Bullying e assassinatos em massa em escolas
O bullying é um problema multifacetado, que é mais bem compreendido no contexto social mais amplo em que ocorre.
sexta-feira, 2 de junho de 2023
Atualizado às 08:53
Diante dos tristes ataques em escolas que foram realidade no Brasil, é importante esclarecer sobre a definição de bullying, sua relação com transtornos mentais e com homicídio em massa seguidos de suicídio, um fenômeno em que o indivíduo mata mais de uma pessoa e comete suicídio (KNOLL, 2016).
O bullying na escola é uma preocupação para muitos alunos, professores e pais. É uma experiência que prevalece em inúmeras escolas. O bullying é um problema multifacetado, que é mais bem compreendido no contexto social mais amplo em que ocorre.
O bullying na escola surge de uma interação complexa entre as características individuais de agressores, vítimas e espectadores, suas experiências familiares, ambiente escolar, postura dos professores, influências de colegas e da comunidade em geral (ESPELAGE; LA RUE, 2012).
O bullying acontece quando o aluno é exposto, repetidamente, ao longo do tempo, a ações negativas por parte de um ou mais alunos (OLWEUS, 2001). Está implícito que o bullying é intencional e envolve um abuso de poder dos perpetradores frente a vítima (ESPELAGE; LA RUE, 2012).
O bullying assume muitas formas, desde danos físicos diretos a agressão física; a insultos e ameaças verbais; a exclusão, humilhação e disseminação de rumores; ao assédio eletrônico usando textos, e-mails ou meios online (HYMEL; SWEARER, 2015).
Não há um único fator de risco identificável que coloca as crianças em risco de sofrer bullying, mas, as crianças que sofrem bullying são frequentemente vistas por seus colegas como sendo diferentes, como aquelas que usam óculos, se vestem de forma diferente, estão acima do peso, têm poucos amigos, menos habilidades sociais ou têm um transtorno mental (FISHER; CASSIDY; MITCHELL, 2017; FLANNERY; MODZELESKI; KRETSCHMAR, 2013).
É reconhecido que as vítimas experimentam efeitos psicológicos de curto e longo prazo, incluindo problemas acadêmicos e psicossociais (ESPELAGE; LA RUE, 2012), como baixo desempenho acadêmico, dificuldades para dormir, baixa autoestima, ansiedade e depressão (WOLKE; COPELAND; ANGOLD; COSTELLO, 2013).
Crianças que sofreram bullying demonstram ser mais pobres no ajustamento social e emocional, relatado maior dificuldade em fazer amigos, relacionamentos ruins com colegas de classe e maior solidão (FLANNERY; MODZELESKI; KRETSCHMAR, 2013).
Segundo Flannery, Modzeleski e Kretschmar (2013), a vítima de bullying muitas vezes exibe sintomas somático, incluindo dor de cabeça, dor de estômago, insônia, depressão, ameaça ou tentativa suicídio e desejo de portar uma arma para proteção.
Apesar do bullying não ser um fenômeno novo, a atenção nacional foi atraída para suas consequências mais dramáticas na década de 1990, após vários incidentes altamente divulgados de violência escolar, como o massacre de Columbine (FREEMAN; THOMPSON; JAQUES, 2012).
Pesquisas sobre assassinatos em massa em escolas são limitadas, mas em muitos casos eram adolescentes que foram alvos de bullying e alegaram que seus disparos foram em resposta a sua vitimização. Até o momento, não há nenhum perfil do atirador de escola, embora pesquisas tenham sugerido dinâmicas que predispõe a um tiroteio escolar.
O bullying somado a problemas de saúde mental graves, como a psicose, dos perpetradores são um fator de risco para tiroteios em escolas, mas principalmente em combinação com outros fatores, como personalidade antissocial, rejeição social extrema (Flannery; Modzeleski; Kretschmar, 2013), acesso a armas, exposição à mídia violenta, déficits neurobiológicos, traumas na infância, dificuldades escolares, traços de personalidade e pobreza (BUSHMAN et al., 2016).
A longo prazo, o bullying também aumenta o risco de suicídio (Cooper et al., 2012). São duas vezes mais prováveis para tentar o suicídio mais tarde na vida que pessoas que não tiveram a experiência de bullying. (Freeman; Thompson; JAQUES, 2012).
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BUSHMAN, B.J. et al. Youth violence: What we know and what we need to know. Am Psychol. 2016 Jan;71(1):17-39.
ESPELAGE, D.L.; LA RUE L. School bullying: its nature and ecology. Int J Adolesc Med Health. 2011 Nov 4;24(1):3-10.
FISHER, K.; CASSIDY, B.; MITCHELL, A. N. Bullying: Effects on School-Aged Children, Screening Tools, and Referral Sources, Journal of Community Health Nursing, 2017, 34:4, 171-179.
FLANNERY, D. J.; MODZELESKI, W.; KRETSCHMAR, J. M. Violence and school shootings. Curr Psychiatry Rep. 2013 Jan;15(1):331. doi: 10.1007/s11920-012-0331-6. PMID: 23254623.
FREEMAN, B.W.; THOMPSON, C.; JAQUES, C. Forensic aspects and assessment of school bullying. Psychiatr Clin North Am. 2012 Dec; 35(4):877-900.
HYMEL, S.; SWEARER, S. M. Four decades of research on school bullying: An introduction. Am Psychol. 2015 May-Jun;70(4):293-9.
OLWEUS, D. Peer harassment: a critical analysis and some importante issues. In: Graham S, Juvonen J, editors. Peer harassment in school: The plight of the vulnerable and victimized. New York: Guilford, 2001: 3 - 20.
Hewdy Lobo
Psiquiatra Forense (CREMESP 114681, RQE 300311), Membro da Comissão de Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria. Atuação como Assistente Técnico em avaliação da Sanidade Mental.
Elise Karam Trindade
Psicóloga (PUC Campinas e UNIR Espanha), especialista em dependência química (UNIFESP), máster em psicologia legal e forense (UNED Espanha). Coordenadora pedagógica dos cursos de Pós-Graduação UNIP/Vida Mental.