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O polêmico caso do deputado Dallagnol

O caminho que resta ao ex-deputado é o debuscar o afastamento da interpretação extensiva que, repita-se, não cabe na seara das infrações administrativas ou criminais.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Atualizado às 08:07

A perda do mandato determinada por decisão do TSE é um dos casos mais discutidos na atualidade.

Diversos articulistas se pronunciaram a respeito apresentando teses que nem sempre são unânimes.

Examinemos essa questão estritamente do ponto de vista jurídico.

O ex deputado, segundo o TSE, incorreu na infração da Lei de Inelegibilidade regulada pela lei complementar 64, de 18/5/90 com as alterações introduzidas pela lei complementar 135, de 4/6/10, conhecida como Lei de Ficha Limpa.

Antecedentes:

O então Procurador da República, que atuava na Operação Lava Jato, teria praticado inúmeras infrações disciplinares gerando contra si várias reclamações, bem como, sindicâncias.

Sindicância é o instrumento pelo qual a administração pública apura condutas atípicas do servidor público que podem caracterizar infração disciplinar. Ela desenvolve-se de forma unilateral.

Concluindo a sindicância pela existência de infração disciplinar abre-se o Processo Administrativo Disciplinar - PAD -, que se desenvolve sob o princípio do contraditório e ampla defesa.

Esse PAD, uma vez comprovada a infração grave, resulta na demissão do servidor público.

O aludido Procurador da República, Sr. Deltan Dallagnol, seis meses antes do pleito eleitoral pediu exoneração do cargo e candidatou-se ao cargo de Deputado Federal, sendo que o registro dessa candidatura foi regularmente deferido pela Justiça Eleitoral, vindo a ser eleito por expressiva votação e, posteriormente, diplomado, tomando posse no cargo.

O que diz a lei de inelegibilidade

Prescreve o art.1º, inciso I, letra "m" da LC 64/90 na redação dada pela LC 135/10:

"Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

m - os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;"

Pois bem, o TSE aplicou o dispositivo retrotranscrito mediante uma interpretação extensiva, ou seja, mediante dupla presunção: a presunção de que as inúmeras reclamações e sindicâncias iriam gerar o PAD; a presunção de que o indiciado no PAD seria condenado pelo CSMPF à pena de demissão.

Acontece que na hipótese de infração disciplinar, a exemplo da hipótese criminal, vige o princípio da estrita legalidade, a tipicidade cerrada que não enseja a oportunidade para o intérprete elastecer a norma tipificada.

Mas, o TSE pronunciou a inelegibilidade de  Dallagnol no pressuposto de que ele viria perder o cargo se tivesse nele permanecido, de sorte que sua exoneração seis meses antes do pleito representou uma fraude.

Observe-se que não se trata de cassação de mandato, mas de reconhecimento do estado de inelegibilidade que surte efeito ex tunc.

Dessa decisão cabem embargos declaratórios e posteriormente, o Recurso Extraordinário para o STF, cujo exame, entretanto,  está limitado apenas à questão constitucional, difícil de vislumbrar a menos que tenham havido vícios formais no julgamento que não sejam do nosso conhecimento.

Aventou-se, também, a possibilidade de reversão da decisão do TSE por ato da Mesa da Câmara dos Deputados, único órgão competente para cassação de mandatos de Deputados.

Penso diferente. Já esclarecemos que o caso sob análise não é o de cassação. A Câmara somente age nos casos de infrações éticos-morais. Não é o caso de infração ética, nem de falta de decoro no exercício da função.

Nesses casos, por representação de qualquer cidadão ou parlamentar, a matéria passa a ser apurada perante a Corregedoria da Casa que, verificando indícios da falta de decoro parlamentar, envia essa representação com parecer à Mesa da Câmara. Se a Mesa entender pelo prosseguimento a representação é encaminha ao Conselho de Ética. Penso não ser este o caso.

Dessa forma, o caminho que resta ao ex Deputado é o debuscar o afastamento da interpretação extensiva que, repita-se, não cabe na seara das infrações administrativas ou criminais.

O que o ex-deputado Dallagnol fez foi pedir exoneração do cargo para evitar a instauração do PAD, que poderia conduzir a sua demissão e assim, tornar-se inelegível.

Não se trata de uma atitude elogiável, porém, lícita perante o ordenamento jurídico em vigor, tal qual a elisão fiscal que busca contornar a incidência da lei tributária, para deixar de pagar o imposto.

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

Sócio do escritório Harada Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário - IBEDAFT.

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