Recuperação judicial: A possibilidade da aplicação do instituto Cram Down no âmbito brasileiro
O Cram Down traz mais liberdade para o magistrado melhor analisar o plano de recuperação judicial e homologa-lo sem a anuência de todos os credores, garantindo atendimento a todos os princípios aplicáveis ao direito recuperacional.
quinta-feira, 1 de junho de 2023
Atualizado às 07:41
Cram Down é um termo utilizado na doutrina norte-americana, regulamentado em sua Lei de Falência (Bankruptcy Code). Mesmo sem tradução, esse instituto permite ao juiz impor aos credores discordantes a aprovação dos planos apresentados pelos devedores já aprovados pela maioria.
Quando o plano de recuperação for rejeitado, o juiz decretará a falência da sociedade empresária devedora. No entanto, o Cram Down surge como exceção, não limitando a ação do magistrado a fazer cumprir a decretação, pois o plano não aprovado poderá ser homologado, observadas as regras do art. 58, §§ 1º e 2º da lei 11.101 de 2005.
No Brasil, o instituto foi adequado, tendo em vista que a análise dos requisitos pelo juiz é objetiva, contrariamente à forma norte-americana, que possibilita discricionariedade na avaliação.
Apesar das duras críticas doutrinárias a esse instituto, há na jurisprudência brasileira vários casos de aplicação do Cram Down, em especial quando se verificou voto contrário dos credores em situações em que havia um ou poucos credores com alta porcentagem de crédito a receber.
Sendo assim, a jurisprudência tem decidido essa questão em concordância com o interesse coletivo e os princípios da preservação e função social da empresa.
Há exemplo na 1ª Vara de Itaperuna (RJ), que concedeu a recuperação judicial à Laticínios Marília (0019720-74.2017.8.19.0026). Após a conclusão da assembleia geral de credores, o juiz José Roberto Pivanti observou que não havia sido alcançado o quórum ordinário para aprovação do plano de recuperação. Porém, lembrou da regra do Cram Down e a aplicou no caso concreto.
Percebe-se que a aplicação do Cram Down pelos juízes singulares e sua confirmação pelos tribunais brasileiros tem sido rotineira, não seguindo rigorosamente seus parâmetros legais, mas amparada pelos princípios que regem o direito falimentar brasileiro.
DO PODER DO JUIZ NA APLICAÇÃO DO INSTITUTO
Em relação ao poder do magistrado na aplicação do instituto, discute-se a possibilidade de que analise a viabilidade econômica do plano de recuperação judicial, sendo que a maior parte da doutrina concorda que o juiz não pode realizar tal avaliação. Isto porque são os credores que fazem essa avaliação, cabendo ao magistrado limitar-se ao controle da legalidade do plano, como consta nos arts. 44 e 46 da lei 11.101 de 2005, apenas analisando a presença dos requisitos do art. 45 ou do art. 58, §1º e eventual aplicação do Cram Down, bem como adequando os procedimentos às normas de nossa Constituição Federal.
Desta forma, percebe-se a atuação delimitada do juiz, que não possui muitos instrumentos para analisar de modo amplo a viabilidade da empresa.
Catarina de Almeida Francisco
Bacharel em Direito com certificado em Direito Penal e Econômico, Assistente Jurídica no Reis Advogados.