Reforma Tributária: abordagem 360º do relatório do Grupo de Trabalho Parlamentar
Foi emitido, neste mês de junho, um relatório do Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater a Reforma Tributária.
sexta-feira, 16 de junho de 2023
Atualizado às 13:27
A Reforma Tributária divide opiniões entre profissionais, estudiosos, classe empresária e, claro, integrantes do governo. Há receio por boa parte dos contribuintes a respeito de uma elevação das alíquotas dos "novos" tributos e um aumento da carga tributária.
Por outro lado, o governo e alguns especialistas no tema garantem que as modificações não irão aumentar a carga tributária. É o que está sendo dito nos debates desta "maratona" das propostas que estão na mesa para serem votadas.
Neste mês de junho, então, foi emitido um relatório do Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater a Reforma Tributária. Veremos neste artigo um contexto geral das propostas e o que foi desenhado pelos parlamentares neste último documento.
Análise 360º
Não há como falarmos de reforma tributária sem dividi-la em duas grandes esferas de tributação, quais sejam, tributação sobre a renda e sobre o consumo.
Embora o último governo tenha dado ênfase na tributação sobre a renda, atualmente, o que estamos efetivamente notando é um avanço em relação a reforma sobre a tributação do consumo já que representa a maior parcela de arrecadação.
Neste sentido, temos duas principais propostas a serem votadas, representadas pelas PEC`s de números 45 e 110.
A agenda do governo atual aponta para uma conclusão das votações, relacionadas as PEC`s 45 e 110, neste ano de 2023, muito embora não seja uma tarefa fácil, haja vista as manifestações contrárias de diferentes agentes e segmentos de mercado.
Tributação sobre o consumo
Em relação as duas propostas mencionadas, temos como objetivo a simplificação do modelo de arrecadação de tributos sobre a produção e comercialização de bens e prestação de serviços.
As duas são robustas e sugerem a extinção de alguns tributos, para unificá-los em apenas um, conforme texto da PEC 45 (IBS) e dois, conforme PEC 110 (IBS e CBS). Além disso, ambas propostas abrem margem para criação de um imposto seletivo.
PEC 45 e 110 - Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS)
O IBS tende a acompanhar o padrão do IVA (Imposto sobre o valor agregado), e nas duas propostas (45 e 110), o imposto incidiria sobre todos os bens e serviços, compreendendo locação e exploração de bens e direitos (tangíveis e intangíveis).
Com um período de transição de 10 anos, a PEC 45 substituiria o PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS. Neste formato, cada ente federado determina uma parcela de sua alíquota que se somariam a uma única alíquota de aplicação sobre todos os bens e serviços.
Nesse sentido, cria-se uma alíquota de referência que substituirá a aplicação dos tributos mencionados. Além disso, nesta proposta, há a previsão de imposto seletivo para promover o desestímulo relacionado ao consumo de determinados bens, de acordo com o interesse do Estado, como bebidas alcoólicas, cigarros e outros.
Por outro lado, a PEC 110 propõe que o IBS tenha um período de transição de 7 anos e seja um imposto de competência estadual, substituindo o ICMS e o ISS. A alíquota aqui também seria única com a possibilidade de ajustes a depender da essencialidade do bem ou serviço.
PEC 110 - Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS)
Fazendo jus ao chamado IVA Dual, para além do IBS, a PEC 110 propõe a criação da CBS, em âmbito federal, que substituiria o PIS, COFINS e IPI. A proposta visa a formação de base constitucional para que as regras sejam implementadas via legislação ordinária.
Tanto a PEC 45 quanto a 110 trazem características de seletividade em suas propostas, ou seja, uma tributação específica sobre determinados bens e serviços. Na proposta de nº 45 o imposto seletivo seria considerado uma tributação extrafiscal com intuito de desestimular o consumo de produtos como o cigarro, bebida alcoólica, além de beneficiar produtos de caráter essencial.
Já na proposta de nº 110 a seletividade teria vistas para aumentar arrecadação, com incidência sobre operações com petróleo e derivados, combustíveis e lubrificantes, gás natural, cigarros e produtos relacionados ao fumo, energia elétrica, bebidas alcoólicas e outros.
Sobre a base de incidência, o IBS da PEC 45 abrange todas as operações com bem, material ou imaterial, ou até mesmo serviço além daquelas operações de importação de bem ou serviço, por qualquer pessoa, seja contribuinte ou não e por qualquer finalidade.
Em relação a PEC 110, o IBS e CBS incidiria também quaisquer bens, direitos e serviços e nas importações de bens materiais ou imateriais, direitos, e serviços, também em qualquer finalidade e por contribuinte ou não do imposto.
A respeito das alíquotas, em diversas entrevistas concedidas por representantes do governo, foi informado que a estimativa é a fixação de 25% para o IBS, com a devida repartição entre os entes federados, contudo, a definição ainda depende de alguns fatores, principalmente, de qual modelo será adotado, quais serão as exceções abertas a determinados setores e as definições devidas em legislação ordinária.
Em relação a PEC 45, para o IBS, por exemplo, cada ente federativo poderá fixar, por lei ordinária, sua alíquota própria que seria a mesma para todas as operações com bens ou serviços em cada ente.
Em relação ao IBS da PEC 110, estados e municípios poderão fixar, via lei ordinária, sua alíquota própria que seria a mesma para todas as operações com bens ou serviços em cada ente. Já para a CBS, após dois anos de arrecadação equivalente à arrecadação do PIS e da Cofins, a alíquota poderá ser livremente fixada por lei ordinária.
A PEC 110 é de fato mais ampla que a PEC 45 e propõe alterações, também, para a CSLL, ITCD e IPVA, de modo que a CSLL seria incorporada ao IRPJ. Além disso, o ITCD sairia das mãos dos estados para União. O IPVA, por sua vez, passaria a abranger as embarcações e aeronaves, com arrecadação total para municípios.
A não cumulatividade
De qualquer ângulo que se analise, o objetivo principal das propostas é colocar um fim nas distorções havidas no sistema tributário atual, principalmente no que diz respeito a sistemática cumulativa dos tributos.
Um grande exemplo seria entre o PIS e a COFINS, onde a intenção é trazer simplicidade à tributação federal, na medida em que o CBS seria um imposto de valor agregado, concentrando várias etapas de cobrança ao longo de uma cadeia de produção e consumo, com cálculo "por fora", ou seja, trazendo transparência para o contribuinte.
Por outro lado, críticas recaem sobre a base "aberta" do IBS, previsto em ambas PEC`s (45 e 110), aduzindo que representaria um aumento de carga tributária, muito embora a alíquota dos tributos atualmente vigentes não são comparáveis aos que estão por vir, especialmente por conta da citada cumulatividade.
Significa dizer que as propostas vigentes permitem o que chamamos de creditamento completo, ou creditamento cheio, na medida em que toda a carga tributária envolvida na cadeia será passível de aproveitamento nas etapas posteriores, observando o valor destacado dos tributos.
O sistema tributário atual é absolutamente restrito no que diz respeito a tomada de crédito, o que onera sobremaneira o preço do produto ou serviço destinado ao consumidor final. O que se paga a título de ICMS, por exemplo, não é somente o valor correspondente a sua alíquota nominal (Ex. 18%), mas também todos os demais tributos envolvidos na cadeia, cujo crédito não foi permitido.
As propostas, ainda, prometem pôr um fim no que hoje é conhecido como "cálculo por dentro" dos tributos, que também faz com que o custo tributário efetivo seja maior, já que o próprio tributo compõe sua base de cálculo.
Para aliviar o peso dos tributos para a parcela da população de baixa renda, as duas PECs trazem a possibilidade de devolução de parte dos impostos para estas pessoas. A PEC 110 deixa sua essa regulamentação por conta de eventual legislação complementar. Já a PEC 45 resguarda parte da sua arrecadação para custear tal devolução.
O objetivo do que está sendo chamado de "cashback" seria pôr um fim na redução de tributos de itens essenciais, como a cesta básica, por exemplo, e beneficiar, tão exclusivamente, aqueles que de fato necessitam.
A reforma tributária e o setor de serviços
Uma das principais críticas da reforma tributária é o aumento da carga para os prestadores de serviços. De fato, a unificação de tributos tem um maior impacto para este setor que atualmente contribui com o ISS (2 a 5%), e PIS/COFINS (9,25% - Lucro Real e 3,65% - Lucro Presumido).
Se partirmos do pressuposto da alíquota de 12% da CBS prevista na PL 3887, para empresas regimentadas pelo Lucro Presumido, teríamos um aumento de 8,35% e para as empresas optantes pelo Lucro Real, 2,75%, além da parcela correspondente ao ISS dentro do IBS, que seria seu substituto.
O maior obstáculo para o setor de serviços, contudo, é a inexistência de etapas de produção, como ocorre na indústria, por exemplo. O setor de serviços está na ponta final da atividade econômica o que por si só representa menor possibilidade de tomada de crédito, principalmente para aqueles serviços destinados à consumidor final.
Não só por isso, a força motora do setor de serviços é a mão de obra e não insumos, de maneira geral. Este custo com a força do trabalho não é passível de creditamento o que impacta sobremaneira o setor em questão, sendo certo que, ao promover a unificação de tributos com base ampla de maneira indistinta, naturalmente o setor de serviços é impactado negativamente em comparação aos demais.
Por estes motivos, fortes críticas recaem sobre as propostas que tratam do setor de serviços, o que ainda deve ser debatido pelos congressistas, já que este setor, em franco crescimento, representa uma parcela considerável da economia brasileira.
Conclusões do grupo de trabalho da reforma tributária (PEC 45 e 110)
Voltando ao tema central deste artigo, neste mês de junho de 2023 foi entregue relatório final consolidado pelo grupo de trabalho da reforma tributária formado por parlamentares como substitutivo da PEC 45. A expectativa é que a proposta final vá a plenário no mês julho.
Da mesma forma que o substitutivo da PEC 110 se aproximou da PEC 45, o seu substitutivo ficou mais próximo do texto da PEC 110, o que demonstra um consenso e maior chance de aprovação nas duas casas.
Como apontavam os especialistas, restou firme a opção pelo IVA Dual, assim descrito no item de nº 4.3.1 do relatório:
"A diretriz é de que se adote uma versão dual dos tributos sobre o consumo: um de competência da União e outro compartilhado entre estados e municípios. Contudo, para preservar o objetivo de simplificação, o desenho constitucional desses tributos deve ser o mais harmonizado possível, de modo a que todas as características principais das duas versões sejam idênticas, como as definições de contribuintes, fato gerador, base de cálculo, estrutura de alíquotas, não cumulatividade plena, regimes favorecidos e específicos, entre outras."
Restou definido que haverá alíquotas diferenciadas para os setores de saúde, educação, transporte público, setor imobiliário, produção rural e ponderação sobre os produtos da cesta básica e que teremos a figura do imposto seletivo para desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como descrito neste artigo.
O grupo de trabalho foi enfático quando manteve os benefícios da ZFM e dos contribuintes optantes pelo Simples Nacional, prevendo que estes últimos, inclusive, poderão optar pelo regime normal de crédito e débito do IBS ou pelo recolhimento unificado e atual.
O mais interessante é que, de uma forma ou de outra, as aquisições dos contribuintes do Simples Nacional darão direito ao crédito do imposto, conforme alíquotas aplicáveis.
Como imaginava-se, o sistema de cashback também foi incluído como ferramenta social de progressividade fiscal, muito embora não tenham entrado em detalhes de sua implementação. Vejamos:
"O Grupo de Trabalho recomenda que se preveja um sistema de cashback, definindo-se posteriormente qual o público elegível a ser beneficiado, como instrumento para a implementação de progressividade na tributação do consumo.".
Para finalizar, os parlamentares entenderam que o direito ao crédito referente a não cumulatividade plena do IBS não depende da comprovação do efetivo pagamento do imposto pelo fornecedor e sim, tão somente do seu destaque.
Conclusão
As conclusões do Grupo de Trabalho foram recebidas de maneira positiva por entidades de diversos setores, porém, ainda com críticas no que se refere, principalmente, ao setor de serviços.
E importante esclarecer que, a principal alteração com a aprovação da Reforma tributária, será a simplificação da cobrança de tributos, unindo alguns em uma só fonte de arrecadação e tornando o processo mais transparente, o que seria favorável, uma vez que o atual sistema de tributação é disfuncional, complexo e juridicamente inseguro.
Por ora, a tese do IVA Dual prosperou e acaba por conceder maior autonomia tanto para o governo federal e entes federativos calibrarem as alíquotas dos novos tributos.
De toda sorte, as alterações ocorrem em âmbito constitucional e leis complementares virão para regulamentá-las. Certo é, que vamos acompanhar os acalorados debates que prometem movimentar o segundo semestre de 2023.