Plano anual de contratações e portal nacional de contratações públicas exigem a cultura da administração pública
São necessárias mudanças na ordem da cultura administrativa, bem como treinamentos de capacitação dos servidores públicos para uma boa adaptação às inovações trazidas pela lei 14.133/21.
sexta-feira, 26 de maio de 2023
Atualizado às 08:39
No início do ano de 2023, ganharam relevância reclamações sobre o prazo de adaptação ao novo regime que regulamenta as licitações e contratos administrativos, especialmente por parte dos prefeitos dos municípios brasileiros. Essas reclamações levaram ao adiamento da revogação da antiga lei de licitações e contratos (lei 8.666/93), que estava prevista para ocorrer a partir de 1º de abril de 2023.
A nova lei, publicada em 1º de abril de 2021, estabeleceu um período de adaptação e transição de exatos 2 anos, durante o qual as antigas leis que regiam licitações e contratos públicos e a nova lei coexistiriam, até que as antigas não fossem mais vigentes.
Agora, o período de adaptação foi estendido e a lei 8.666/93, a lei 10.520/22 (Lei do Pregão) e os art. 1º a art. 47-A da lei 12.462, de 2011 (Regime Diferenciado de Contratações), serão revogados em 30 de dezembro de 2023 (art. 193, II, lei 14.133/21).
A Medida Provisória 1.167 de 31 de março de 2023, alterou a nova lei de licitações para prorrogar a possibilidade de uso da lei 8.666/93, da lei 10.520/02, e dos art. 1º a art. 47-A da lei 12.462/11.
Assim, ficou determinado que, até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, ou seja, 30 de dezembro, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, desde que a publicação do edital ou do ato autorizativo da contratação direta ocorra até 29 de dezembro de 2023 e que a opção escolhida seja expressamente indicada no edital ou no ato autorizativo da contratação direta.
Seguindo a Medida Provisória 1.167, a Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos editou a Portaria 1.769/20231, que dispõe sobre o regime de transição previsto no art. 191 da lei 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.
De acordo com a Portaria, os processos licitatórios e contratações autuados e instruídos com a opção expressa de ter como fundamentos a lei 8.666/93, a lei 10.520/02, a lei 12.462/11 ou o decreto 7.892/23, serão por eles regidos, desde que a publicação do edital ou do ato autorizativo da contratação direta ocorra até 29 de dezembro de 2023, conforme cronograma constante do Anexo e a opção escolhida seja expressamente indicada no edital ou do ato autorizativo da contratação direta.
Na ocasião da prorrogação, a ministra da Gestão e Inovação dos Serviços Públicos, Esther Dweck, informou que o tempo adicional será utilizado para capacitar os servidores dos municípios.2 Isso porque, uma das reivindicações mais contundentes dos chefes municipais do executivo era justamente o curto tempo de adequação às novas normas e a falta de capacitação dos servidores.
Para Mauricio Felberg, em artigo para o Migalhas, o receio é de que "essa ampliação da concessão, de mais outro ano de prazo, sirva apenas para adiar por mais um ano a tomada de providencias que já deveriam ter sido concluídas, de modo a encontrar daqui a um ano o mesmo status quo atual".3
Uma das principais preocupações dos prefeitos é a exigência de um plano anual de contratações a ser apresentado no ano anterior, contendo todas as contratações realizadas e as previstas para o ano seguinte.4
Nesse sentido, o presente artigo tem como finalidade esclarecer o que é o Plano Anual de Contratações (PAC), previsto na nova legislação, bem como analisar em que medida as inovações trazidas pela nova lei, como o PAC e o Portal Nacional de Contratações Públicas, poderão beneficiar os licitantes e o próprio Poder Público.
Segundo o site do Governo Federal, Plano Anual de Contratações - PAC é o documento que consolida todas as compras e contratações que o órgão ou entidade pretende realizar ou prorrogar, no ano seguinte. Ele contempla bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação.
O art. 12, inciso VII, da Nova Lei (lei 14.133/21) determina que a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.5
Assim, o Plano de Contratações Anual deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial e será observado pelo ente federativo na realização de licitações e na execução dos contratos.
Nesse sentido, o decreto 10.947/226, que regulamenta o inciso VII do caput do art. 12 da lei 14.133, de 1º de abril de 2021, foi editado para dispor sobre o plano de contratações anual e instituir o Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (PGC)7 no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
O referido decreto determina que, até a primeira quinzena de maio de cada exercício, cada órgão e entidade deve elaborar anualmente seu respectivo Plano de Contratações Anual, contendo todas as contratações e renovações que pretende realizar no exercício subsequente.
O decreto ainda prevê os objetivos da elaboração do plano que incluem racionalizar as contratações das unidades administrativas, promovendo contratações centralizadas e compartilhadas para obter economia de escala, padronização de produtos e serviços e redução de custos processuais.
Além disso, visa garantir o alinhamento com o planejamento estratégico, o plano diretor de logística sustentável e outros instrumentos de governança existentes; subsidiar a elaboração das leis orçamentárias; evitar o fracionamento de despesas; e sinalizar intenções ao mercado fornecedor, de forma a aumentar o diálogo potencial com o mercado e incrementar a competitividade.
Para divulgação, os Planos Anuais de Contratações dos órgãos e entidades serão disponibilizados automaticamente no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e os órgãos e entidades deverão disponibilizar, em seus sítios eletrônicos, o endereço de acesso aos seus respectivos Planos de Contratações Anuais no Portal Nacional de Contratações Públicas, no prazo de quinze dias, contado da data de encerramento das etapas de aprovação, revisão e alteração.
Além do Plano de contratações anual, a nova lei também prevê a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), plataforma digital que agrupará informações sobre licitações e contratações de todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal).8
Para os autores desse artigo, o PNCP e o PAC são importantes instrumentos de governança9, ou seja, verdadeiros aliados no aprimoramento do conjunto de regras de boas práticas de gestão pública.
A professora Irene Nohara10 discorre sobre o conceito de governança pública:
Governança Pública é definida pelo decreto 9.203/17 como o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução das políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade.
São princípios da governança pública, conforme art. 3º do decreto 9.203, de 22 de novembro de 2017: capacidade de resposta; integridade; confiabilidade; melhoria regulatória; prestação de contas e responsabilidade; e transparência.
Para Bárbara de Sá Gomide11, "uma das mais destacadas vantagens para a Administração é que o planejamento possibilitará que a secretaria centralizadora do órgão reconheça as demandas semelhantes dos setores e as agrupe. Desse modo, haverá maior economicidade pela unificação do procedimento de seleção do fornecedor."
Assim, por mais trabalhosa que seja no início a adaptação aos novos procedimentos e normas, a elaboração de um Planejamento Anual de Contratações, e divulgação através de um Portal Nacional de Contratações Públicas, em sítio eletrônico, deverá aumentar a eficiência, confiabilidade, diálogo com o mercado e a transparência do Poder Público, razão pela qual sua prática deve ser adequadamente aderida e celebrada, tanto pela Administração Pública, quanto pelos licitantes.
Para isso, são necessárias mudanças na ordem da cultura administrativa, bem como treinamentos de capacitação dos servidores públicos para uma boa adaptação às inovações trazidas pela lei 14.133/21.
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1 https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-seges/mgi-n-1.769-de-25-de-abril-de-2023-479516587
2 https://www.jota.info/executivo/governo-adiara-implementacao-da-nova-lei-de-licitacoes-para-2024-diz-ministra-30032023
3 https://www.migalhas.com.br/depeso/383966/prorrogacao-de-prazo-para-regras-de-transicao-para-as-licitacoes
4 https://www.cnnbrasil.com.br/politica/governo-estuda-adiar-nova-lei-de-licitacoes-e-refis-da-previdencia-para-atender-prefeitos/
5 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm
6 https://in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.947-de-25-de-janeiro-de-2022-376059032
7 PGC é a ferramenta informatizada integrante da plataforma do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - Siasg, disponibilizada pelo Ministério da Economia, para elaboração e acompanhamento do plano de contratações anual pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. O plano de contratações anual será elaborado no PGC, observados os procedimentos estabelecidos no manual técnico operacional que será publicado pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia.
8 https://www.poder360.com.br/congresso/lei-de-licitacoes-sera-prorrogada-para-marco-de-2024-diz-lira/
9 https://www.olicitante.com.br/principais-alteracoes-plano-contratacoes-anual-decreto-10947/
10 https://direitoadm.com.br/governanca-publica/
11 https://www.migalhas.com.br/depeso/375257/o-planejamento-de-contratacoes-na-lei-14-133-21-e-as-suas-vantagens
Gabriela Vilela Buzzo
Advogada no escritório Almeida Prado Advogados.
Lais Rodrigues Migliorini
Advogada do Almeida Prado Advogados.