Tema de repercussão geral 1.232: breves reflexões sobre repercussões da suspensão das execuções trabalhistas
Análise dos principais aspectos processuais da liminar do Tema de Repercussão Geral 1.232, que suspendeu as execuções trabalhistas em que se discute a inclusão de empresas do grupo.
quinta-feira, 15 de junho de 2023
Atualizado às 14:35
Introdução
No dia 25 de maio, o Ministro Dias Toffoli concedeu medida liminar no Rext 1.387.795-MG (Tema de repercussão geral n. 1232), determinando a suspensão imediata de todas as execuções trabalhistas na Justiça do Trabalho em que se discute a inclusão de empresas do grupo que não participaram da fase de conhecimento.
Em razão da vasta abrangência dos efeitos da referida decisão, nós, operadores do Direito da área trabalhista, recebemos a notícia com certo estarrecimento e ainda analisamos seus impactos nas execuções.
Assim, com o fim de contribuir com o debate, mas sem qualquer pretensão de esgotar o tema, tecemos breves reflexões jurídicas acerca dos principais aspectos processuais da decisão.
Contextualização da decisão
O cerne do Tema 1.232 de repercussão geral não é novo na Justiça do Trabalho, pois há muito é objeto de debates na doutrina e na jurisprudência, especialmente após o cancelamento da antiga súmula 205 do TST, em 2013, que exigia o litisconsórcio passivo na fase de conhecimento para responsabilização das empresas do grupo.
O cancelamento da referida súmula decorreu da interpretação do art. 2º, § 2º, da CLT, reconhecendo-se o grupo como empregador único, em consonância com o entendimento consolidado na súmula 129 do TST. De acordo com tal posicionamento, a participação de um integrante do grupo na fase de conhecimento equivale à participação de todo o grupo, com reflete o trecho da ementa colacionado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO. INCLUSÃO DE EMPRESA PERTENCENTE A MESMO GRUPO ECONÔMICO NA FASE DE EXECUÇÃO MESMO NÃO TENDO PARTICIPADO DA FASE DE CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. (...) A jurisprudência atual e pacífica desta Corte Superior é no sentido da possibilidade de inclusão de empresa pertencente a mesmo grupo econômico, somente na fase de execução, sem que isso resulte em violação dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, dispostos no artigo 5º, LIV, LV, da CF. (...)
(TST-RR-79400-82.2005.5.02.0042. Rel.: Des. Conv. Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Publicação: DEJT 31/05/2019).
Com o CPC de 2015, a discussão ganhou força em razão do disposto no seu art. 513, § 5º, segundo o qual "O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento".
Apesar de a jurisprudência do TST ter se mantido estável sobre a adoção da teoria do empregador único, decisões divergentes dos Tribunais Regionais passaram a ser cada vez mais frequentes: uma corrente entendendo a inviabilidade da inclusão de empresas do grupo na execução por força do art. 513, § 5º, do CPC (v.g. TRT-3. APPS 0010148-21.2020.5.03.0112, Rel. Rodrigo Ribeiro Bueno, 9ª T., Publicação 04/02/2022) e outra vertente, intermediária, a qual admite a inclusão de empresa do grupo na fase de execução, mas por meio de incidente de desconsideração da personalidade jurídica - IDPJ (v.g. TRT18 MSCIV 0010258-77.2022.5.18.0000, Rel. Kathia Maria Bomtempo de Albuquerque, Tribunal Pleno, Data de Julgamento: 29/06/2022).
Importante lembrar, ainda, o ajuizamento da ADPF 488 em 2017 pela Confederação Nacional do Transporte, questionando exatamente a constitucionalidade da inclusão de empresas integrantes do grupo na fase de execução em processos trabalhistas.
Em tal contexto de cizânia jurisprudencial, em 19/10/2021, o Ministro Gilmar Mendes proferiu decisão liminar na Rcl 49.974, suspendendo uma execução trabalhista na qual a empresa do grupo havia sido incluída, sem que tivesse participado da fase de conhecimento, sob o fundamento de que a não observância do art. 513, § 5º, do CPC violava a reserva de plenário e a súmula vinculante n. 10. A decisão liminar foi ratificada pela 2ª Turma.
Como decorrência da aludida liminar, outra decisão também repercutiu significativamente na jurisprudência, acirrando a controvérsia. Em dezembro de 2021, contrariando a jurisprudência da Corte Superior Trabalhista, a 4ª Turma do TST refutou a inclusão na fase de execução de empresa do grupo que não figurou no conhecimento, sob o fundamento de violação do devido processo legal, ampla defesa e contraditório (TST-RR-1001625-96.2018.5.02.0048, Rel. Ives Gandra da Silva Martins Filho, 10/12/2021).
Posteriormente, em 2022, foram deferidas outras duas liminares, nas Rcls 51.756 e 51.682, ambas da lavra do Ministro Nunes Marques (também da 2ª Turma do STF), no mesmo sentido daquela decisão anterior do Ministro Gilmar Mendes.
Em direção oposta, a 1ª Turma do STF manteve entendimento divergente, reconhecendo que a não aplicação do art. 513, § 5º, do CPC não afrontava a súmula vinculante 10 e o art. 97 da Constituição Federal, pois tal se deve à interpretação e aplicação de normas legais diversas, em especial o art. 2º, § 2º, da CLT (Rcl 52.864-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, 5/8/2022).
Foi no bojo dessa conjuntura que, em maio de 2023, o Ministro Dias Toffoli concedeu a medida liminar no Tema 1.232 de repercussão geral, ora em análise.
Breves ponderações sobre o art. 513, § 5º, do CPC no Processo do Trabalho
A decisão proferida no Tema 1.232, assim como aquelas das Rcls n. 49.974, 51.756 e 51.682, baseiam-se no argumento de que a não aplicação da norma do § 5º do art. 513 do CPC configura afronta ao princípio da reserva de plenário e descumprimento da súmula vinculante n. 10.
Entretanto, cumpre lembrar que as normas do CPC não são autoaplicáveis ao processo do trabalho, visto que os arts. 769 e 889 da CLT estabelecem que as normas processuais civis incidem subsidiariamente ao processo do trabalho e desde que compatíveis com este. Em paralelo, o art. 15 do CPC preceitua que suas normas se aplicam aos processos laborais supletiva e subsidiariamente.
Alia-se a isso que o art. 2º, § 2º, da CLT expressamente prescreve que todas empresas do grupo são solidariamente responsáveis, sendo que a jurisprudência majoritária do TST e dos TRTs firmaram-se nesse sentido.
Ademais, é preciso salientar que a norma do 5º do art. 513 do CPC não existe soberana e isoladamente, pois coexiste com outras normas principiológicas e legais em nosso ordenamento, inclusive do mesmo Código, de modo que sua interpretação e aplicação deve se dar de modo sistemático, em conjunto com as demais normas existentes. Nesse trilho, destacamos que o art. 133 do CPC autoriza a desconsideração da personalidade jurídica como mecanismo de inclusão de terceiros responsáveis, inclusive na fase de execução, sendo que o art. 855-A da CLT prevê literalmente a aplicação do IDPJ no processo do trabalho.
É certo, ainda, que os arts. 50 do Código Civil e 28 do CDC explicitamente reconhecem o IDPJ como instrumento processual adequado para inclusão de empresas do grupo na lide. No mesmo sentido é o art. 82-A da Lei 11.101/05, que também consagra o IDPJ como instrumento para extensão dos efeitos da falência às empresas do grupo.
Logo, fica evidente a existência de arcabouço legal em nosso ordenamento capaz de sustentar a inclusão de empresas do grupo nas execuções trabalhistas, sem que isso configure declaração de inconstitucionalidade tácita do art. 513, § 5º, do CPC.
Ademais, deve-se lembrar que são bastante frequentes na Justiça do Trabalho os casos em que as empresas do grupo nem mesmo existiam na época da propositura da ação e somente vieram a ser constituídas posteriormente, o que, por si, inviabiliza de modo intransponível a inclusão das novas empresas do grupo na época do ajuizamento. Ademais, muitas vezes, a existência da empresa do grupo é desconhecida pelo autor quando da distribuição da ação. Em tais hipóteses, além da incidência das regras do art. 2º, § 2º, da CLT, é plenamente possível sustentar-se a possibilidade de instauração de IDPJ para a inclusão na execução, garantindo, com isso, o respeito ao contraditório prévio.
Portanto, percebe-se que a questão acerca da aplicação ou não do § 5º do art. 513 do CPC ao Processo do Trabalho reside no âmbito da interpretação infraconstitucional, perpassando pelos filtros dos artigos 769 e 889 da CLT, além se comunicar com outras normas legais coexistentes.
A abrangência da suspensão determinada no Tema 1.232
Na decisão monocrática em exame, assim concluiu o Ministro Dias Toffoli: "(...) determino a suspensão nacional do processamento de todas as execuções trabalhistas que versem sobre a questão controvertida no Tema 1.232 da Gestão por Temas da Repercussão Geral, até o julgamento definitivo deste recurso extraordinário".
Como se vê, ao ordenar a suspensão, a decisão remeteu-se à questão controvertida do Tema 1.232, cuja descrição assim é prescrita:
"Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, II, LIV e LV, 97 e 170 da Constituição Federal, acerca da possibilidade da inclusão, no polo passivo de execução trabalhista, de pessoa jurídica reconhecida como do grupo econômico, sem ter participado da fase de conhecimento, em alegado afastamento do artigo 513, § 5º, do CPC, em violação à Súmula Vinculante 10, e, ainda, independente de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133 a 137 e 795, § 4º, do CPC)."
A suspensão não alcança os casos em que o grupo foi reconhecido na fase de conhecimento
O primeiro ponto que merece destaque é o alcance da suspensão exclusivamente em relação aos casos em que o debate acerca da inclusão no polo passivo de empresa do grupo se dá na fase de execução. Em outras palavras, estão fora da abrangência da suspensão todos os processos em que a existência do grupo e a responsabilização solidária foram objetos de deliberação na fase cognitiva.
Aqui, vale lembrar que, nos processos em que empresas do grupo não tenham sido incluídas no polo passivo desde a petições iniciais, é possível a instauração do IDPJ a qualquer momento na fase de conhecimento, mesmo que na fase recursal, conforme se denota da interpretação sistemática dos arts. 134 do CPC, 50 do CC e 28 do CDC:
Assim, entendemos que, uma vez instaurado o IDPJ ainda na fase de conhecimento, reconhecendo-se a responsabilidade solidária da empresa do grupo antes de iniciada a fase executiva, a suspensão não alcança as correspondentes execuções.
A decisão afeta as execuções em que se pretende incluir empresas do grupo, mesmo que tenha sido instaurado o IDPJ na fase de execução
Provavelmente este seja o ponto com maior potencial de divergência na Justiça do Trabalho.
A partir da leitura da decisão do Ministro Dias Toffoli e da descrição do tema 1.232, interpretamos que a suspensão determinada abrange todas as execuções em que se discute a inclusão de empresa do grupo, mesmo que tal questão tenha sido debatida na fase executiva por meio de IDPJ. Isso porque a decisão não contém qualquer ressalva e remete ao objeto do Tema 1.232, cuja descrição menciona "independente de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica". Ou seja, mesmo que tenha sido instaurado o IDPJ na execução, a suspensão se impõe.
Ressaltamos, contudo, nosso entendimento de que a instauração do IDPJ supre a necessidade de contraditório prévio exigida pela inteligência do art. 513, § 5º do CPC, visto que o próprio CPC, no art. 134, combinado com 50 do Código Civil e 28 do CDC, consagram o incidente como meio processual adequado para inclusão de outros responsáveis patrimoniais na fase de execução, inclusive empresas do grupo.
Todavia, embora seja este nosso entendimento, reconhecemos que a decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli não excluiu os casos em que se discute ou se discutiu a inclusão de empresas do grupo por meio da instauração do IDPJ.
A decisão não ressalvou os casos com trânsito em julgado na execução
Também nos chamou a atenção que a decisão do Ministro Dias Toffoli não tenha excepcionado os casos em que a inclusão da empresa do grupo tenha sido objeto de decisões transitadas em julgada na fase de execução, como, por exemplo, quando a inclusão de empresas do grupo já tenha sido deliberada em sentença de embargos à execução, de embargos de terceiro ou mesmo em decisão de IDPJ.
Entendemos que, em respeito às garantias fundamentais da segurança jurídica, da coisa julgada e da razoável duração do processo, a decisão proferida no Tema 1.232 poderia ter excepcionado os casos em que a inclusão de empresa do grupo já foi objeto de decisão com trânsito em julgado em embargos à execução, IDPJ ou embargos de terceiro. Todavia, parece-nos que a decisão proferida no Tema 1.232 foi em sentido diverso, não retirando tais casos da suspensão.
A decisão não afeta casos em que se discutem a sucessão empresarial ou o redirecionamento da execução aos sócios por meio do IDPJ
A suspensão imposta pela decisão liminar não se aplica a outras hipóteses estranhas ao objeto do Tema 1.232, não incidindo por analogia ou extensivamente àquelas execuções com IDPJ para inclusão dos sócios formais ou ocultos, nem mesmo nos processos em que se debate a inclusão de empresas sucessoras.
Primeiro, porque o Tema 1.232 não versa sobre tais assuntos, os quais não se confundem com grupo de empresa. Ademais, a suspensão estabelecida pelo Ministro é medida excepcionalíssima e, portanto, deve ser interpretada restritivamente. Soma-se a isso que, conforme disposto no art. 489, § 3º, do CPC "A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé", sendo certo que a decisão nada menciona sobre sucessão empresarial e execução de sócios, abordando somente execução de empresas do grupo.
Quanto à inclusão dos sócios por meio do IDPJ, é importante lembrar a existência de normas de direito material e processual que regulamentam a matéria de modo literal, permitindo o direcionamento da execução a sócios que não participaram da fase de conhecimento, destacando-se os arts. 10-A e 885-A da CLT, arts. 133 a 137 do CPC, art. 50 do Código Civil e art. 28 do CDC.
O instituto da sucessão, além de não se confundir com o grupo de empresas, também tem regras próprias na CLT, nos arts. 10, 448 e 448-A. Além disso, nos casos de sucessão de empresas, configura-se típica sucessão processual, atraindo as regras dos arts. 109 e 110 do CPC. Registra-se, ainda, que a inclusão de empresas sucedidas na execução trabalhista é objeto da ADPF 951, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes.-
Considerações finais
A partir de uma análise preliminar das repercussões da decisão liminar proferida no Tema 1.232, na qual se determinou a suspensão das execuções trabalhistas em que se discute a inclusão de empresas do grupo, fazemos as seguintes reflexões:
- A suspensão alcança exclusivamente os processos em que o debate acerca da inclusão no polo passivo de empresa do grupo ocorre na fase de execução, não abrangendo os processos em que a existência do grupo e a responsabilização solidária de seus integrantes foram deliberados na fase cognitiva.
- A decisão não excepciona os processos em que a inclusão da empresa do grupo tenha sido objeto de decisões com trânsito em julgada na fase de execução (embargos à execução, embargos de terceiro ou mesmo em decisão de IDPJ na execução).
- A suspensão abrange todas as execuções em que se pretende a inclusão de empresa do grupo, mesmo que tal questão tenha sido debatida na fase executiva por meio de IDPJ. Ressaltamos, contudo, nosso entendimento de que a instauração do IDPJ supre o argumento de necessidade de contraditório prévio, nos termos do art. 513, § 5º do CPC.
- Se instaurado o IDPJ na fase de conhecimento, reconhecendo-se, com isso, a responsabilidade solidária da empresa do grupo antes de iniciada a fase executiva, a suspensão não alcança as respectivas execuções.
- A decisão não afeta os casos em que se pretende a inclusão de sucessora ou o redirecionamento da execução aos sócios por meio do IDPJ.
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Delgado, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e ampl.São Paulo : LTr, 2017.
TRT-3. APPS 0010148-21.2020.5.03.0112, Rel. Rodrigo Ribeiro Bueno, 9ª Turma, Publicação 04/02/2022
TST-RR-79400-82.2005.5.02.0042. Rel.: Des. Conv. Cilene Ferreira Amaro Santos, 6ª Turma, Publicação: DEJT 31/05/2019
TST-RR-1001625-96.2018.5.02.0048, Rel. Ives Gandra Da Silva Martins Filho, Publicação: 10/12/2021
TST-RR-1001625-96.2018.5.02.0048, Rel. Ives Gandra Da Silva Martins Filho, Publicação: 10/12/2021
STF. Rcl 52.864-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe de 5/8/2022.
Vinícius de Miranda Taveira
Juiz do Trabalho do TRT15. Professor. Coautor do Manual Estratégico de Recuperação Judicial: Impactos no Direito e no Processo do Trabalho.
Ulisses de Miranda Taveira
Mestre e Doutorando em Função Social do Direito pela FADISP, especialista em Direito do Trabalho e Juiz Titular da Vara do Trabalho de Mirassol D'oeste, TRT da 23ª Região. Ex- Oficial de Justiça no TRT da 15ª Região. Ex-Analista e Técnico Judiciário do TRT da 2ª Região. Professor convidado das EJUDs dos TRTs 2, 5, 6, 9 15 e 23, além de cursos de pós-graduação em direito e processo do trabalho. Coautor do Manual Estratégico de Recuperação Judicial: Impactos no Direito e no Processo do Trabalho.