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Insegurança jurídica provada pelo STF

As decisões judiciais calcadas em elementos extrajurídicos são imprevisíveis, às vezes, dependentes até do humor do julgador.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Atualizado em 12 de junho de 2023 16:03

É  voz corrente entre os integrantes da classe jurídica que o STF vem causando muita insegurança jurídica no País.

A partir do momento em que os insignes Ministros do STF colocaram em prática o denominado consequencialismo jurídico, que outra coisa não é senão a denominação que se deu à interpretação teleológica, nada mais é estável e seguro.

Muito se tem escrito a respeito, privilegiado pela novidade que a palavra encerra para expressar o que sempre existiu.

Hoje, na ação direta de inconstitucionalidade - ADO-, a Corte Suprema ao pronunciar a omissão legislativa, muitas vezes, já aponta a legislação aplicável. É que a Corte, nos casos de reconhecimento de omissão legislativa, cansou de notificar o Poder Legislativo para a adoção de providências, conforme § 2º, do art. 103 da CF, sem que essa notificação produzisse qualquer efeito. E isso é muito ruim para a sociedade, pois a Constituição deixou imensos vazios a serem preenchidos por leis complementares e ordinárias.

Essa omissão sistemática do Congresso Nacional, ignorando as decisões do STF, levou  a Corte a apontar a norma aplicável, em caso de omissão reconhecida, implicando atividade legislativa.

Às vezes isso é positivo, como é o caso da greve no setor público em que a Corte Maior, suprindo o vácuo legislativo, determinou a aplicação das regras vigentes para a greve do setor privado.

Todavia, na maioria das vezes, a inovação legislativa tem sido negativa, concorrendo tão somente para gerar insegurança jurídica.

Estamos, atualmente, diante da jurisprudência dinâmica do Excelso Pretório Nacional, talvez como resultado da politização dos ilustres integrantes da Corte Suprema, que passaram a participar ostensivamente de eventos sociais promovidos pelo governo ou instituições públicas ou privadas que não têm como objetivo somar conhecimentos jurídicos.

Recentemente cinco dos onze ministros integraram a comissão de empresários liderados por João Doria para discutir assuntos comerciais e empresariais em Nova York.

Outra causa da inovação legislativa por parte do STF talvez resida no excesso de erudição dos insignes Ministros que passam a ter uma visão maior do que a dos legisladores, para regular determinadas matérias. Há quem diga que os Ministros se comportam como Deuses do Olimpo.

Talvez o excesso de conhecimento, não necessariamente de natureza jurídica, leva os Ministros a rever a velha jurisprudência, o que sempre causa insegurança, ainda que alterando para o melhor, n'um ou noutro caso.

A revisão da jurisprudência  pró Fazenda, hipótese mais comum, tem a sua raiz na proximidade dos ilustres integrantes do Judiciário com as autoridades do Executivo que atualmente, até churrascos está oferecendo aos Ministros.

Se é ruim a desarmonia entre os Poderes, o excesso de harmonia entre eles, igualmente, é ruim. O certo é não perder de vista a independência e harmonia de que trata o art. 2º da Constituição.

Tudo indica que os atuais Ministros estão revendo as decisões proferidas por seus antecessores.

A Corte Maior de hoje não é a mesma dos tempos dos Ministros, Moreira Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Nery de Silveira e tantos outros que marcaram passagem naquela Casa conhecida como Templo do Direito.

O pior é que estão inovando a jurisprudência, atacando situações cobertas por coisa julgada que passa perder o seu efeito com a nova decisão proferida vários lustros depois, sem modulação de efeitos, que surtem efeitos ex tunc.

E essa alteração, de regra, ocorre com fundamentos que nada têm de jurídico.

Só para citar, foi o caso do desfazimento da coisa julgada em torno da CSLL fundada na igualdade de atuação das empresas que se submetem ao princípio da livre concorrência.

Argumentou-se que se uma parte das empresas deixa de pagar  a CSLL sob o amparo da coisa julgada, enquanto outras têm que arcar com esse ônus tributário acarreta a quebra do princípio da igualdade e da livre concorrência.

Com todas as vênias, não tem nada a ver. A igualdade de que fala a Corte Suprema é a jurídica que determina tratar diferentemente quem é titular de coisa julgada e quem não é titular dessa coisa julgada.

A igualdade material em que se fundou o julgado do STF não existe na seara do direito. Uns nascem ricos, outros nascem pobres; um nasce com doenças, outro nasce sem, e assim por diante.

Um exemplo prático bem ilustra o que estamos falando.

Patrocinamos dezenas de causas para os Procuradores Municipais, pleiteando o reajuste salarial previsto em lei.

No caso versado, o novo critério legal de reajuste, desvantajoso em relação ao critério legal vigente no mês de competência, foi aplicado com o efeito retroativo, ofendendo o princípio do direito adquirido protegido em nível da cláusula pétrea.

Em cerca de 20% das demandas perdemos, e ganhamos em 80% dos casos, ensejando salários diferentes para os procuradores que exercem as idênticas funções.

Para aplicar o princípio da igualdade a que aludiu o STF as decisões favoráveis deveriam ser cassadas para que todos passem a ganhar igual. Outra alternativa seria a de a administração reverter as decisões desfavoráveis, estendendo àqueles que perderam a demanda os mesmos benefícios alcançados pelos que venceram a demandas judicial para que todos os procuradores passassem a ganhar igual e assim satisfazer o princípio da igualdade.

É claro que semelhante hipótese implicaria afronta ao princípio da igualdade ao equipar os desiguais.

Enfim, a adoção de considerações extrajurídicas, como vêm acontecendo com intensidade cada vez maior, talvez fruto de conhecimentos filosóficos  dos insignes Ministros do STF, conduz à total insegurança jurídica.

A lei deve ser interpretada segundo as regras da hermenêutica jurídica a com total prescindência de noções meta-filo-jurídicas.

Somente a lei que encerra uma vontade objetiva, perene e imutável propicia a segurança jurídica à medida que possibilita a todos, saber de antemão, o que pode fazer e não fazer. As decisões judiciais calcadas em elementos extrajurídicos são imprevisíveis, às vezes, dependentes até do humor do julgador.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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