A força probatória dos relatórios de inteligência financeira
Os relatórios de inteligência financeira são ferramentas desenvolvidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de examinar e identificar anomalias em operações financeiras que envolvam indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro.
segunda-feira, 22 de maio de 2023
Atualizado às 07:45
Os relatórios de inteligência financeira são ferramentas desenvolvidas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de examinar e identificar anomalias em operações financeiras que envolvam indícios da prática do crime de lavagem de dinheiro. De acordo com o art. 15 da lei 9.613/98 é obrigação do COAF representar aos órgãos de persecução criminal quando constatados fundados indícios da prática de crimes:
"Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito."
Trata-se de documentos sigilosos não oponíveis aos órgãos de persecução penal para fins criminais. Isso quer dizer que o compartilhamento desses documentos para fins de investigação penal não exige prévia autorização judicial:
"É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil - em que se define o lançamento do tributo - com os órgãos de persecução penal para fins criminais sem prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional;
(RE 1055941, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-243 DIVULG 05-10-2020 PUBLIC 06-10-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-052 DIVULG 17-03-2021 PUBLIC 18-03-2021)"
No julgamento do AgRg na CauInomCrim 69/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 1/6/22, DJe de 3/6/22 ficou consignado que os trabalhos desenvolvidos pelo COAF tem natureza penal persecutória, de modo que os relatórios de inteligência financeira podem ser utilizados para fundamentar pretensão de quebra dos sigilos fiscal e bancário:
"A atribuição desenvolvida pelo COAF se insere no âmbito das atividades de natureza penal persecutória. Assim, pode ser utilizada como fundamento para a quebra de sigilo financeiro. Precedentes do STF e do STJ."
Em sentido oposto, como as conclusões do COAF indicam a probabilidade de indícios da prática de crimes financeiros, e não possuem força probatória vinculante, uma vez que as suas conclusões foram feitas de forma unilateral, a utilização exclusiva do relatório de inteligência financeira, para fundamentar eventual pedido de quebra de sigilos bancário e fiscal, quando dissociado de outros elementos investigativos, faz com que a atividade de investigação policial se transforme em ato de arbitrariedade, e a eventual prova obtida através dessas quebras são consideradas ilícitas:
"(...) fosse assim, toda e qualquer comunicação do COAF nesse sentido implicaria, necessariamente, o afastamento do sigilo para ser elucidada. Da mesma forma, a gravidade dos fatos e a necessidade de se punir os responsáveis não se mostram como motivação idônea para justificar a medida, a qual deve se ater, exclusiva e exaustivamente, aos requisitos definidos no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo porque a regra consiste na inviolabilidade do sigilo, e a quebra, na sua exceção. (...)
(HC 191.378/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/9/11, DJe de 5/12/11.)"
Ao conceder ordem de habeas corpus por deficiência na fundamentação que autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de investigado por crime de lavagem de dinheiro subsidiado em relatório de inteligência financeira, o eminente relator do caso, Ministro Olindo Menezes, assim se manifestou:
"O direito ao sigilo financeiro não é absoluto e pode ser mitigado quando houver interesse público, por meio de autorização judicial suficientemente fundamentada, na qual se justifique a providência para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, lastreada em indícios de prática delitiva (RMS 51.152/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 13/11/17).
No caso, as citações constantes do voto não expressam razões fundadas para a quebra do sigilo do acusado Flávio Ramos de Andrade. Tudo partiu de denúncia anônima e os indícios citados pela decisão (reunião em um restaurante, com empresários e pessoas do meio político, forma de ingresso em empresa e menções indiretas), não têm firmeza fática a indicar que o acusado estaria envolvido na cobrança de valores de empresários que celebraram contratos com o Estado de Goiás (...)
Ante o exposto, reconsidero a decisão agravada para conceder o habeas corpus, para declarar a ilegalidade da quebra do sigilo fiscal e bancário do agravante, haja vista a ausência de fundadas razões a justificar a medida." (AgRg no HC 703.081/GO, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 28/6/22, DJe de 1/7/22.)
Como os trabalhos desenvolvidos pelo COAF se inserem no âmbito das atividades de persecução criminal, não há ilegalidade quando o intercâmbio de informações é feito de forma inversa, ou seja, quando a produção do relatório de inteligência financeira é oriunda de solicitação feita pelo próprio órgão de acusação:
"Se o art. 1º, § 3º, IV, da lei 9.613/98 admite que o COAF comunique "autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa", não há motivo para que o Ministério Público deixe de dirigir solicitação ao órgão no sentido de que investigue operações bancárias e fiscais de pessoa (física ou jurídica) sobre as quais paire suspeita e comunique, ao final, suas conclusões. Assim, o MPF "não possui acesso aos bancos de dados sigilosos do COAF, existindo apenas um intercâmbio de informações por sistema eletrônico, criado pelo próprio órgão, objetivando atender ao preconizado no art. 15 da Lei de Lavagem de Dinheiro".
(HC 349.945/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 6/12/16, DJe 2/2/17). Precedente recente da Quinta Turma: RHC 49.982/GO, por mim relatado, QUINTA TURMA, julgado em 9/3/17, DJe 15/3/17."
Com efeito, há divergências de entendimentos quando a acusação criminal é lastrada exclusivamente no relatório de inteligência financeira. No julgamento do RHC 43.356/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/8/14, DJe de 3/2/15 prevaleceu a tese mais restritiva, ou seja, que as conclusões do COAF tem força probatória suficiente para justificar a acusação criminal. Pela importância que o voto vencido tem dentro desse contexto, transcrevem-se trechos da ementa e do voto vencido:
"Não há nulidade em denúncia oferecida pelo Ministério Público cujo supedâneo foi relatório do COAF, que, minuciosamente, identificou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas."
(VOTO VENCIDO) (MIN. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR)
"[...] apenas o relatório do COAF não é suficiente para subsidiar a denúncia e ensejar a deflagração de ação penal. Tal relatório demonstra, sim, a necessidade da instauração de idônea investigação criminal, a fim de se identificar todos os envolvidos, eventuais crimes em que estariam incursos e o modo pelo qual foram realizados, elementos indispensáveis à descrição da acusação (fato criminoso com as respectivas circunstâncias - art. 41 do CPP)". (RHC 43.356/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/8/14, DJe de 3/2/15.)"
Em linhas gerais, os relatórios de inteligência financeira visam à apuração das seguintes condutas: a) Operações financeiras em espécie; b) O titular da conta favorecida pelo depósito; c) A propriedade do dinheiro depositado ou o destinatário do dinheiro sacado; d) O depositante - a pessoa que fez o depósito; e) O sacador - a pessoa que efetuou a retirada.
----------
Lei 9.613, de 3 de março de 1998.
RE 1055941, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-243 DIVULG 05-10-2020 PUBLIC 6/10/20 REPUBLICAÇÃO: DJe-052 DIVULG 17/3/21 PUBLIC 18/3/21.
AgRg no HC 703.081/GO, relator Ministro Olindo Menezes Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 28/6/22, DJe de 1/7/22.
HC 349.945/PE, relator Ministro Nefi Cordeiro, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 6/12/16, DJe de 2/2/17.
RMS 52.677/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/4/17, DJe de 5/5/17.
AgRg na CauInomCrim 69/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 1/6/22, DJe de 3/6/22.
HC 191.378/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/9/11, DJe de 5/12/11.
AgRg no HC 703.081/GO, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 28/6/22, DJe de 1/7/22.
HC 349.945/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 6/12/16, DJe 2/2/17). Precedente recente da Quinta Turma: RHC 49.982/GO, por mim relatado, QUINTA TURMA, julgado em 9/3/17, DJe 15/3/17.
RHC 43.356/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/8/14, DJe de 3/2/15.
RMS 42.120/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 25/5/21, DJe de 31/5/21
Ricardo Henrique Araujo Pinheiro
Advogado especialista em Direito Penal. Sócio no Araújo Pinheiro Advocacia.