Os impedimentos dos árbitros para compor um tribunal arbitral
O tema tem sido objeto de estudos doutrinários em teses nas universidades, em livros publicados por professores e especialistas e, obviamente, diz respeito à jurisdição arbitral.
quinta-feira, 1 de junho de 2023
Atualizado às 08:09
Muito se tem discutido e debatido sobre a questão contida no título deste breve escrito, quer no circuito dos tribunais, no Congresso Nacional, entre os advogados e estudiosos do direito e na imprensa leiga. O tema tem sido objeto de estudos doutrinários em teses nas universidades, em livros publicados por professores e especialistas e, obviamente, diz respeito à jurisdição arbitral, ou seja, à possibilidade de questões, litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (contratos, partilha de bens, danos, prejuízos etc.) das pessoas naturais e jurídicas serem solucionados fora do Poder Judiciário, pela vontade das partes envolvidas que tenham capacidade para contratar.
O ambiente fora da jurisdição estatal onde as partes, por sua livre vontade, na maioria dos países, podem obter uma solução para aquelas desavenças patrimoniais com a mesma força e eficácia de uma decisão judicial proferida pelo órgão competente do Estado (Judiciário), é a arbitragem, atualizada entre nós desde 1996, pela lei 9.307.
Na arbitragem impera a vontade das partes, (a) quer para a escolha da lei aplicável, dês que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública, e até, salvo para a administração pública, da equidade, tudo ajustado mediante "convenção de arbitragem" (cláusula compromissória ou compromisso arbitral), trato autônomo, de força vinculante e caráter obrigatório (REsp 1.465.535, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma do STJ); (b) quer para o procedimento de acordo com as regras de alguma câmara de arbitragem ou entidade especializada, ou criadas pelas próprias partes, isoladamente, ou com os árbitros por delegação daquelas; c) quer para a nomeação dos árbitros que pode recair em qualquer pessoa capaz e é sobre estas relevantes figuras da arbitragem que continuaremos a versar neste artigo.
O árbitro é, realmente, figura de destaque na arbitragem, escolhido pelas partes, porém, em contrapartida, tem deveres e obrigações tanto ou mais quanto outra figura relevante e modelar, na jurisdição estatal, o "juiz de direito", que é uma autoridade, expressão da soberania estatal, agente do Estado dotado de poderes coercitivos nos termos da lei, escolhido por sorteio para compor litígios em razão da matéria ou de determinada localização geográfica.
Princípio importante na arbitragem é a questão da "confiança" das partes no árbitro, mencionada no art. 13 da lei 9.307. De ambas as partes - compreenda-se -, porquanto o contrato de investidura dos árbitros não é um contrato exclusivo entre quem indica seu nome e o árbitro, mas um contrato deste com as partes, que esperam seu bom serviço na solução do litígio e, para tanto, o remuneram.
Assim, a confiança a que se refere a lei de arbitragem é um princípio, consoante lição da renomada jurista Judith Martins-Costa, autora que ao dissertar sobre o contrato de investidura do árbitro, em sua notável obra sobre a "boa-fé", deixa claro que o princípio da confiança é encontrado no direito público (irmanado à segurança jurídica) como também no direito privado (vinculado à boa-fé). Daí deve-se interpretar a menção à confiança contida na lei, como um princípio geral do direito, a boa-fé.
A imparcialidade e a independência dos árbitros são requisitos impostos para suas indicações, nas legislações de todos os países e acentuados pela doutrina universal, mas a legislação brasileira foi mais adiante e além da parcialidade e da dependência, cuidou de outros impedimentos dos árbitros, que se identificariam com algumas das relações que caracterizam os casos de impedimentos ou suspeição de juízes (art. 14 da lei básica de regência), tais como parentescos, amizades ou inimizades com as partes ou seus advogados com as quais tenham alguma relação comercial ou financeira e outras circunstâncias previstas nos artigos 144 e 145 do Código de Processo Civil vigente, de forma não exaustiva. Tais disposições legais, como as que constavam no CPC anterior, não enfeixam um rol taxativo de impedimentos, de acordo com entendimento expresso em julgamento da 3ª. Turma do STJ, no REsp nº 1.526.789, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi (o acórdão faz menção aos artigos do CPC revogado).
No que tange a estes impedimentos, é oportuno relembrar que a arbitragem, sem ofensa nenhuma à legislação do País, se institui pela livre vontade das partes, no âmbito da autonomia privada, podendo estas, estabelecerem outros impedimentos para a escolha dos árbitros, por vontade própria ou concordância com impedimentos estabelecidos nos regulamentos das câmaras ou centros de arbitragens, nas arbitragens institucionais, de modo a criar outros impedimentos distintos dos que a lei registra.
As partes, assim, podem estabelecer que os árbitros sejam exclusivamente brasileiros, o que impede, ao contrário do que faculta a lei, a atuação de árbitros estrangeiros, ou ajustar que aqueles tenham formação jurídica em países cujo direito seja filiado ao sistema jurídico da civil law (nosso sistema); ou que sejam exclusivamente advogados ou tenham mais de vinte anos de formação jurídica; ou que nunca tenham prestado serviços de qualquer natureza a qualquer uma das partes em um determinado litígio, ainda que sobre tema diverso do objeto daquela desavença.
Tais opções de impedimentos dependem apenas da vontade uniforme e expressa das partes para criá-los ou aceitá-los.
Oportuno lembrar que tais impedimentos podem inclusive serem impostos por agências reguladoras, como acontece no setor de energia elétrica que impõe, desde 2004, que os agentes (empresas) vinculados à agência de comercialização de energia elétrica - CCEE resolvam suas divergências, entre eles e entre um deles e a CCEE, na jurisdição arbitral, quanto aos conflitos que envolvam direitos disponíveis, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, sujeitos os árbitros destas arbitragens a diversos impedimentos, antes bem numerosos previstos no artigo 58 da Resolução Normativa 109/04.
Atualmente os impedimentos dos árbitros estão enumerados de forma bem menos rigorosa na cláusula 13 da Resolução Homologatória 3.173/23 da Agência Nacional de Energia elétrica - ANEEL, o que amplia o quadro de árbitros, porém pode gerar mais problemas de árbitros impedidos, principalmente, para aqueles que tiveram vínculos de trabalho com alguns agentes da CCEE, ou mantem alguma relação com estes. Lembra-se que, há dois anos, havia mais de 12 mil agentes da CCEE e mais de um milhão de advogados, espalhados em todo Brasil, o que torna impossível para as partes descobrir quem está impedido de ser árbitro.
Das circunstâncias e situações que podem revelar a parcialidade ou dependência dos árbitros em relação às partes e seus impedimentos, surgem obstáculos para a escolha daqueles, razão por que é de fundamental importância no procedimento arbitral uma obrigação dos árbitros, o "dever de revelação", que, caso não cumprido, pode causar a nulidade do procedimento arbitral por emanar de quem não podia ser árbitro (art. 32, inc. II da lei de arbitragem), além de gerar a responsabilidade civil dos omissos para indenizar os prejudicados.
Tal obrigação está prevista no art. 14, § 1º, da lei de arbitragem e a revelação sempre de boa-fé deve anteceder a aceitação pelo árbitro de sua nomeação, e o dever é mantido durante o curso do procedimento, pois caso surja um acontecimento capaz de acarretar alguma dúvida sobre a imparcialidade, independência ou impedimento do árbitro, deve ser por ele fielmente revelado às partes em qualquer fase do procedimento arbitral.
Finalmente deve ser realçado que o dever de revelação do árbitro, segundo a melhor doutrina e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é matéria de ordem pública, proclamado por sua Corte Especial (Sentença Estrangeira 9.412, Rel. Min. João Otávio de Noronha), razão por que uma sentença arbitral proferida em outro País não foi reconhecida no Brasil, e se proferida no Brasil por árbitro que não cumpriu com seu dever de revelação ou o fez com omissões, a decisão deverá ser anulada pelo Judiciário que, apesar de prestigiar a arbitragem, não tem admitido a eficácia de uma sentença arbitral maculada com ofensas à ordem pública, ao devido processo legal e ao princípio da boa-fé, de conformidade com o disposto no art. 32 da Lei de arbitragem.