Segurança jurídica dos médicos prescritores de cannabis medicinal
O presente artigo visa elucidar, dentro do ordenamento vigente, regras legais e normativas que traduzam segurança jurídica aos médicos prescritores de produtos derivados de cannabis para fins medicinais.
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Atualizado às 10:54
Vislumbrando tecer a narrativa com foco no tema central do presente artigo, cabe ressaltar as normas que cercam de segurança jurídica o médico prescritor de produtos à base de cannabis para fins medicinais, de forma que possa exercer sua atividade amparado pelos ditames legais e normativos, especialmente em conformidade com a Autarquia que rege esta categoria profissional: o(s) Conselho Regional(is) a que estiver adstrito e, consequentemente, o Conselho Federal de Medicina.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, assegura à pessoa humana o direito à saúde, sendo este um direito fundamental inserido na referida Carta Magna. Eis o referido artigo:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Além da norma constitucional supra, ora alçada a preceito fundamental, cabe ressaltar a autonomia profissional, garantida aos médicos no Código de Ética Médica (Capi'tulo I - Princi'pios fundamentais). Vejamos:
VII - O me'dico exercera' sua profissa~o com autonomia, na~o sendo obrigado a prestar servic¸os que contrariem os ditames de sua conscie^ncia ou a quem na~o deseje, excetuadas as situac¸o~es de ause^ncia de outro me'dico, em caso de urge^ncia ou emerge^ncia, ou quando sua recusa possa trazer danos a` sau'de do paciente. (grifos nossos)
VIII - O me'dico na~o pode, em nenhuma circunsta^ncia ou sob nenhum pretexto, renunciar a` sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restric¸o~es ou imposic¸o~es que possam prejudicar a eficie^ncia e a correc¸a~o de seu trabalho. (grifos nossos)
Além do direito à autonomia profissional, há o dever de não abandonar paciente, insculpido no Capi'tulo V (Relac¸a~o com pacientes e familiares):
E' vedado ao me'dico:
Art. 36. Abandonar paciente sob seus cuidados.
Ademais, dita o seguinte inciso, no Capi'tulo II (Direitos dos me'dicos):
E' direito do me'dico:
II - Indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as pra'ticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislac¸a~o vigente. (grifos nossos)
Ainda quanto ao Código de Ética Médica (Capi'tulo I - Princi'pios fundamentais), podemos verificar os seguintes incisos, aplicáveis ao tema:
II - O alvo de toda a atenc¸a~o do me'dico e' a sau'de do ser humano, em benefi'cio da qual devera' agir com o ma'ximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
V - Compete ao me'dico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso cienti'fico em benefi'cio do paciente.
VI - O me'dico guardara' absoluto respeito pelo ser humano e atuara' sempre em seu benefi'cio. Jamais utilizara' seus conhecimentos para causar sofrimento fi'sico ou moral, para o extermi'nio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Aliadas a todos os regramentos citados, eis as Resoluções de Diretoria Colegiada da Anvisa (RDCs), as quais vêm positivamente reconhecendo a importância dos produtos derivados de Cannabis para uso medicinal, estando o acesso regulamentado pelas RDCs 327/19 e a 660/22. De acordo com tais RDCs, podemos verificar que os médicos exercem papel essencial e axiomático para o direito à saúde, via prescrição de tais produtos, uma vez que a eles é atribuído competência no procedimento para acesso.
Finalizando, a junção do direito fundamental à saúde (garantido pela CRFB/88) ao direito à autonomia médica, ao dever médico de não abandonar paciente sob seus cuidados, e dos demais incisos acerca dos Princípios Fundamentais (todos contidos no Código de Ética Médica, conforme supra citado), aliada às RDCs que, adstritas ao Ministério da Saúde, demonstram a importância do tratamento com produtos à base de Cannabis para fins medicinais (inclusive com atribuições de competência à classe médica), erguem pilares para que os médicos possam realizar a prescrição de acordo com os ditames legais e normativos em vigor.
Luciana Raposo Rodrigues
Advogada especialista em Direito Médico e da Saúde pelo Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde, membro da Comissão do Direito do Setor da Cannabis Medicinal da OAB/RJ, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho RJ, especialista em Direitos Autorais pela Fundação Getúlio Vargas - FGV RJ.