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Exploração da propriedade intelectual alemã

Um panorama do valor da propriedade industrial no pós-guerra: a moeda da derrota e o valor monetário relacionado a uma patente.

domingo, 11 de junho de 2023

Atualizado em 12 de junho de 2023 08:13

Patentes como espólio de guerra

De 1939 a 1945 acontece a Segunda Guerra Mundial. Divido entre Aliados e Eixo, o mundo vive um período de enfrentamento que inclui Europa, África, Ásia e Oceania.

Em 30 de abril de 1945, o exército vermelho invade Berlin. Havia muita ansiedade de Stalin para chegar à capital alemã antes da Inglaterra e dos Estados Unidos. O líder soviético calculava que, quem chegasse primeiro a esta cidade, entraria para a história como vencedor da guerra. Não obstante, o primeiro a pisar na capital germânica poderia ter acesso a segredos militares e industriais antes de seus aliados.

Hitler entende que o fim se aproxima e realiza seus preparativos antes da sua derrota inevitável. Assim, ao ouvir os bombardeios e ataques cada vez mais próximos de seu bunker, ele se casa com sua amante Eva Braun, se despede de seus colegas e põe fim à própria vida com um tiro de revólver em sua têmpora direita. Em 02 de setembro de 1945, os japoneses põe fim à Guerra, assinando sua rendição aos Estados Unidos.

 (Imagem: Divulgação)

Exército Vermelho no centro da cidade de Berlim.(Imagem: Divulgação)
Como de praxe, os vencedores dividem os espólios da nação vencida. As quatro potências vencedoras, França, Estados Unidos, Grã-bretanha e União Soviética, dividiram o território alemão em quatro zonas de ocupação. Berlim, que ficava no interior da Alemanha oriental, sob controle da União Soviética, também foi dividida em quatro fatias territoriais. Tudo o que sobrou de equipamento militar também foi dividido entre as potências vencedoras.

A reparação

O que mais chama atenção, contudo, e o que nos fez debruçar sobre o tema, é a reparação da Alemanha aos aliados por meio de documentos de patentes e segredos industriais.

Hoje sabe-se que um dos indicadores utilizados para avaliar a inovação de um país é a quantificação de pedidos de patentes feitos em determinada época. A Figura 2 traz gráficos que ilustram esses dados na França, Alemanha, Japão, Reino Unido e Estados Unidos, contemplando os períodos do pré, durante e pós 2ª Guerra.

 (Imagem: Divulgação)

Total de pedidos de patentes realizados via nacional e PCT para cada país.(Imagem: Divulgação)

Nota-se que, entre 1920 e 1935, a Alemanha era um dos países com maior número de depósitos de pedidos de patente no mundo e com o maior número de cientistas agraciados com um prêmio Nobel. Esse conjunto indica a Alemanha como um dos países mais inovadores ao redor do globo na época.

Diante dessa constatação, após a derrota da Alemanha na 2° Guerra Mundial, os aliados, principalmente Estados Unidos e Inglaterra, confiscaram uma grande quantidade do know how científico e técnico alemão, além de patentes, copyrights e marcas do país, tomando o argumento de reparação intelectual como base dessa ação. Em 1947, entretanto, o diretor do Escritório de Serviços Técnicos do Departamento de Comércio dos Estados Unidos justificou tal empreitada da seguinte forma:

"A justificativa fundamental dessa atividade é que nós vencemos a guerra e os alemães não". (tradução nossa)

Independente da motivação real, o valor total de todos esses bens somava aproximadamente 10 bilhões de dólares, o que seria equivalente a 150 bilhões de dólares em 2022.

As licenças de patentes, desenhos e equipamentos físicos alemãs investigadas abrangiam muitos produtos e processos, tais como: túneis de vento, borrachas e combustíveis sintéticos, motores a diesel, processadores de filme colorido, prensas pesadas, maquinários pesados, microscópicos eletrônicos, cosméticos, máquinas têxteis, toca-fitas, inseticidas, cerâmicas, condensadores eletrônicos, entre outras tecnologias.

Para catalogar toda a propriedade industrial alemã, investigadores enviados para o solo germânico rastreavam documentos e os filmavam em centenas de localidades, incluindo as fábricas de câmeras Ernst Leitz; a farmacêutica Merck; as instalações da M.A.N. da B.M.W e da Bosch, bem como todas as grandes universidades do país. Estas abordagens tinham autorização da Agência de Informação de Campo e Técnica da Europa, com objetivo de extrair todo o know how científico e técnico e transferi-los para os países vencedores da guerra.

Patentes inimigas nos estados unidos

Tratando-se especificamente dos Estados Unidos, estima-se que a Custódia da Propriedade Estrangeira, órgão governamental dos EUA que servia de guardião de propriedades de países inimigos, adquiriu, em termos quantitativos, aproximadamente 46.000 patentes, pedidos de patentes e invenções não patenteadas, tornando-se o maior detentor dessas patentes no mundo. Embora seja impossível avaliar em termos exatos a importância econômica dessas patentes adquiridas, sabe-se que tais documentos cobrem quase todas as classificações internacionais utilizadas pelo USPTO, o Escritório de Patentes dos Estados Unidos.

As patentes que ficaram sob controle da Custódia da Propriedade Estrangeira foram classificadas em três grupos: 1) patentes que não foram licenciadas antes da data de aquisição; 2) patentes que foram licenciadas ou cedidas antes da data de aquisição e 3) patentes detidas por sociedades investidas ou fiscalizadas pelo órgão.

Primeiramente, cabe destacar que uma licença consiste em um contrato em que o titular de uma patente autoriza o uso e a fruição dos direitos de propriedade desse documento a terceiros. São descritos os desdobramentos impostos a cada um dos três grupos: 1) patentes que não foram licenciadas antes da data de aquisição; 2) patentes que foram licenciadas ou cedidas antes da data de aquisição e 3) patentes detidas por sociedades investidas ou fiscalizadas pelo órgão.

  1. As patentes da Alemanha ainda não licenciadas para os americanos no momento da aquisição foram licenciadas em uma base não exclusiva e isenta de royalties. Patentes adquiridas de países ocupados pelo inimigo também foram licenciadas de maneira não exclusiva, mas nesse caso não foram isentas de royalties.
  2. Em relação à segunda categoria, um grande número de patentes de origem inimiga em uso nos Estados Unidos foi licenciado ou cedido a americanos antes que o Custodiante realizasse seu programa de aquisição. Quando tais licenças e cessões representavam acordos de boa-fé de natureza lícita entre americanos e estrangeiros, a política do Custodiante era não as perturbar. Em alguns casos, os acordos foram na forma de licenças exclusivas ou não exclusivas, ou seja, o proprietário estrangeiro mantinha a titularidade, mas concedia o uso da patente para um único ou para vários licenciados.
  3. Por fim, para a terceira categoria, o interesse era proteger as invenções do inimigo, exercendo seu controle através da seleção do pessoal administrativo, por exemplo. Este pessoal é então confiado a administração de todos os ativos adquiridos da empresa. Desta forma, o Custodiante procurou consistentemente preservar o valor dos ativos das empresas investidas. As patentes de muitas empresas são ativos importantes, podendo determinar a capacidade da empresa em competir com outras empresas no mesmo campo e constituindo ativos comercializáveis, as vezes de grande valor. Em alguns casos, os ativos de patentes em grande parte determinam o valor dos ativos não patenteados.

Supremacia alemã: mito ou verdade?

O mito de longa data da superioridade técnica alemã reorientou as comunidades científicas e técnicas do ocidente em uma sequência de amplos esforços empreendidos pelos Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética. Entretanto, para a maioria dos investigadores, a maior surpresa encontrada no país não foi a descoberta de um vasto número de segredos científicos, mas sim o desapontamento em relação à descoberta de que a tecnologia estadunidense e britânica era, em geral, mais avançada e mais adequada aos seus países do que qualquer invenção encontrada na Alemanha. Segue um trecho do artigo demonstrando o desapontamento sentido por um dos membros da Sociedade de Engenheiros Automotivos após ouvir de seus investigadores:

[Um investigador] tinha ouvido tanta 'propaganda' da Alemanha que quase se convenceu de que eles tinham algo muito superior a oferecer, mas que sua visita o deixou desapontado com as realizações dos alemães... todas as evidências indicam... que os veículos alemães eram geralmente inferiores aos nossos em termos de confiabilidade e relativa liberdade de problemas. Em suma, as reuniões indicavam que era hora de os engenheiros americanos abandonarem todo sentimento de inferioridade remanescente dos dias em que se admitia geralmente que, como artesãos e engenheiros, 'não tinha igual os alemães'. (tradução nossa)

A indústria química, incluindo a famosa IG Farben, é um dos campos que certamente a Alemanha liderava. As investigações da indústria química receberam grande cobertura nos jornais dos Estados Unidos. Contudo, após as investigações, mesmo em produtos químicos, há sinais de sincera decepção em relação à ciência alemã e à tecnologia envolvida na época, conforme exposto em um editorial do Chemical and Engineering News de julho de 1945:

"Mais uma vez o mito da bem anunciada superioridade da Alemanha em assuntos químicos foi desfeito pelos relatórios da missão de tecnólogos americanos que inspecionaram as fábricas e laboratórios de Buna antes do dia V-E. Não há indicação de que as técnicas alemãs de borracha sintética sejam de grande ajuda para a indústria de borracha americana porque nossos processos atuais são superiores em muitos aspectos.." (tradução nossa)

Cabe destacar que a Alemanha apresentava um repertório inovador e único em áreas específicas, como invenções, ideias, processos valiosos e fórmulas de produtos químicos. Além disso, a importância das inovações alemãs no setor aeroespacial na década de 1930 e 1940 é indiscutível, além de outras áreas de maior e menor importância.

O desfecho

Após o processo de exploração do know how alemão, foi estabelecido o Tratado de Paz de Paris em 1947, a partir do qual as potências ocidentais concordavam sobre distribuir as indenizações de guerra entre si. Além disso, foram estipuladas obrigações de reparação para a Alemanha compensar os refugiados e vítimas da perseguição nazista. O tratado, entretanto, não mencionava um montante total a ser pago.

Conclusão

Sendo as tecnologias alemãs superiores ou não a dos vencedores da 2ª Guerra, o histórico de interesse de países poderosos em propriedade intelectual reforça a importância que esse tipo de ativo tem inclusive para empresas e seu posicionamento de mercado. De elemento considerado para valuation e tomada de decisão de investidores à indicador de desenvolvimento e autonomia de um país, a preocupação com um portfólio de propriedade intelectual tem historicamente feito parte de estratégias e tomadas de ação com alto impacto no cenário mundial.

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Ari Magalhães

Ari Magalhães

Engenheiro mecânico, advogado especialista em patentes e Sócio fundador do MNIP - Magalhães Nogueira Sociedade de Advogados, escritório boutique de propriedade industrial.

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