O que é a autópsia psicológica ou autópsia mental?
Os procedimentos, para além da coleta de informações junto aos familiares e a pessoas do convívio da vítima, envolvem conhecer informações adicionais de histórias clínicas do falecido, processo judicial se existir, evidências que ele contenha escritos, gravações ou cartas da vítima nos dias ou meses anteriores ao acontecimento.
terça-feira, 23 de maio de 2023
Atualizado às 14:34
A Autópsia Mental refere-se a um estudo científico retrospectivo e indireto das características individuais de uma pessoa já falecida. Trata-se de fazer uma avaliação a partir de fatos passados, de como era o sujeito, sua vida, seu comportamento e estado mental, com a finalidade de fazer esclarecimentos técnicos (Trindade, 2021).
Além do mais, se destina à compreensão histórica e ao esclarecimento nos casos de morte duvidosa, de forma direta ou indireta, partindo-se dos acontecimentos de modo global, não exclusivamente da perspectiva médica, mas das razões psicológicas, que podem estar associadas à morte (Monzani, 2013).
O método abrange a investigação dos detalhes, possíveis causas, fatores psicossociais, dinâmica familiar e aspectos subjetivos na vida da vítima. A partir da coleta de dados, é possível reconstruir o perfil psicológico e o estado mental do falecido antes do fato juridicamente questionado.
A Autópsia Mental é perícia especializada e requer trabalho extremamente minucioso, responsável e respeitoso com fundamentação em técnicas reconhecidas na comunidade científica especializada (Welgang, 2012).
Este trabalho implica em fazer a arqueologia psicológica da pessoa falecida, reconstruindo seus comportamentos, sentimentos, afetos, relacionamentos, dificuldades, conhecimentos, estudo, trabalho, enfim, todos os aspectos possíveis relevantes da vida do avaliado, que possam ser resgatados responsavelmente.
O método de autópsias psicossociais iniciou como instrumento de investigação a ser aplicado aos casos de mortes cujos motivos e causas eram questionáveis ou desconhecidos. De ponderar que é uma das possibilidades de averiguação de informações pregressas e sua aplicação é ampla (Paulino & Alho, 2021).
A validade metodológica tem como aspecto forte a avaliação ou investigação retrospectiva, amplamente embasada na contextualização dos dados, considerando as possibilidades de evidências dos aspectos relevantes, a partir do detalhamento das informações, que tiveram viabilidade de serem colhidas com consistência (Vidal, Pérez e Borges, 2005).
Nesse aspecto, este recurso é utilizado para elucidação na criminologia e na vitimologia, quando se trata, por exemplo, de estabelecer as circunstâncias, que resultaram em uma morte. A aplicação para casos específicos, parte da exploração de informações por tempo estendido, anteriores à data do óbito (Rodrìguez, 2002).
Os procedimentos, para além da coleta de informações junto aos familiares e a pessoas do convívio da vítima, envolvem conhecer informações adicionais de histórias clínicas do falecido, processo judicial se existir, evidências que ele contenha escritos, gravações ou cartas da vítima nos dias ou meses anteriores ao acontecimento.
Também devem ser pesquisados os antecedentes médicos, psicológicos, sociais, familiares, profissionais, relacionais, dinâmicos e judiciais da pessoa falecida. Com a informação mais completa, é possível estabelecer as características predominantes, que ela apresentava, conflitos, rede de relações, acontecimentos críticos, bem como a presença de alguma patologia mental (Paulino & Alho, 2021).
Os benefícios dos resultados das Autópsias Mentais se estendem para além da descoberta das causas da morte, pois oferecem condições, para a identificação precoce de fatores de riscos e outras situações implícitas, que jamais seriam consideradas caso tal estudo não fosse facultado.
Desse modo, a riqueza do método não está em fornecer um único tipo de análise, mas em apresentar diferentes perspectivas sobre a vida e morte do avaliado, considerando ainda todo o contexto e dinâmica existente, sendo uma ferramenta muito importante, para esclarecer fatos jurídicos (Cavalcante & Minayo, 2004).
Por isso, realiza-se ampla busca discriminativa de elementos e testemunhos provenientes de histórias clínicas, assistência médica e outros documentos, sendo fontes que, em seu conjunto, permitem propor uma conclusão esclarecedora fundamentada.
Entre os modelos de Autópsia Mental, aquele que demonstra mais completo é o estabelecido por Ebert (1987), composto de 26 itens que servem como base, para a avaliação detalhada das condições psicológicas do falecido.
Esse considera, tanto fatores circunstanciais próximos ao tempo de desfecho, quanto fatores que apontam para traços de funcionamento psíquico que constelam a personalidade. Registra-se que nem sempre é possível preencher dados para todos os itens.
A Autópsia Mental é uma técnica que exige elevado nível de precisão, alta qualidade técnico-científica e profissionalismo na análise científica dos dados obtidos. Neste trabalho serão aplicadas as teorias e técnicas desta metodologia, a fim de obter todos os esclarecimentos fundamentados, para melhor compreensão dos fatos jurídicos em busca de esclarecimentos (Jiménez, 2001).
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MONZANI, M. Percorsi di criminologia. Padova: Libreria Universitária, 2013.
PAULINO, M.; ALHO, L. Vitimologia Forense. In: NUNES, L. & SANI, Ana. Manual de Vitimologia. Lisboa: Pactor Editora, 2021.
TRINDADE, J. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 9ª Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021.
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JIMÉNEZ, I. La autopsia psicológica como instrumento de investigación. Revista Colombiana de Psiquiatría. Vol. XXX, nº 3, 2001
RODRÍGUEZ, A. Autopsia Psicológica: Una herramienta útil para el peritaje psicológico. Boletín Electrónico de Psicología Jurídica y Forense, volumen Mayo-Junio, 2002.
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WERLANG, B. S. G.. Autópsia Psicológica, importante estratégia de avaliação retrospectiva. Ciência & Saúde Coletiva, 17, 1955-1957, 2012
Elise Karam Trindade
Psicóloga inscrita no CRP sob nº 07/15.329; graduada em Psicologia (Universidade Luterana do Brasil - ULBRA); especializada em técnicas psicoterápicas psicanalíticas com crianças e adolescentes (NUSIAF - Universidade de Coimbra, Portugal); diplomada em Estudos Avançados (DEA - Universidade da Extremadura, Espanha); doutoranda na área de intervenção psicológica em saúde e educação (Instituto Superior Miguel Torga, Portugal); especialista em Psicologia Forense (IMED); Neuropsicóloga (Hospital Albert Einstein - São Paulo) e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica (SBPJ), com atuação técnica indireta.