Como identificar o envenenamento por arsênio?
No caso de intoxicação por arsênico o manejo deve ser agressivo, sendo priorizada a estabilização das vias aéreas e garantir a estabilidade hemodinâmica, devido a hipotensão e as arritmias serem as principais causas de morte nestes casos.
sexta-feira, 19 de maio de 2023
Atualizado às 14:44
O arsênico de maneira geral é insípido e inodoro. Sua apresentação pode ser em sal ou gás.
A maioria dos compostos inorgânicos e orgânicos de arsênico são pós brancos que não evaporam. Eles não têm odor e a maioria não tem nenhum sabor especial. Por esse motivo, geralmente não é possível saber se eles estão presentes nos alimentos, na água ou no ar (tradução livre).
Com o estremo controle e diminuição da produção desta substância na forma inorgânica, sua venda é praticamente exclusiva por laboratórios, e é usado em nível industrial e em pesticidas. Sua versão orgânica, natural, provém por exemplo da liberação por vulcões, erosão de minerais, pois está presente de maneira natural na crosta terrestre (Agencia para Substancias Tóxicas y el Registro de Enfermedades, 2010).
O arsênio é considerado um agente tóxico para humanos e, dependendo da dose, sua ingestão pode ser fatal (NASCIMENTO; DENOBILE, 2016).
"O arsênio deixa rapidamente a corrente sanguínea para se depositar nos tecidos e é armazenado no fígado, nos rins, nos pulmões e nos ossos. Os tecidos que apresentam alta concentração de grupos sulfidrilas, como os ricos em queratina (pele, cabelo e unhas), são os que dispõem de maiores concentrações de arsênio e não utilizado como indicadores da exposição não recente ao arsênio. As concentrações na urina, por outro lado, são bons indicadores de uma exposição recente" (NASCIMENTO; DENOBILE, 2016).
Com compostos arsenicais inorgânicos, mais tóxicos para humanos, o menor nível observado para o efeito agudo é de 0,05 mg/kg, dose associada a desconforto gastrointestinal. Doses repetidas de 0,04 mg/kg/dia podem levar ao desconforto gastrointestinal, efeitos hematológicos após semanas e neuropatia periférica após 6 meses (KOSNETT, 2014).
É importante ter em consideração que é um veneno independente da dose e não existe uma quantidade segura para a exposição. Em baixas doses causa câncer, entre outras doenças no longo prazo. Em doses altas a morte é imediata, sendo a dose letal média do arsênio é de 0,07 g/kg. O arsênio também é bioacumulativo.
Concentrações entre 0,1 mg a 0,5 mg por litro de urina, indica apenas um aporte acidental não tóxico, incapaz de provocar intoxicação. Concentrações acima de 1 mg por litro de urina indicam intoxicação crônica. Na intoxicação aguda os valores encontrados são acima de 1 a 2 mg por litro de urina. Em indivíduo não exposto ao arsênico, a urina contém sempre, normalmente, baixas concentrações de arsênico, da ordem de 0,02 mg por litro, provenientes da alimentação diária, também pode ser monitorado pelo sangue e cabelos.
A exposição ao arsênio é chamada de exposição aguda, que produz (KOSNETT, 2014):
- Efeitos gastrintestinais: em minutos a horas, gastrenterite hemorrágica. Náuseas, vômito, dor abdominal e diarreia são comuns. Tendem a desaparecer em 24 a 48 horas, mas efeitos mais graves podem surgir.
- Efeitos cardiovasculares associados aos efeitos gastrintestinais: hipotensão, taquicardia, choque e morte.
"Acidose metabólica e rabdomiólise podem estar presentes. Após período de 1 a 6 dias, poderá ocorrer uma segunda fase de cardiomiopatia congestiva, edema pulmonar cardiogênico ou não cardiogênico e arritmias cardíacas" (Kosnett, 2014).
- Efeitos neurológicos: o estado mental é normal ou letárgico, com agitação, delirium - de dois a seis dias - e choques generalizados - raro. Neuropatia periférica axonal sensório-motora simétrica pode ocorrer entre uma e cinco semanas após ingestão, tendo início com disestesias distais dolorosas, em especial nos pés. Pode ocorrer fraqueza ascendente e paralisia, e em casos graves, quadriplegia e insuficiência respiratória neuromuscular.
- Efeitos hematológicos: pancitopenia, sobretudo leucopenia e anemia, que são características em uma ou duas semanas após ingestão. Também poderão ocorrer eosinofilia relativa e pontilhamentos basofílicos das hemácias.
- Efeitos dermatológicos: pode iniciar descamação, exantema maculopapular difuso, edema periorbital, herpes-zóster ou herpes simples, após uma a seis semanas. Estrias brancas transversais nas unhas podem aparecer após meses da intoxicação aguda.
A intoxicação crônica por arsênio pode causar: fadiga, mal-estar, gastroenterite, leucopenia, anemia, neuropatia periférica sensorial predominante, elevação das transaminases hepáticas, hipertensão portal não cirrótica, insuficiência vascular periféricas, lesões cutâneas, cânceres, hipertensão, mortalidade cardiovascular, diabetes melito, insuficiência respiratória crônica não maligna (KOSNETT, 2014).
O profissional deve suspeitar de intoxicação por arsênio quando haja (KOSNETT, 2014):
[...] dor abdominal, náuseas, vômito, diarreia e hipotensão, particularmente quando seguidos por um padrão crescente de disfunção cardíaca retardada, pancitopenia e neuropatia periférica. Acidose metabólica e CK elevada podem ocorrer no início do curso de casos graves. Alguns compostos arsenicais, particularmente aqueles de menor solubilidade, são radiopacos e podem ser visíveis em uma radiografia abdominal plana.
Para diagnóstico, a análise de amostra de urina é comumente suficiente (KOSNETT, 2014). O diagnóstico é feito através da identificação de níveis elevados de arsênio em uma coleta de urina de 24 horas. As concentrações séricas normais de arsênico são menores que 5mcd/dL, e as concentrações urinárias são >50mcg/L em indivíduos intoxicados.
Se o nível urinário basal estiver dentro dos limites normais e ainda houver suspeita de intoxicação por arsênico crônica, podem ser avaliados fios de cabelo e unhas para análise laboratorial. Devido à rápida distribuição de arsênico nos tecidos, os níveis de arsênico no sangue não são confiáveis.
Vale ressaltar que o diagnóstico da intoxicação por arsênico é difícil ser realizado, em especial quando não há um histórico conhecido. O médico poderá suspeitar da intoxicação em casos de: hipotensão precedida por gastroenterite grave; neuropatia periférica; manifestações cutâneas típicas; ou episódios recorrentes de gastroenterite inexplicada.
O eletrocardiograma, em geral, revela um intervalo QT prolongado, especialmente em envenenamento subagudo, podendo demonstrar também alterações inespecíficas do segmento ST e da onda T, embora esses achados sejam mais comuns na intoxicação crônica. Taquicardia ventricular com morfologia de torsade de pointes foi relatada. Pode ocorrer isquemia miocárdica secundária, levando a um diagnóstico errôneo de infarto do miocárdio primário.
O hemograma pode revelar uma anemia normocítica, normocrômica ou megaloblástica e/ou trombocitopenia com pontilhado basofílico e eosinofilia relativa. Os reticulócitos são elevados em pacientes com anemia hemolítica secundária. A contagem de leucócitos pode estar elevada na toxicidade aguda e diminuída na toxicidade crônica. Pode ocorrer aumento de transaminases e bilirrubinas.
No caso de intoxicação por arsênico o manejo deve ser agressivo, sendo priorizada a estabilização das vias aéreas e garantir a estabilidade hemodinâmica, devido a hipotensão e as arritmias serem as principais causas de morte nestes casos.
O tratamento inicial da intoxicação crônica deve ser no sentido de prevenir a maior absorção de arsênio e a descontaminação gastrintestinal, se adequado.
Em casos de ingestão aguda, deve ser aplicada lavagem gástrica e carvão ativado. Quando há risco de vida, deve ser iniciado o dimercaprol até que a condição clínica se estabilize, com transição para o succimer - agente quelante oral menos tóxico.
Na intoxicação aguda por arsênico também podem ser necessárias transfusões sanguíneas, transfusões de sangue para remover arsina não dialisável e hemodiálise para lesão renal aguda.
Muito relevante compreender que em casos de suspeita de intenção homicida, em casos de toxicidade aguda por arsênico, o prognóstico pode ser influenciado favoravelmente pela rápida instituição da terapia com dimercaprol.
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KOSNETT M. J. Arsênio. In: OLSON K. R. Manual de toxicologia clínica. 6a ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.
NASCIMENTO E. S.; DENOBILLE M. Arsênio: determinação em peixes por espectometria de absorção atômica. In: Moreau RLM, Siqueira MEPB. Toxicologia analítica. 2a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
Elise Karam Trindade
Psicóloga inscrita no CRP sob nº 07/15.329; graduada em Psicologia (Universidade Luterana do Brasil - ULBRA); especializada em técnicas psicoterápicas psicanalíticas com crianças e adolescentes (NUSIAF - Universidade de Coimbra, Portugal); diplomada em Estudos Avançados (DEA - Universidade da Extremadura, Espanha); doutoranda na área de intervenção psicológica em saúde e educação (Instituto Superior Miguel Torga, Portugal); especialista em Psicologia Forense (IMED); Neuropsicóloga (Hospital Albert Einstein - São Paulo) e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica (SBPJ), com atuação técnica indireta.