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Em qual juízo demandar medicamentos registrados na ANVISA mas não incorporados pelo SUS?

Recente decisão do STF reforça a importância de o autor da ação definir com precisão o Juízo e indicar tecnicamente os entes federativos que deverão ser demandados para facilitar o acesso ao medicamento receitado para seu tratamento.

terça-feira, 6 de junho de 2023

Atualizado às 13:34

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou os dados da pesquisa "Judicialização e Sociedade: Ações para Acesso à Saúde Pública de Qualidade"1 apontando que a cada ano aumenta o número de casos na Justiça referentes à área de saúde, ultrapassando 2,5 milhões de processos entre os anos de 2015 e 2020. Grande parte dessas ações ajuizadas são decorrentes de temas que tem assunto principal "fornecimento de medicação".

O que se constata é a crescente judicialização visando o fornecimento de medicamentos ainda não registrados na Anvisa e sobre medicamentos já registrados pela Anvisa, mas que não integram a lista padronizada do Sistema Único de Saúde (SUS).

Sendo assim, para facilitar o acesso do cidadão ao medicamento receitado para seu tratamento, é imperioso que o operador do direito fique atento às regras de competência e conheça profundamente a jurisprudência relacionada aos diferentes entes federativos (União, Estados e Municípios).

Com efeito, os Poderes Legislativo e Executivo buscaram organizar e refinar a repartição de responsabilidades no âmbito do Sistema Único de Saúde, especialmente por meio das Leis 12.401/2011 e 12.466/2010 na Lei 8.080/1990, Decreto 7.508/2011; e sucessivas pactuações no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite.

Os medicamentos incluídos no Componente Especializado de Assistência Farmacêutica (CEAF) do SUS estão devidamente compartimentados entre os entes federativos, de acordo com suas características, custos e complexidade.

Considerando o arcabouço institucional que o Legislador, no exercício de sua liberdade de conformação, deu ao Sistema Único de Saúde, a Jurisprudência pátria avançou no conceito de solidariedade. A solidariedade, entretanto, é ainda um conceito em desenvolvimento, inclusive no âmbito do Tema de Repercussão Geral2. Com efeito, o Min. Edson Fachin, no voto condutor do Tema 793, notou a necessidade de aprimoramento da jurisprudência quanto à solidariedade como a "possibilidade de dar um passo à frente para racionalizar o sistema do SUS, conferir-lhe eficiência, incluindo a economia (com menos recursos, obter melhores resultados)."

Ressalve-se que, a tese firmada com o Tema 793 não aludiu a uma solidariedade irrestrita, mas à compartimentalização de responsabilidades à luz da estrutura do SUS. Em outras palavras, embora a solidariedade quanto às prestações na área da saúde seja um conceito em desenvolvimento, inclusive no âmbito do STF, as demandas judiciais em que se pleiteia medicamentos padronizados devem ser direcionadas aos entes por eles responsáveis no âmbito da política pública. Solução em sentido contrário implicaria a completa desorganização da política pública, com a formação do polo passivo baseada em mero elemento de vontade da parte autora, em aceno de desrespeito à política pública e de incentivo ao ente federativo faltoso no cumprimento de suas obrigações legais.

É nesse contexto que sobreleva a importância de se trabalhar a competência para demandar medicamentos registrados na ANVISA mas não incorporados pelo SUS. A questão é objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1366243, que, por unanimidade, teve repercussão geral reconhecida no Plenário Virtual em acórdão publicado em 13/09/2022. DJE nº 182, divulgado em 12/09/2022 (Tema 1.234 da Repercussão Geral).

Diante do quadro de insegurança jurídica sobre o tema, foi determinado, com fundamento no art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, a suspensão nacional do processamento dos recursos especiais e extraordinários que tratam da questão controvertida no Tema 1.234 da Repercussão Geral, inclusive dos processos em que se discute a aplicação do Tema 793 da Repercussão Geral, até o julgamento, ressalvado o deferimento ou ajuste de medidas cautelares.

Após essa decisão, sobreveio o julgamento do mérito do IAC 14 pelo Superior Tribunal de Justiça, que constituiu fato novo relevante que impactou diretamente o desfecho do Tema 1234, tanto pela coincidência da matéria controvertida, quanto pelas próprias conclusões da Corte Superior no que concerne à solidariedade dos entes federativos nas ações e serviços de saúde.

Em razão desse julgamento, os Estados e o Distrito Federal atuando conjuntamente por meio do Colégio Nacional de Procuradores Gerais dos Estados e do Distrito Federal - CONPEG, admitido nestes autos como amicus curiae, formularam pedido de tutela provisória incidental para "fixar a orientação de que é da Justiça Federal a competência para o processamento e julgamento das demandas que versem sobre o fornecimento de medicamentos e prestação de obrigações de saúde, até que haja decisão final do Tema 1234/RG.

O STF, em 18 de abril de 2023, por unanimidade, referendou a decisão antecipatória, no sentido de conceder parcialmente o pedido formulado em tutela provisória incidental, para estabelecer que, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a atuação do Poder Judiciário seja regida pelos seguintes parâmetros:

(i) nas demandas judiciais envolvendo medicamentos ou tratamentos padronizados: a composição do polo passivo deve observar a repartição de responsabilidades estruturada no Sistema Único de Saúde, ainda que isso implique deslocamento de competência, cabendo ao magistrado verificar a correta formação da relação processual, sem prejuízo da concessão de provimento de natureza cautelar ainda que antes do deslocamento de competência, se o caso assim exigir;

(ii) nas demandas judiciais relativas a medicamentos não incorporados: devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo;

(iii) diante da necessidade de evitar cenário de insegurança jurídica, esses parâmetros devem ser observados pelos processos sem sentença prolatada; diferentemente, os processos com sentença prolatada até a data desta decisão (17 de abril de 2023) devem permanecer no ramo da Justiça do magistrado sentenciante até o trânsito em julgado e respectiva execução (adotei essa regra de julgamento em: RE 960429 ED-segundos Tema 992, de minha relatoria, DJe de 5.2.2021);

(iv) ficam mantidas as demais determinações contidas na decisão de suspensão nacional de processos na fase de recursos especial e extraordinário".

Sendo assim, conforme fixado pelo item ii, as demandas que envolvam medicamentos registrados na ANVISA, mas não incorporados pelo SUS, devem ser processadas e julgadas pelo Juízo, estadual ou federal, ao qual foram direcionadas pelo cidadão, sendo vedada, até o julgamento definitivo do Tema 1234 da Repercussão Geral, a declinação da competência ou determinação de inclusão da União no polo passivo.

Ou seja, sobreleva a importância de o autor da ação definir com precisão o Juízo e indicar tecnicamente os entes federativos que deverão ser demandados para facilitar o acesso ao medicamento receitado para seu tratamento.

É induvidoso que a eficiência na dispensação é facilitada em casos que figurem no polo passivo da demanda a pessoa política com competência administrativa para o fornecimento (dispensação) daquele medicamento, tratamento ou material, a ser identificada de acordo com a omissão que tenha ensejado a ação judicial.

Essa concepção pode ser reforçada à luz do enunciado 8 das Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça: Nas apreciações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas as regras administrativas de repartição de competência entre os entes federados. (Redação dada pela III Jornada de Direito da Saúde - 18.03.2019)

Sobre o tema, esmiuçando acórdão e as discussões travadas, é possível observar, obiter dicta, indícios de posicionamentos futuros apontados pelo Ministro Dias Toffoli, quando asseverou:

"Se a atribuição for técnica, a competência para estabelecer qual é o medicamento é do ente federal, a CONITEC/União, como já fixamos, mesmo naqueles casos em que não haja política definida. Se a atribuição for de execução - como ocorre na demanda apresentada pela União por meio de memoriais, segundo o que disse o Ministro Fux - a competência caberá ao estado ou ao município, conforme o nível de responsabilidade da política de saúde em cada caso concreto, com divisão de custeio entre os entes."

Sendo assim, cabe aguardar o desfecho do julgamento de mérito do Tema 1234, prevalecendo, até o momento, a competência do juízo de acordo com os entes contra os quais a parte autora elegeu demandar.

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1 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/07/Relatorio_Judicializacao-e-Sociedade-16072021.pdf

2 Tema 793 - Responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde:  "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro."

Wendel Piton

Wendel Piton

Advogado e Procurador do Estado. Professor e Coordenador do Curso Themas. Coautor de obras jurídicas.

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