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Casamento infantil nas festas juninas: uma reflexão necessária

Considerando a importância da celebração da festa junina para a cultura brasileira e sua habitual celebração nas escolas, bem como o papel das instituições de ensino na superação de discursos e costumes retrógrados, fica o alerta para que as escolas não embutam no universo lúdico infanto-juvenil o casamento de crianças/adolescentes e normalizem inaceitável.

terça-feira, 27 de junho de 2023

Atualizado às 14:11

A festa junina é uma das festividades mais populares do nosso país e, apesar de ter sido trazida ao Brasil pelos portugueses (durante a colonização), é rica em tradições que foram incorporadas e adaptadas com o tempo, em atenção aos elementos da cultura nacional.

Neste sentido, para além das comidas típicas, da fogueira, dos trajes caricatos, e das danças folclóricas, não é incomum a celebração do casamento da "noiva caipira grávida" com o pretenso "namorado/genitor em fuga" sob a pressão do "pai autoritário da noiva" com a sua espingarda nas mãos, na presença do delegado e do padre.

Como dito, a cerimônia em questão trata-se de uma tradição cultural que reproduz costumes de uma antiga época nacional, na qual o casamento de uma mulher grávida e solteira era a única forma de "salvar" sua honra e a respeitabilidade de sua família.

Mas, para além da reprodução de um machismo estrutural, há algo ainda mais grave: a cerimônia do casamento da noiva caipira ser celebrado em festas juninas infantis, com a caracterização de crianças/adolescentes nos papéis dos noivos.

E a razão de esta prática aparentemente inofensiva gerar preocupação não é meramente retórica, pois: o Brasil, ainda hoje, apresenta números alarmantes de reais relações conjugais de meninas (crianças e adolescentes) com homens adultos.

Veja-se que apenas em 2019 houve a alteração do art. 1.520 do Código Civil que consentia com o casamento de menores de 16 anos  - em casos de gravidez e, também, para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal nos casos de quem cometia estupro de menores de 16 anos (esta última hipótese já havia sido alterada em 2005 pela revogação do inciso VII do art. 107 do Código Penal) mas, nossa legislação ainda permite o casamento de menores de idade - adolescentes de 16 até 18 anos incompletos.

Contudo, em 2021 a UNICEF constatou que o Brasil ainda é o quarto país do mundo em casamentos de crianças. E mais, no mesmo ano, o Ministério da Saúde divulgou que um em cada sete bebês nascidos é filho de mãe adolescente.

Para além disso, com maior frequência, meninas a partir de 12 anos ingressam em relações conjugais (majoritariamente informais) com homens mais velhos (com variações de cerca de 5 ou 14 anos a mais) para fugir de situações de vulnerabilidade e da maternidade solo. Tais relações conjugais ocorrem com consentimento dos familiares destas crianças/adolescentes e resultam: na evasão escolar; na gravidez precoce e recorrente; na manutenção destas meninas em ciclos de pobreza e; na maior ocorrência de violência doméstica.

Portanto, considerando a importância da celebração da festa junina para a cultura brasileira e sua habitual celebração nas escolas, bem como o papel das instituições de ensino na superação de discursos e costumes retrógrados, fica o alerta para que as escolas não embutam no universo lúdico infanto-juvenil o casamento de crianças/adolescentes e normalizem inaceitável: que nossas meninas tenham suas infâncias/adolescências roubadas para satisfação de desejos dos adultos que deveriam lhes proteger.

Diana Karam Geara

Diana Karam Geara

Advogada e sócia do Núcleo de Direito de Família e Sucessões do escritório Dotti Advogados.

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