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A taxatividade do rol do art. 11, da LIA para o ministro Humberto Martins

Respeitando a reforma da lei de Improbidade pela lei 14.230/21, ministro Humberto Martins entende que o rol do art. 11, da LIA é taxativo.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Atualizado às 14:25

Não é novidade que a lei 14.230/21 promoveu radicais alterações na estrutura original da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92). Quase nenhum aspecto da lei original foi mantido, pois ocorreram severas (e necessárias) alterações de cunho processual e outras tantas de índole material.

E um dos pontos mais polêmicos envolvendo essa reforma diz respeito à taxatividade das hipóteses ímprobas por infração de princípios (art. 11, LIA). Essa modificação foi, do ponto de vista textual, relativamente simples: o legislador apenas suprimiu a expressão "notadamente" do texto original, inserindo em seu lugar o trecho "caracterizada por uma das seguintes condutas".

Desse modo, enquanto a previsão legal anterior pregava um rol de atos exemplificativos, a reforma reverteu essa conclusão para travar como ato ímprobo por quebra de princípios administrativos apenas as condutas descritas nos incisos do art. 11, da LIA.

Para muitos, essa mudança foi um grande avanço e premia a segurança jurídica, pois tirou o gestor público da zona de insegurança e desconforto, dando-lhe maior proteção na forma de interpretar e aplicar a lei, como por exemplo, no momento de assinatura de contratos, procedimentos e implementações de políticas públicas, atos tão importantes para o cotidiano da administração e para o interesse dos administrados. Citamos, nessa ordem de ideias, doutrina de NEVES e OLIVEIRA1.

Nesse aspecto, o próprio anteprojeto da lei reformadora fez considerações sobre os excessos praticados com a aplicação da redação original daquele dispositivo, os quais prejudicavam gestores que, embora não fabulosos, não eram maldosos:

Quanto à aplicabilidade do art. 11 deste diploma legal, compreendeu-se - desde uma franca observação da realidade - que inúmeras alegações de improbidade são impingidas a agentes públicos e privados que praticaram atos protegidos por interpretações razoáveis, quer da doutrina, quer do próprio Poder Judiciário. Não são incomuns ações civis públicas por atos de improbidade administrativa ajuizadas em razão de o autor legitimado possuir uma interpretação acerca de princípios e regras destoante da jurisprudência dominante ou em desconformidade com outra interpretação igualmente razoável, quer seja dos setores de controles internos da administração, quer dos Tribunais de Contas2.

No entanto, alguns juristas, como PINHEIRO, ZIESEMER3 e CARDOSO4 divergem dessa alteração, pois afirmam que ela emplacou espécie de redução do campo de proteção à moralidade, com possível retrocesso social na defesa do interesse público. Essa corrente é composta, majoritariamente, por juristas promotores ou procuradores que, comumente, atuam no polo ativo dessas demandas.

Enquanto resta acesa essa divergência no campo doutrinário, a jurisprudência deu seus primeiros passos endossando essa falta de unicidade de entendimento, ante julgados mantendo um rol exemplificativo para o art. 11, da LIA, negando aplicação ao texto da lei 14.230/215, e outros fulminando ações de improbidade por se filiar à corrente que defende a restrição do mesmo rol6.

Nesse cenário, merece destaque decisão exarada pelo Ministro Humberto Martins, da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do RESP 1912569 - AL (2020/0337696-2), no dia 14 de abril de 2023, o qual reconheceu a inegável influência da lei 14.230/21 no caso em julgamento e a taxatividade do rol do art. 11, da LIA, com ordem de retorno dos autos ao TJ-AL para conformação do acórdão às teses do Tema 1199/STF e à lei reformadora.

Para o Ministro, "não mais há a hipótese legal de condenação em ato considerado improbo tão somente com a consideração de violação principiológica, em decorrência da revogação expressa da viabilidade em casos concretos de extensão do rol exemplificativo que era previsto legalmente no antigo art. 11 da lei em foco ... não mais vigora a possibilidade de condenação justificada tão somente no cometimento de ato que importasse em violação de princípio previsto no caput, sem qualquer necessidade de prática de ato específico previsto legalmente".

Em que pese entendimentos diversos, não há como deixar de se curvar a esse precedente, que não apenas premia a segurança jurídica, mas também respeita a autonomia e competências do Poder Legislativo no trato da matéria.

Com a abordagem de todas essas questões pelo Poder Legislativo, de forma harmônica com os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, e com a conclusão (correta) de que a abertura de hipóteses de improbidade por violação de princípios não ostenta mais espaço na atual realidade jurídica, não há espaços para a aplicação da norma de forma diferente.

Entender e aplicar a norma de forma diversa da como feita pelo Ministro Humberto Martins e por tantos outros Juízes e Tribunais só fomentaria uma insurgência obscura contra a independência e competências do Legislativo, o que traz impactos deletérios ao art. 2º, da CF/88.

Intensos debates acompanharam a edição da Lei 14.230/21, em especial sobre esse aspecto ora tratado, que foi, inclusive, acompanhado pela Comissão de Juristas para a Reforma da Lei de Improbidade Administrativa, sob a presidência do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Mauro Campbell Marques, e, após todas as discussões e procedimentos perante o Congresso Nacional, compreendeu-se que a restrição de alcance do art. 11, da LIA era o que, de fato, premiaria o interesse dos cidadãos eleitores.

Portanto, é de prevalecer, nesses casos, o princípio da legalidade, sob o viés da tipicidade (arts. 5º, II e XXXIX, e 37, caput), segundo o qual "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Sob esse foco, podemos afirmar que não se fala na existência de atos de improbidade por lesão de princípios fora do rol fechado do art. 11, da lei 8.429/92.

Todas essas nuances, em especial a citada decisão do Ministro Humberto Martins, são fortes indicativos de que a jurisprudência respeitará os debates travados no Congresso Nacional que desaguaram na criação da taxatividade das condutas ímprobas por violação de princípios administrativos, com a manutenção do rol fechado de hipóteses para o art. 11, da LIA.

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1 NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; Comentários à reforma da Lei de Improbidade Administrativa: Lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo - Rio de Janeiro: Forense, 2022, pg. 8

2 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1687121&filename=Tramitacao-PL%202505/2021%20(N%C2%BA%20Anterior:%20pl%2010887/2018)  - Acesso em 15/5/23, às 17h54min

3 PINHEIRO, Igor; ZIESEMER, H. R.; Nova Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 1ª. Ed, Leme-SP, Mizuno, 2022

4 CARDOSO, Marcelo Luiz Coelho. Improbidade Administrativa Ambiental: de acordo com as Leis 8.429/1992 e 14.230/2021

5 TJSP;  Agravo de Instrumento 2158892-07.2022.8.26.0000; Relator (a): Luís Francisco Aguilar Cortez; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Público; Foro de Ribeirão Preto - 2ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 09/08/2022; Data de Registro: 09/08/2022

6 TJSP;  Apelação Cível 1001338-51.2016.8.26.0383; Relator (a): Aroldo Viotti; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Nhandeara - Vara Única; Data do Julgamento: 12/05/2023; Data de Registro: 12/05/2023 e TJSP;  Apelação Cível 1000081-05.2020.8.26.0333; Relator (a): Claudio Augusto Pedrassi; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público; Foro de Macatuba - Vara Única; Data do Julgamento: 11/05/2023; Data de Registro: 11/05/2023

Priscila Lima Aguiar Fernandes

VIP Priscila Lima Aguiar Fernandes

Mestra e Pós-Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e advogada sócia do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

Daniel Santos de Freitas

Daniel Santos de Freitas

Pós-graduado em Prática de Direito Administrativo pelo DAMÁSIO e associado do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.

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