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Os critérios para a nomeação do administrador no sistema brasileiro de insolvência

A figura do administrador judicial é essencial para o bom andamento dos processos de recuperação judicial, extrajudicial e falência.

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Atualizado às 14:45

I. O administrador judicial no sistema de insolvência brasileiro

O principal instrumento normativo do Direito de Insolvência Brasileiro é a lei 11.101/05, que inovou a ordem jurídica ao defender princípios que visavam a inovação do sistema de insolvência brasileiro, incluindo a unidade e universalidade do concurso, o tratamento paritário dos credores sujeitos às mesmas condições, a maximização do valor dos ativos, o maior rigor na responsabilização dos crimes falimentares e, primordialmente, a proteção aos credores e devedores, salvaguardando também a atividade empresarial. O espírito dessa lei foi bem destacado logo em sua exposição de motivos.1

Este contexto de evolução legislativa trouxe também ao sistema de insolvência brasileiro uma figura relevante, o administrador judicial. Diferente do que antes era o síndico e o comissário no sistema do decreto lei 7661/45 - antiga lei de Falências - o administrador judicial agora presta um papel que não é mais de mero auxiliar do juízo, mas sim de um agente imparcial, desvinculado dos interesses dos credores e devedores e comprometido com o resguardo dos interesses sociais e econômicos do exercício empresarial.2

Mais recentemente, com a promulgação da lei 14.112/20 - que alterou substancialmente a citada lei de Recuperação de Empresas e Falência, foi inaugurada uma nova fase no sistema brasileiro de insolvência, com o objetivo de conferir maior eficiência na solução das crises dos agentes econômicos e, além disso, na resolução de crises sistêmicas, que afetam a economia e o mercado como um todo, sempre considerando os interesses públicos e sociais envolvidos.3

Apesar de não ser o objeto principal deste artigo, é relevante pontuar quais são as atribuições do Administrador Judicial na Recuperação Judicial e na Falência, pois o cumprimento destas é o objetivo determinante para que o magistrado possa eleger seu auxiliar de confiança em determinado caso. O administrador judicial, no sistema da lei 11.101/05, possui duas linhas de atribuições, as lineares e as transversais.

As atribuições elencadas nos incisos I, II e III do art. 22, da lei 11.101/05, são as chamadas funções lineares do administrador judicial. A lei, em atenção ao fato de que a insolvência empresarial é estruturada em duas linhas de trabalho paralelas e simultâneas - na recuperação judicial ou na falência, elencou um rol de funções lineares que o administrador judicial tem a obrigação de exercer. As funções lineares são subdivididas entre comuns (lei 11.101/05, art. 22, I) e especificas (lei 11.101/05, art. 22, II e III).4

Por outro lado, as funções não positivadas na lei recebem, pela doutrina, a nomenclatura de funções transversais do administrador judicial, pois transcendem o rol legal que é exemplificativo. Sendo assim, essas funções não são relacionadas diretamente às linhas de trabalho já definidas em lei, mas que decorrem da interpretação adequada5 e das melhores práticas forenses.

Por fim, antes de entrar nos critérios propriamente ditos, é valiosa a contribuição de Samantha Longo pela ótica da Análise Econômica do Direito, sobre a insolvência empresarial. A professora ressalta que a atuação do administrador judicial deve tornar o processo recuperacional menos oneroso, traduzindo a Análise Econômica nos processos de insolvência da seguinte forma: "na perspectiva da Análise Econômica do Direito, o sistema de insolvência será mais eficiente sempre que resultar em redução dos custos de transação, aumento do ganho social, diminuição da assimetria de informações, redução da litigiosidade, [...] melhoria da segurança jurídica [...]"6. Refere-se aqui,  certamente, também às funções transversais do administrador judicial, que privilegiam o sistema como um todo.

O Administrador Judicial que bem desempenha suas funções (lineares e transversais), em última análise, colabora com a realização da função social da Lei, expressa por sua principiologia própria, eis que, conforme Daniel Carnio Costa, "pode-se afirmar com segurança que a preservação dos empregos dos trabalhadores e da circulação de riquezas em geral dependem do funcionamento eficaz dos processos de recuperação judicial de empresas e também dos processos de falência. E o sucesso dos processos de recuperação judicial ou de falência de uma empresa está diretamente relacionado à atuação do administrador judicial que é nomeado pelo juiz para auxiliá-lo na gestão desses casos."7

Por todo este contexto, a escolha do administrador judicial pelo magistrado é uma etapa delicada e fundamental para o resultado útil do processo de insolvência, seja nas recuperações, seja nas falências. Há, para auxiliar o magistrado, critérios substancialmente relevantes já consolidados pela lei, pela jurisprudência e principalmente pela prática forense.

II. Os critérios legais para nomeação de administrador judicial

Os critérios legais são aqueles que devem ser avaliados em primeiro lugar e constam do art. 218 da lei 11.101/05. O caput do dispositivo contém a relação dos profissionais que, preferencialmente, podem exercer o múnus de administrador judicial, a saber, advogados, economistas, administradores de empresas ou contadores, bem como pessoas jurídicas especializadas. Trata-se de sugestão, não havendo empecilho para que o magistrado nomeie profissional com formação distinta."9

Não mais em caráter dispositivo, mas cogente, o caput contém ainda o requisito da idoneidade do profissional (pessoa física ou jurídica) que será nomeado administrador judicial. Apesar da lei não conceituar o que é idoneidade, o antigo decreto-lei 7.661/45 estabelecia o requisito da idoneidade financeira e moral (art. 60 do DL), cuja interpretação pode ser utilizada analogicamente.

A idoneidade financeira advém do fato que no exercício do encargo - em falências - o administrador judicial fará gestão patrimonial e, no caso de má conduta, haverá responsabilização e indenização por danos. Para fins penais, o administrador judicial é equiparado a funcionário público, e para os demais efeitos, no plano dos direitos civil e administrativo, é agente externo colaborador da Justiça.10 

Não se olvide, ainda, que o administrador judicial, apesar de ser uma figura típica dos processos de insolvência, é, pela definição da lei adjetiva, um auxiliar da justiça, e que, na forma do art. 148 da lei 13.105/15, aplicam-se a ele os motivos de impedimento e de suspeição previstos nos art. 144 e 145 da mesma lei.

II.1 A nomeação de pessoas jurídicas especializadas

O art. 21 da lei 11.101/05 possibilita ainda a nomeação de pessoa jurídica especializada para o exercício da função de administrador judicial, ao tempo que o parágrafo único detalha que: Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta lei, o nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz.

Referida disposição legal é uma superação do pretérito histórico de nomeação de pessoas físicas com pouco preparo para a atividade e um avanço do sistema que conduz à profissionalização da atividade da administração judicial. A complexidade dos feitos recuperacionais e falimentares tornam cada vez mais evidente a necessidade da nomeação de administradores judiciais com capacidades técnicas elevadas, não limitadas às ciências jurídicas ou ao mundo dos negócios, mas dotados de verdadeira multidisciplinaridade.

Equipes multidisciplinares com advogados, contadores, economistas, engenheiros são capazes de absorver demandas mais complexas sem a necessidade de subcontratações. Às pessoas jurídicas se aplicam os mesmos requisitos legais que se aplicam às pessoas físicas, com o acréscimo da necessidade do regular registro como pessoa jurídica.

Lembra-se que em recuperações judiciais o devedor é mantido na condução dos negócios, porém, em caso de afastamento, nas hipóteses do art. 64 da lei 11.101/05, o Administrador Judicial assumirá a gestão dos negócios relacionados à atividade empresarial até que a Assembleia Geral de Credores se reúna e eleja um gestor judicial. Novamente a experiência e a capacidade técnica do auxiliar nomeado devem ser sopesadas, pois a assunção da gestão por um profissional despreparado pode conduzir um negócio viável à derrocada.

III. As normativas do CNJ sobre a nomeação de administradores judiciais

A Resolução CNJ 393/2021 dispõe sobre os Cadastros de Administradores Judiciais dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal. Ela determina que os Tribunais criem um Cadastro de Administradores Judiciais para orientar os magistrados na escolha dos profissionais, de acordo com o art. 21 da lei 11.101/05.

A resolução traz os requisitos que devem ser exigidos dos administradores judiciais, pessoas naturais ou jurídicas, para integrar os cadastros. É importante destacar que a lista de inscritos deve ser pública e estar disponível para acesso pela internet. A inscrição no cadastro deve ser renovada anualmente.

Além disso, a resolução, em seu art. 5º, recomenda que os juízes escolham profissionais dos cadastros do Tribunal para exercer a administração judicial, mas não os obriga a fazê-lo. Apesar da resolução ter força cogente, este artigo, em especial, tem força de recomendação sendo, portanto, de cumprimento não obrigatório, haja vista a redação conferida ao instrumento.11

Ao mesmo tempo que a recomendação promove a necessidade do cadastro, ela traz um importante elemento subjetivo, a confiança do magistrado. É pacífico na jurisprudência e na doutrina que a função de administrador judicial é um cargo de confiança do magistrado. Este critério subjetivo confere ao magistrado segurança no trabalho daquele profissional eleito para cumprir uma vasta gama de atribuições que estão estritamente vinculadas ao sucesso ou malogro do processo de insolvência, seja de qual modalidade for. O magistrado deve confiar na competência técnica e na idoneidade moral e financeira do administrador nomeado.

A resolução também determina que os interessados indiquem os processos de recuperação judicial e falência em que tenham sido nomeados nos dois anos anteriores ao pedido de cadastramento, informando a comarca, o número do processo e o nome do magistrado que promoveu a nomeação, bem como os casos em que deixaram de exercer a função e o motivo correspondente. Devem manter seus dados cadastrais atualizados e informar ao Tribunal qualquer nova indicação.

Este dispositivo visa conferir ao magistrado uma transparência sobre o portifólio do auxiliar a ser nomeado, de modo que seja possível aferir suas habilidades, competências, qualificações e experiências, e, inclusive, entrar em contato com magistrados que o nomearam anteriormente para consultas e referências sobre o trabalho desse profissional.

A função de administrador judicial é complexa e requer especialização e experiência, de forma que um pensamento lógico conduz ao raciocínio de que casos complexos demandam profissionais com maior experiência. Dificilmente um administrador judicial que jamais geriu uma pequena falência frustrada terá a capacidade de administrar a massa falida de um grande conglomerado empresarial. Pode-se afirmar, certamente, que teria muito mais dificuldade na realização desse trabalho do que uma equipe de profissionais experiente. Esta mesma lógica se aplica às complexidades das recuperações judiciais e extrajudiciais.

Por fim, a resolução proíbe a prática de nepotismo na nomeação de administradores judiciais, assim como a inclusão de servidores públicos nos cadastros.

IV. Considerações finais

A complexidade dos contornos dos processos de Recuperação Judicial, Extrajudicial e de Falências, que envolvem diversas questões que só um técnico com conhecimento especializado da matéria pode resolver de forma adequada, ensejou na opção legislativa da criação da figura do administrador judicial, que é um profissional de confiança do juiz e que é o principal responsável por zelar pelo bom andamento destes processos, na forma da lei 11.101/05.

A missão do administrador judicial, em última análise, é garantir a concretização dos objetivos dos institutos previstos na lei.

Na recuperação empresarial é de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, na forma do art. 47 da lei 11.101/05.

Na falência, por sua vez, é, na forma do art. 75, incisos e parágrafo único: i. preservar e a otimizar a utilização produtiva dos bens, dos ativos e dos recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa; ii. permitir a liquidação célere das empresas inviáveis, com vista à realocação eficiente de recursos na economia; iii. fomentar o empreendedorismo, inclusive por meio da viabilização do retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica; e iv. garantir que a falência seja falência é mecanismo de preservação de benefícios econômicos e sociais decorrentes da atividade empresarial, por meio da liquidação imediata do devedor e da rápida realocação útil de ativos na economia.

A seriedade do compromisso prestado pelo administrador judicial certamente preocupa os magistrados no momento da nomeação, por isso existem ferramentas legais que amparam o juiz na escolha de seu auxiliar, especialmente o art. 21 da lei 11.101/05.

O cenário do sistema de insolvência nacional indica há anos um movimento de profissionalização da administração judicial, com a atuação de pessoas jurídicas especializadas na atividade e com equipes multidisciplinares, capazes de fazer frente aos casos mais complexos, que envolvam grandes valores, quantidades de credores, alegações de fraudes ou devedores com uma estrutura muito grande que demande muito trabalho para sua fiscalização.

Ainda, o Conselho Nacional de Justiça editou a resolução 393/21 que trouxe novos parâmetros para auxiliar os magistrados na escolha de suas nomeações, com a instituição de cadastros que conferem transparência aos profissionais que se habilitam para o exercício da atividade de administrador judicial.

Também se verificam na academia diversos cursos que visam capacitar profissionais interessados em atuar nesse mercado.

Desta forma, para que o Sistema Brasileiro de Insolvência possa continuar em constante evolução, a nomeação de profissionais qualificados para a função de administrador judicial é uma necessidade, dada a importância de suas atribuições nos processos recuperacionais e falimentares.

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1 COSTA, Daniel Carnio. MELO, Alexandre Correa Nasser de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Curitiba: 4. ed. Juruá, 2023, p. 60-61

2 TAUK, Clarissa Somesom. As novas funções do administrador judicial - 169/177. In: SALOMÃO, Luis Felipe; TARTUCE, Flávio; COSTA, Daniel Carnio (Coords.).  Recuperação de Empresas e Falências: Diálogos entre a doutrina e a jurisprudência. Barueri: Atlas, 2021

3 Idem p. 63

4 MELO, Alexandre Correa Nasser de. SEÇÃO III - DO ADMINISTRADOR JUDICIAL E DO COMITÊ DE CREDORES, p.  123. DOMINGOS, Carlos Eduardo Quadros; CASTRO, Carlos Alberto Farracha de; CARVALHO. Luiz Eduar-do Vacção da Silva (Organizadores). Comentários à Lei 11.101/2005 - Recuperação Empresarial e Falência. 2ª Ed., Curitiba: OABPR, 2022

5 COSTA, Daniel Carnio. O administrador judicial moderno. Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2017/06/06/administrador-judicial-moderno.ghtml. Acesso em 20 de abril de 2023

6 LONGO, Samantha Mendes. As recomendações do Conselho Nacional de Justiça em matéria de Recuperação Judicial e Falências. In: SALOMÃO, Luis Felipe; TARTUCE, Flávio; COSTA, Daniel Carnio (Coords.) Recuperação de Empresas e Falência: diálogos entre doutrina e jurisprudência. 1ª Edição. Barueri: Atlas, 2021. p. 42.

7 COSTA, Daniel Carnio. MELO, Alexandre Correa Nasser de. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Curitiba: 4. ed. Juruá, 2023. p. 200

8 Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.

9 Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á, no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído sem autorização do juiz.

10 SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência - 2. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2021. 2. ed. p. 77

11 MELO, Alexandre Correa Nasser de. in:, DOMINGOS; CASTRO; CARVALHO. (Organizadores)., 2022, op. Cit. p. 116.

12 COSTA, Daniel Carnio. MELO, Alexandre Correa Nasser de. Op. Cit, 2023. p. 100.

Alexandre Correa Nasser de Melo

Alexandre Correa Nasser de Melo

Advogado e administrador judicial. Sócio fundador da Nasser de Melo-Adv. Associados e da Credibilità Administrações Judiciais. Coordenador da pós-graduação de Recuperação Judicial e Falência da PUCPR.

Humberto Lucas Almeida

Humberto Lucas Almeida

Advogado atuante em Direito Empresarial, integrante da equipe de advogados da Credibilità Administrações Judiciais. Pós-graduando em Direito Empresarial na PUCPR e em Direito Aplicado na Escola da Magistratura do Paraná - EMAP.

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