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O delicado equilíbrio entre os poderes

Uma breve análise da interferência do STF nas atribuições do Congresso Nacional.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Atualizado às 14:07

O equilíbrio entre os poderes é um pilar fundamental do sistema democrático brasileiro. Executivo, Legislativo e Judiciário desempenham funções distintas, mas interdependentes, para garantir o funcionamento adequado do Estado. No momento em que muito se discute os limites de atuação do STF, e fala-se tanto em ativismo judicial por parte do Pretório Excelso, vale aqui algumas considerações sobre o chamada separação dos poderes, seus limites e sua importância para o jogo democrático

Para isso, surgiu a teoria dos freios e contrapesos, da expressão checks and balances, consagrada na Constituição Federal de 1988, pressupõe a existência de um sistema de controle recíproco entre os poderes. 

Assim, o Legislativo julga o presidente da República e os ministros do STF nos crimes de responsabilidade; o presidente da República tem o poder de veto aos projetos de lei e o Poder Judiciário pode anular os atos dos demais poderes em casos de inconstitucionalidade ou de legalidade.

A finalidade da separação das funções é evitar a concentração de poder nas mãos de um único ente federativo. Além disso, essa divisão confere a cada um dos poderes autonomia para exercer sua respectiva função, assegura a harmonia entre os três e evita que abusos aconteçam por qualquer um desses, pelo menos, é assim que deveria funcionar.

A teoria dos freios e contrapesos, também chamada de teoria da separação dos poderes surgiu na época da formação do Estado Liberal, na sua forma mais moderna, a partir da ideia da iniciativa livre e da menor interferência do Estado nas liberdades individuais.

Ao longo da história, diferentes articulistas escritores arrazoaram sobre a corrente tripartite que constitui a separação do governo em três, tendo Aristóteles o desbravador originário em sua obra "A Política" que considera a existência de três órgãos separados a quem incumbia as decisões de Estado.

Para Montesquieu coube a tripartição e as devidas atribuições do exemplo acolhido atualmente, sendo o Poder Legislativo responsável pelas leis, seja temporária para determinada época ou duradoura com o poder de aperfeiçoar ou revogar as já existentes.

Já o Executivo seria o poder que se ocupa o Príncipe ou Magistrado da paz e da guerra nas relações internacionais com o estabelecimento da segurança e prevenção de invasões.

E por fim, e não menos importante, o Poder Judiciário, poder esse que oferece ao Príncipe ou Magistrado a competência de punir os crimes ou julgar litígios da ordem civil. Assim, Montesquieu, de acordo com esse pensamento, conferiu a forma tripartite como modelo delimitando o poder em mãos diferentes, nas tarefas de legislar, administrar e julgar.

John Locke conhecido como o pai do liberalismo escreveu em sua obra "Segundo Tratado sobre o Governo Civil", a defesa de um Poder Legislativo superior aos demais, o Executivo com a finalidade de aplicar as leis, e o Federativo, mesmo tendo legitimidade, não poderia desvincular-se do Executivo.

O pensamento empírico de Locke influenciou as bases das democracias liberais entusiasmando iluministas franceses em suas obras, as principais ideais que representaram, de forma emblemática, a Revolução Francesa. A teoria da separação dos poderes de Montesquieu foi inspirada em Locke que, também, influenciou significativamente os pensadores norte-americanos na elaboração da Declaração de sua independência, em 1776.

No pensamento de Locke, o mesmo homem que confiava o poder ao soberano era capaz de dizer quando se abusa desse poder. Os pleitos deveriam ser resolvidos por juízes neutros e honestos, de acordo com as leis. Essas ideias estruturaram a base do moderno princípio da separação de poderes transportando uma ideia de moderação e de compromisso. A ideia de divisão de poderes seria para evitar a concentração absoluta do poder nas mãos do soberano.

E assim, Montesquieu pensou a separação de poderes como um mecanismo para evitar esta concentração de poderes e estabelecer uma espécie de controle mútuo. Dessa forma, cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes, sendo este o freio. Já o contrapeso está no fato que todos os poderes possuem funções distintas, são harmônicos e independentes entre si.

No entanto, a linha que delimita as responsabilidades de cada poder pode se tornar tênue em determinados casos gerando uma tensão institucional. Este é um tema de enorme relevância, dada a sua relação direta com o funcionamento da democracia do país, e que atualmente, retorna aos noticiários de todo o Brasil sobre a PL das Fakes News.

O Supremo Tribunal Federal brasileiro, assim como a Suprema Corte americana, atua como a mais alta corte do judiciário do país. Ela tem autoridade final para interpretar a constituição e as leis federais no Brasil. Também pode derrubar leis que considere inconstitucionais ou que violem a constituição ou outras leis federais.

A Suprema Corte tem, às vezes, interferido no processo legislativo brasileiro, especialmente nos casos em que percebe que o direito de legislar esta sendo usado de forma inconstitucional ou prejudicial ao interesse do Estado, usurpando prerrogativas e discussões do Legislativo.

Em 2020, o Tribunal considerou que parte de uma nova lei para combater notícias falsas no Brasil eram inconstitucionais e poderiam ameaçar a liberdade de expressão e os direitos de privacidade. O STF derrubou disposições da lei que exigiriam que plataformas como Facebook e Twitter fornecessem a identidade de usuários acusados de divulgar informações falsas.

Decidiu ainda que uma disposição para criar um conselho especial para supervisionar casos de Fake News era inconstitucional, pois poderia ser usada para censurar conteúdo e infringir a liberdade de expressão.

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa interferência foi a criminalização da homofobia. Em 2019, o STF decidiu equiparar a homofobia e a transfobia ao crime de racismo, mesmo com um projeto de lei sobre o assunto tramitando no Congresso. Essa decisão suscitou acalorados debates sobre se o STF estaria usurpando a competência do Legislativo para criar leis.

Outro exemplo foi a suspensão da nomeação do ex-presidente, à época, Lula para Ministro Chefe da Casa Civil em 2016. Nesse caso, críticos argumentaram que a decisão do STF invadiu a competência do Poder Executivo, criando um precedente preocupante.

Mais recentemente, a questão do "voto impresso" também levou a questionamentos sobre a interferência do STF nas atribuições do Congresso. Em 2021, o STF declarou a inconstitucionalidade de uma lei que previa a impressão do voto eletrônico, sendo que a legislação havia sido aprovada pelo Congresso Nacional

Essas situações ilustram a complexidade da relação entre os poderes. Por um lado, é essencial que o Judiciário atue para proteger a Constituição e os direitos fundamentais dos cidadãos. Por outro lado, é crucial que cada poder respeite as competências dos demais para evitar desequilíbrios que possam comprometer o sistema democrático.

O Judiciário brasileiro deve ser um poder independente e imparcial para tão somente interpretar a lei e proteger os direitos dos indivíduos e da sociedade como um todo, garantindo que a constituição e as leis federais sejam respeitadas e obedecidas e não se envolver com a política, especialmente nos casos em que há disputas entre os diferentes ramos do governo ou em casos que têm ramificações políticas.

Em geral, espera-se que o Judiciário brasileiro atue como um intérprete neutro e independente da lei, sem afiliação ou interferência política.

O diálogo e a colaboração entre os poderes são vitais para a saúde de uma democracia, desde que, seja aberto e construtivo. A busca por soluções deve passar pela construção de um entendimento comum sobre os limites e responsabilidade de cada poder, garantindo assim a efetivação dos princípios democráticos e a proteção dos direitos dos cidadãos.

Guilherme Naves

Guilherme Naves

Pós-graduado em Direito Econômico e Financeiro pela Fundação Getúlio Vargas. Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto de Direito Público de Brasília.

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