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Matérias de ordem pública e a necessária distinção sobre os efeitos da preclusão temporal e consumativa no STJ

O fato de a matéria ser de ordem pública não permite que havendo sido objeto de exame (e já transitada em julgado), possa ser revisitada ad infinitum, pois tal hipótese geraria insegurança jurídica.

sábado, 3 de junho de 2023

Atualizado em 2 de junho de 2023 14:43

O STJ pacificamente vinha decidindo que as matérias de ordem pública, tais como competência, legitimidade, podem ser suscitadas a qualquer momento e grau de jurisdição, não sofrendo os efeitos da preclusão temporal. No entanto, quanto aos efeitos da preclusão consumativa não se tinha um consenso.

Ocorre que decisões recentes vêm demonstrando que a corte tem feito uma distinção clara entre os efeitos da preclusão temporal e da consumativa no que refere às matérias de ordem pública.

São inúmeros os precedentes afirmando que as matérias de ordem pública uma vez decididas, não podem mais ser reanalisadas. Ou seja, embora possam ser apreciadas pela primeira vez em qualquer grau de jurisdição, todavia, tendo sido decididas anteriormente se sujeitam à preclusão consumativa. Neste sentido:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.989.439 - MG EMENTA CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONVENCIONAL MORATÓRIA. VIOLAÇÃO DO ART. 51, IV, DO CDC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. PRECLUSÃO CONSUMATIVA DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO NA ESPÉCIE. APELAÇÃO NÃO INTERPOSTA POR AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PRESCRIÇÃO. OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PRAZO APLICÁVEL. REGRA DE TRANSIÇÃO. PRETENSÃO NÃO PRESCRITA. CLÁUSULA PENAL. DEVER DE REDUÇÃO IMPOSTO PELO ART. 413 DO CC/2002. ANULAÇÃO POR OUTROS FUNDAMENTOS. POSSIBILIDADE. ABUSO DE SITUAÇÃO MANIFESTAMENTE DESFAVORÁVEL A OUTRA PARTE. DEVER DE COOPERAÇÃO E COLABORAÇÃO. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA. CONFIGURAÇÃO. 5. Segundo a jurisprudência do STJ, as matérias de ordem pública não estão sujeitas à preclusão temporal, porém, uma vez decididas e julgados ou não interpostos os recursos cabíveis, submetem-se à preclusão consumativa, não podendo ser reapreciadas, a teor do disposto nos arts. 505 e 507 do CPC/2015. Brasília (DF), 04 de outubro de 2022(Data do Julgamento) MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Ainda nos mesmos termos:

- AgInt no AREsp 1.406.268/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe 18/11/2019;

- Resp. 1.783.281/PE, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 29/10/2019;

- AgInt no AREsp 1.435.606/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 04/10/2019.

Tal posicionamento converge no mesmo sentido da vedação à reanálise prevista nos artigos 505 e 507 do Novo Código de Processo Civil. O intuito claro dos dispositivos é afastar as mesmas discussões no decorrer da ação após o trânsito em julgado das matérias em respeito à segurança jurídica e à coisa julgada.  Entendimento contrário possibilitaria que relações processuais já estabilizadas por decisões judiciais ou por consenso das partes pudessem vir a ser reavivadas.

Outro argumento para a impossibilidade de reanálise é a necessidade de razoável duração do processo. Não fosse vedada a rediscussão, aumentaria a possibilidade de tumulto da marcha processual com o ressurgimento, a qualquer momento, de questões já dirimidas ao longo da demanda em um país que tem mais de 77,3 milhões de processos1 em tramitação e precisa que as ações caminhem para o seu deslinde final e não em círculo.                   

É importante ainda ressaltar que o dispositivo 1.000 do Código de Processo Civil de 2015 afirma que se a parte aceitar expressa ou tacitamente uma decisão não poderá recorrer posteriormente fundamentando tal matéria, pois o fato de ser de ordem pública não permite que, havendo sido objeto de exame, possa ser revisitada.

A inteligência do artigo 1.000 é coibir que não sendo impugnada a decisão no momento oportuno, seja reaberta a possibilidade de discutir matéria decidida há anos. No mesmo sentido:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO APELO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA REQUERIDA. 1. As matérias de ordem pública, como prescrição e decadência, podem ser analisadas a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Todavia, quando decididas no bojo do despacho saneador, sujeitam-se a preclusão consumativa, caso não haja impugnação no momento processual oportuno. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1542001/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe. 12/11/2019).

E ainda:

-  AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.605.720/MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 15/03/2023.

- Resp. n. 1.972.877/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 29/09/2022.

Verifica-se claramente uma consonância da jurisprudência com o Código de Processo Civil no sentido de impedir que o julgador decida duas vezes uma mesma matéria, mantendo assim a otimização da prestação jurisdicional, a estabilidade do processo e a isonomia das decisões judiciais transitadas em julgado.

Assim, embora as matérias de ordem pública não sejam atingidas pela preclusão temporal, podendo serem suscitadas em qualquer tempo e grau de jurisdição, a partir do momento em que tais questões são submetidas à apreciação do Juiz, elas podem sofrer o efeito de outra espécie de preclusão, qual seja, a consumativa, bastando para tanto que a resposta jurisdicional tenha se tornado definitiva, ou seja, não admita mais recurso.

 Ademais, o fato de a matéria ser de ordem pública não permite que havendo sido objeto de exame (e já transitada em julgado), possa ser revisitada ad infinitum, pois tal hipótese geraria insegurança jurídica.

___________

1   Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/sumario-executivo-jn-v3-2022-2022-09-15.pdf. Consultado em 27.01.2023.

___________

Disponível em https://www.stj.jus.br. REsp n. 1.972.877/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 29/09/2022. Consultado em 29.05.2023.

Disponível em https://www.stj.jus.br. AgInt no AREsp 1406268/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, DJe. 18/11/2019. Consultado em 29.05.2023.

Disponível em https://www.stj.jus.br.  REsp 1783281/PE, Rel Min. Og Fernandes, DJe. 29/10/2019. Consultado em 29.05.2023.

Disponível em https://www.stj.jus.br. AgInt no AREsp 1435606/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 04/10/2019. Consultado em 29.05.2023.

Disponível em https://www.stj.jus.br. REsp n. 1.989.439/MG, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 6/10/2022. Consultado em 29.05.2023.

Disponível em https://www.stj.jus.br. AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.605.720/MS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 15/3/2023. Consultado em 29.05.2023.

Disponível em https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/sumario-executivo-jn-v3-2022-2022-09-15.pdf. Consultado em 27.01.2023.

Janielly Nunes e Silva

Janielly Nunes e Silva

Pós-graduanda na pós de Recursos Cíveis e precedentes do Instituto Luís Mário Moutinho. Mestranda no PPGDUNICAP. Advogada em Recife.

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