.
Cuida-se, portanto de delito que ofende de forma direta os interesses da União, atraindo a competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal" (DJe 9/4/14).
(AgRg no CC 148.963/RJ, relator Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção, julgado em 10/4/19, DJe de 22/4/19.)
Ainda que se trate de crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, que independe da vontade da vítima para a instauração de persecução criminal, quando a Justiça do Trabalho toma conhecimento do ilícito trabalhista e deixa de fazer a comunicação oficial ao Ministério Público, isso não quer dizer que a decisão proferida pela Justiça do Trabalho faz coisa julgada no âmbito criminal, pois a omissão dolosa na anotação da carteira de trabalho não constituiu mera infração administrativa, mas crime, com pena de reclusão de dois a seis anos, e multa:
"Havendo no Estatuto Repressivo um tipo penal que responsabiliza criminalmente quem deixa de anotar na carteira de trabalho o contrato profissional celebrado com o empregado, impossível concluir que a previsão de sanções administrativas na Consolidação das Leis do Trabalho seria suficiente para punir quem assim procede.
(AgRg no REsp 1.569.987/PA, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 1/9/16, DJe de 9/9/16.)
Dessa forma, como as instâncias trabalhista e criminal são independentes, e o crime em estudo tem preceito secundário entre 2 e 6 anos reclusão, de acordo com o art. 109, III, do Código Penal, o Ministério Público poderá processar o infrator, em até 12 anos da constatação da fraude, ainda que ocorra julgamento de mérito na Justiça do Trabalho.
Trata-se de crime conceitualmente conhecido como omissivo próprio, em que o patrão é o infrator imediato, pois é dele a obrigação de respeitar as leis trabalhistas e fazer as anotações de praxe na carteira de trabalho do empregado:
"O delito do art. 297, § 4.º, do Código Penal é omissivo próprio e configura-se como crime instantâneo de efeitos permanentes, pois o momento consumativo é o da contratação do empregado sem realizar as devidas anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social no prazo legal.
(REsp 1.359.302/GO, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 12/11/13, DJe de 25/11/13.)
Linhas gerais, a pessoa que dolosamente omite dados ou faz declarações falsas na carteira de trabalho e previdência social pratica crime contra interesse da União e estará sujeito às sanções do crime de falsificação de documento público, nos termos dos § 3º, II, e § 4º do art. 297 do Código Penal, cuja pena de reclusão poderá variar entre 2 e 6 anos, e multa.
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Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
RHC 29.285/SP, relator Ministro Jorge Mussi, 5ª turma, julgado em 12/6/12, DJe de 20/6/12.
REsp 1.890.074/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 16/2/2023.
REsp 1.252.635/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 5ª turma, julgado em 24/4/14, DJe de 2/5/14.
AgRg no CC 148.963/RJ, relator Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção, julgado em 10/4/19, DJe de 22/4/19.
RHC 79.208/PA, relator Ministro Ribeiro Dantas, 5ª turma, julgado em 22/8/17, DJe de 30/8/17.
AgRg no REsp 1.852.359/PA, relator Ministro Nefi Cordeiro, 6ª turma, julgado em 6/10/20, DJe de 13/10/20.
AgRg no AREsp 1.990.681/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, 6ª turma, julgado em 7/6/22, DJe de 13/6/22.
AgRg no REsp 1.569.987/PA, relator Ministro Jorge Mussi, 5ª turma, julgado em 1/9/16, DJe de 9/9/16.
AgRg nos EDcl no REsp 1.351.592/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª turma, julgado em 27/6/14, DJe de 5/8/14.
CC 128.504/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, 3ª Seção, julgado em 24/2/16, DJe de 8/3/16.
CC 139.401/SP, relator Ministro Felix Fischer, 3ª Seção, julgado em 28/10/15, DJe de 16/11/15.
REsp 1.359.302/GO, relatora Ministra Laurita Vaz, 5ª turma, julgado em 12/11/13, DJe de 25/11/13.
Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.